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Nº 5692
Caderno B

PODCAST RESPONDE A QUESTÕES EXISTENCIAIS E RI DO COTIDIANO

Apresentadora Laurinha Lero é presente para quem gosta de autodepreciação

Por DAIGO OLIVA - FOLHAPRESS | Edição do dia 12/11/2019 - Matéria atualizada em 12/11/2019 às 04h00

Foto: Reprodução
 

A produção brasileira de podcasts se divide majoritariamente em dois grandes grupos. De um lado, os que propagam bom conteúdo, mas pecam na forma. Do outro, os que não trazem nem conteúdo nem forma. Por isso, "Respondendo em Voz Alta" chama tanto a atenção. Sem a afetação daqueles que se levam muito a sério nem a cacofonia das mesas redondas, o monólogo de Laurinha Lero é um presente para quem gosta de autodepreciação e não quer encontrar sentido no mundo o tempo todo.

Parte da graça do podcast é o mistério em torno da apresentadora. Sabe-se que ela tem 25 anos, é de Niterói, mora em São Paulo e diz cursar teologia na Universidade Anhembi Morumbi - curso que a instituição nem oferece. Tanto faz saber o que é verdade. É um podcast de humor, e Laurinha faz troça de tudo.

Como se fosse uma terapia do absurdo, recebe perguntas via mensagens de áudio, sempre precedidas do som de chamadas de telefone. "Trrrriiiiiiiiimmmmm! Olha aí a ligação de mais um ouvinte."

Assim, comenta episódios sexuais e amorosos - ou a falta deles -, responde a questões existenciais e ri de problemas banais do cotidiano. Qual é a opinião de Laurinha, essa estudante de teologia, sobre o papa Francisco? "Primeiro que o papa é meu futuro chefe, então já de cara não posso falar mal. As coisas mais polêmicas que o papa diz é que ele não gosta de capitalismo e sexo com camisinha, o que, até aí, é uma crítica que se pode fazer de qualquer homem de esquerda", galhofa ela no episódio "Não é Difícil Calcular a Idade de Jesus".

Se Laurinha não estuda teologia para valer, pode facilmente ser uma aluna de filosofia. Em diversas passagens, cita de modo lisérgico conceitos e nomes de pensadores. Ao comentar a leitura de "Teeteto", de Platão, descreve Sócrates, "um cara meio otário", um pouco como Pedro Bial em seu programa de entrevistas: "Fica fazendo a pergunta, aí não ouve a resposta, não entende a resposta".

Talvez o humor de Laurinha não pareça deslumbrante em um texto escrito, mas ganha outro nível em áudio. Em podcasts, se o conteúdo importa, a forma importa ainda mais. Sem o sotaque insuportavelmente carioca e o jeito acelerado da apresentadora, que transforma um roteiro bem estruturado em algo que parece um fluxo espontâneo, "Respondendo em Voz Alta" não teria a mesma força.

Tampouco teria a mesma graça sem as interferências sonoras, como palmas cenográficas e efeitos que engrossam ou afinam a voz, e os intervalos comerciais fictícios. Sim, comerciais, porque um programa de rádio - Laurinha chama sua estação de rádio de Rádio 4 - tem de ter anunciantes, ainda que de um jeito torto.

No episódio "O Mistério da Origem do Pombo", por exemplo, o reclame é uma mensagem antipapelarias, sustentadas "pela bancada do papel e lápis no Congresso". "Não compre um caderno se já tiver um em branco."

Boa parte dos episódios foi gravada pelo celular - no nono capítulo, ela arrematou um microfone profissional após a recepção calorosa do público. A média de ouvintes já passa dos 15 mil. A apresentadora conta ter a impressão de que, quanto pior fica o cenário político, “mais a pessoas precisam ouvir um negócio que seja nada com nada”.

A ideia do podcast surgiu após uma caxumba. A jovem ficou nove dias de cama, período em que só pode ouvir programas de rádio nos moldes do que encabeça agora. Pensou consigo: “aposto que consigo fazer um podcast se quiser”. Foi lá e fez.

Laurinha, porém, já escorregou. Em duas oportunidades, chamou convidados, o que fez o programa ser um catado de piadas improvisadas e fracas, sem ritmo ou acidez - como se podcast fosse ligar um microfone e deixar as pessoas falando descontroladamente. "Respondendo em Voz Alta", disponível no Google Podcasts, Spotify, Apple Podcasts e Deezer, se vale apenas do nonsense de sua criadora e das perguntas enviadas pelos ouvintes - espontaneamente ou previamente combinado. Tanto faz. É o que faz da Rádio 4, "a rádio de quatro ouvintes", "a sua quarta opção", o podcast brasileiro mais interessante hoje.

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