Democratizando a cultura
Quinto ano do Festal fortalece a conexão com o fazer popular e a resistência artística; realizadores apontam ausência de políticas públicas no setor cultural
Por Victor Lima | Edição do dia 22/10/2019 - Matéria atualizada em 22/10/2019 às 13h04
Um início tímido. Exibição resistente: aos poucos, chegava o respeitável público, juntando-se à feirinha de economia criativa e às ‘Águas em mim’, apresentação de dança que deu início ao último dia do V Festival de Artes Cênicas de Alagoas (Festal), no palco montado na Praça Sinimbu, realizado no sábado (19). O começo representava bem o festival, que continua com a missão de democratizar a arte.
Não faltaram esforços nem atrativos: peças, apresentações musicais e de dança, diversos artefatos à venda, oficinas e pessoas de todas as faixas etárias. Isso para falar apenas do que aconteceu no Centro. O Festal também passou pelos bairros Benedito Bentes, Vergel, Garça Torta e Bom Parto.
Tamanha diversidade tem uma explicação: levar a arte ao povo e experimentar novos formatos artísticos pela cidade. “Tivemos cinco edições, todas com formatos diferentes, porque um dos desejos é experimentar e, a partir disso, entender o público, ver quem a gente ainda precisa alcançar. O festival vai se moldando nisso”, explica um dos organizadores, o ator Joesile Cordeiro.
No início, a base do evento tinha uma menor clareza na cabeça de quem o idealizou. Foi com a prática e a união de diversos grupos de arte do estado que as ideias tomaram corpo. “A primeira edição do Festal foi uma edição bem prematura da ideia, no sentido de que o Julien [Costa], integrante da Cia da Meia Noite, teve o desejo de fazer um festival onde tivesse essa organização coletiva. Inicialmente, era o Festival de Teatro de Alagoas, então, estava dentro desses festivais apenas teatro. A gente sempre procurava abranger outras linguagens, então, paramos para entender que não era só de teatro. Entrou também dança, circo, performance, contação de história e a gente sempre coloca atrações musicais. Este ano, por exemplo, tivemos um sarau que contou com forte apoio da comunidade”, continua Joesile.
Ele ainda destacou um dos principais focos da edição 2019 do festival. “Estar na rua também é um ato político de mostrar, de democratizar o acesso desses movimentos ao máximo possível. A gente está muito marginalizado, precarizado, e a gente é muito parceiro da população. Nós somos a população. E nós estamos aqui, pagamos todos os nossos impostos e precisamos de respeito, então, o Festal contesta muito essa ausência de políticas públicas que fomentam a cultura, tanto que é um festival que conta com apoio privado, e a gente fica nessa tentativa de levar essas discussões tanto nas oficinas quanto em seminários que já realizamos”, defende.
Cordeiro finaliza contando os desafios do Festal com o passar do tempo. “Sem dúvidas, há um maior envolvimento da sociedade. O festival está maior não só de público, como também de estrutura. Então, a gente precisa continuar estudando esses formatos para possibilitar a maior apreciação possível no festival e equalizar os artistas da capital e do interior dentro de uma organização digna. O crescimento também acaba sendo um afronte para a política pública. Nós estamos fazendo, voluntariamente, o que o Estado, o município, poderiam fazer”, finaliza.
ESTÍMULO À CRIAÇÃO
Dentre as apresentações artísticas, também foi levantada a produção da sociedade que prestigiou o festival. “A gente foi percebendo, em cada lugar que fomos, o que aquelas pessoas gostariam de receber. Uma oficina de contação de histórias, de malabares, de breaking dance. Por estarmos aqui no Centro, que é um lugar mais acadêmico, a oficina que foi selecionada para cá foi a de crítica teatral, voltada para um público mais envolvido no ler e escrever”, revela Bruno Alves, também integrante da organização.
Uma das oficinas ofertadas foi de ‘Estrutura cênica’, estimulando o fazer por meio do registro do que foi apresentado. Os responsáveis foram os escritores do blog Filé de Críticas, que contaram ao Caderno B maiores detalhes sobre as atividades.
“A ideia é pensar a crítica no teatro. Convidar artistas a pensar o lugar da crítica no teatro de Alagoas. Nosso blog, por exemplo, tem críticas, mas, além da crítica, é pesquisa também. A gente já vem em outras edições do Festal fazendo grupos de estudo e de pesquisa e este ano a gente fez oficina”, afirma Lili Lucca.
Jocianny Carvalho se surpreendeu com o público presente na oficina. “O interessante de ver, nesta oficina, foi a quantidade de alunos de Teatro, da própria Eta [Escola Técnica de Artes], estando presentes lá, dispostos mesmo, estando nesse lugar do diálogo e buscando a crítica para registrar o que está vendo. Eles recebem tanta produção na faculdade. Uma menina até falou lá ‘o que fazer com elas?’. E a gente mostra que tem uma crítica, tem o que fazer com elas, e compartilhar com outras pessoas”.
Lili completa. “Num cenário onde não se tem críticas, tudo o que você produz vai pra onde? Tá, ela é muito interessante, mas o que ela gera? Se você é artista e não questiona o que você faz, não dialoga com o seu público, ela acaba ali? Em que lugar ela fica? [Precisamos] Pensar também essa crítica como registro e memória. Nesse ciclo mesmo do Festal. Elas foram feitas para o festival, dentro da academia, e quais são os discursos? Como ele vai dialogar com a sociedade?”, reforça.
MARACATU
O encerramento do Festal 2019 ficou por conta do Maracatu Baque Alagoano, que tem em sua raiz a ocupação dos espaços públicos históricos de Maceió. O coordenador do grupo ressaltou a importância de eventos que fortaleçam a cena cultural e da união dos artistas. “Está todo mundo no mesmo barco, no mesmo sentido de fazer com que a valorização surja. No momento em que a gente está vivendo questões políticas em relação a desvalorização da cultura, um evento como esse só vem fortalecer. Nós temos os nossos folclores, nosso maracatu, outros tipos de folguedos. É importante estarmos todos juntos porque aí mostra a força da cultura alagoana”, diz Theo Cordeiro.
Ele ainda fala sobre a tradição do Baque de ocupar a Praça Marcílio Dias, no Jaraguá, e do significado que o Festal ganha em tempos de ataques diversos à arte. “Deveriam existir mais eventos como esse para que a gente faça com que ressurja a vida nesses espaços das praças, como a Sinimbu, para poder mostrar a vida que tem a nossa cultura. O festival é uma resposta para os gestores, para valorizar mais a cultura alagoana. A gente sabe: para o estado crescer, você tem que investir na educação, na arte, você tem que dar apoio. Nesses eventos, isso é muito positivo. É uma luz pra gente fazer com que os gestores acordem, que sabem que o caminho é esse, integrar educação, a cultura e a arte. Dar vida a sociedade”.