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Nº 5694
Caderno B

DIRETO DE CANNES

Vencedor do festival, ‘Parasita’ explora relação de pobres espertos e ricos hipócritas; filme sul-coreano, em cartaz no no Cine Arte Pajuçara, tem com trama que aproxima duas classes sociais e confunde papéis de bons e maus

Por CARLOS HELÍ DE ALMEIDA/ ESPECIAL PARA O GLOBO | Edição do dia 13/11/2019 - Matéria atualizada em 13/11/2019 às 04h00

Nascido em uma família de classe média, filho de um professor de desenho industrial, o diretor sul-coreano Bong Joo-ho sempre teve uma visão privilegiada das engrenagens que sustentam as diferentes camadas da pirâmide social. E elas existem, com sólidas barreiras antimobilidade, mesmo na Coreia do Sul, que busca passar a imagem de país meritocrata. “A popularidade de grupos de K-pop e séries de TV talvez leve as pessoas a verem a Coreia como um país rico, uma paisagem tranquila. Mas, apesar das conquistas sociais dos últimos anos, ainda temos bolsões de pobreza”, avisa Joo-ho, que explora o abismo social em seu país em “Parasita”, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, que ocupa as salas de exibição dos cinemas brasileiros - e em Maceió está em cartaz no Cine Arte Pajuçara. Autor de “Expresso do amanhã” (2013), no qual tangencia o tema das hierarquias de classe, e “Okja” (2017), denúncia do lado desumano da indústria de alimentos, Joo-ho agora coloca em xeque as relações entre ricos e pobres. No centro da trama estão duas famílias: uma humilde e subempregada, que habita o fétido subsolo de um prédio de subúrbio; outra, endinheirada, que mora em uma mansão desenhada por um arquiteto famoso. Os caminhos dos dois grupos se cruzam a partir do momento em que Ki-Woo (Choi Woo-sik), filho do núcleo pobre, é indicado por um amigo para dar aulas particulares de inglês para a filha mais velha do casal abastado. Fruto de uma realidade em que a esperteza é a mãe da sobrevivência, o rapaz se vale de expedientes questionáveis para colocar também a irmã, o pai e mãe para trabalhar na mansão, nas funções de tutora, motorista e governanta, respectivamente. O processo de “infiltração” de uma família na outra apenas prepara o cenário para revelações desconcertantes sobre os dois núcleos, que levam a uma explosão de violência. É como se Joo-ho, também autor do roteiro, questionasse a possibilidade de uma coexistência entre as duas classes.


Foto: Divulgação
 

Foto: Divulgação
 

ALÉM DO BEM E DO MAL

O diretor avisa que em “Parasita”, representante da Coreia do Sul na corrida do Oscar de filme internacional, não há mocinhos e bandidos. “Todos cometem atos condenáveis”, explica Joo-ho, que buscou personagens não convencionais. “A família rica, por exemplo, não possui uma fortuna antiga, sua riqueza vem do mundo das empresas de tecnologia. Eles têm aparência sofisticada e boas maneiras. Mas, sob o microscópio, podemos vê-los usando formas sutis de desdenhar de gente de outras classes sociais, como a referência ao cheiro das pessoas que usam o metrô”. A distinção entre as castas começa na descrição dos espaços em que vivem. Na Coreia, os porões são considerados uma moradia melhor do que cômodos no subsolo mais profundo, pois seus ocupantes “ainda têm acesso à luz do sol”. A mansão é cercada por um gramado, tem dois andares e conta com um bunker escondido, desenhado pelo proprietário original para se proteger de uma possível invasão da vizinha Coreia do Norte. “Os espaços arquitetônicos definem e reforçam as barreiras sociais”, observa Joo-ho. “Ki-Woo, por exemplo, tem a sensação de que viveu a vida toda naquele apartamento de subsolo. Sente-se numa armadilha. E o único jeito de subir na vida, ter uma moradia melhor, é através do dinheiro. Mesmo que conquistado de maneiras escusas”. Com “Parasita”, o cineasta põe o filme de gênero (vários deles, pois o filme combina elementos de drama, thriller, terror e comédia) a serviço da crítica social. “A polarização entre ricos e pobres existe em todo o mundo. O cinema de gênero é eficaz como forma de entretenimento. Mas, como veículo de comentários políticos ou sociais, prefiro a potência de fórmulas menos fechadas”, argumenta. “Não é que eu conheça todas as convenções e tente intencionalmente quebrá-las. Na Coreia existe uma coisa que chamamos ‘dança aleatória’, em que você se move em movimentos arbitrários, seguindo o que o corpo manda. É mais ou menos como faço meus filmes”.

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