app-icon

Baixe o nosso app Gazeta de Alagoas de graça!

Baixar
Nº 5703
Caderno B

A RAINHA DO JACINTINHO

Única alagoana a figurar na playlist “Virais” do Spotify, Danny Bond comemora boa fase e promete ano com parcerias e novos hits

Por MAYLSON HONORATO | Edição do dia 07/12/2019 - Matéria atualizada em 07/12/2019 às 06h00

B1
B1 - Foto: Felipe Nyland
 

Para estar onde está e ser quem é, Daniela Barros, transexual alagoana por trás do fenômeno Danny Bond, conta que teve que pôr abaixo barreiras sociais e autoimpostas. Bond nasceu na favela do Bolão, periferia de Maceió, mas é mesmo apaixonada pelo Jacintinho, bairro onde mora desde a adolescência e onde se considera segura. Aos 22 anos, a cantora comemora feitos inusitados: no começo de 2019 conquistou o nono lugar na playlist “Virais do Brasil”, no Spotify; em seguida, se deparou com um coro de mais de um milhão de pessoas entoando seus hits no Carnaval de São Paulo, onde esteve a convite da drag Pabllo Vittar. Agora, para encerrar o ano que lhe garantiu um espaço de destaque na concorrida cena musical LGBTQ+ brasileira, Danny Bond lançará novo single e clipe nos próximos dias e promete superar as marcas - que já impressionam: 5 milhões de visualizações no Youtube, 137 mil seguidores no Instagram, 2 milhões e 400 mil streams e 83 mil ouvintes mensais no Spotify. A popular “Rainha do Jacintinho” é a única alagoana, até então, a figurar na playlist de hits virais do Spotify. Ela atribui isso ao trabalho duro, que começou (oficialmente) em 2015, com a música “Ai meu Deus”. A paixão por cantar, dançar e interpretar vem da infância, quando ela imitava artistas que assistia na televisão. A coisa ficou séria depois de uma paródia, postada em um grupo de amigos, cair nas redes sociais e nas graças do público. A nova música, “Aquecimento da Bond”, que será lançada no dia 13 de dezembro, tem uma produção mais “clean” e quer provar que a alagoana leva a sério a carreira musical. Um dos produtores é Gabriel Weber, que também compôs a música “Corpo Sensual”, hit de Pabllo Vittar e Mateus Carrilho.


PROIBIDÃO

Outro título que acompanha Danny Bond é o de “Rainha do Explicit”. O termo se refere ao teor sexual e explícito da música da alagoana, que pode causar certo estranhamento nos ouvintes de primeira viagem. Para a artista, os termos pejorativos estão no contexto social periférico no qual ela está inserida desde que nasceu. Segundo Bond, há um certa hipocrisia linguística e comportamental nos brasileiros, já que os termos considerados de baixo calão estão presentes no dia a dia, principalmente nos subúrbios e periferias. Bond está “pegando mais leve” neste novo single, mas pontua que o público aprova o “proibidão” da sua música e que isso também faz parte de quem ela é. Então, “vai continuar tendo palavrão sim”, declara. No mês passado, o UOL Tab divulgou que Alagoas é o terceiro estado brasileiro que mais consome funk, gênero musical em que Danny Bond está inserida e defende. Foi aí que, localmente, a discussão sobre o funk proibidão foi retomada nas redes sociais. A matéria que repercute o resultado do levantamento do Spotify Brasil traz comentários como “é por isso que o Brasil está do jeito que está”. Para Whytna Cavalcante, que gerencia a carreira de Bond, o funk vive uma tentativa de censura que passa pela mesma marginalização que sofreu o samba anos atrás. “Passa pela mesma coisa, por ser de periferia e tal. Mas é essa música que está dando voz para essas pessoas. Alimentando a esperança de ter o mínimo de dignidade, coisa que o sistema não faz. É um ritmo que, mesmo massificado, é marginalizado simultaneamente por parte da sociedade”, diz.


RAINHA DO JACINTINHO

Danny Bond recebeu a Gazeta de Alagoas no meio de uma rua do Jacintinho. Puxou algumas cadeiras, sentou, e logo foi cercada por vizinhos e amigos. A produtora Whytna Cavalcante recepcionou a reportagem informando alguns dos próximos passos de Bond, que estreia nova turnê em 2020, lança música para o Carnaval e pretende emplacar shows fora do Brasil. “Danny Bond é uma pedra preciosa para Alagoas. E, ainda bem, as pessoas estão começando a perceber isso. Ela é uma voz contemporânea, repleta de significados e que consegue levar Alagoas para o Brasil inteiro, a única depois de Djavan e Hermeto Pascoal. Quem diria que uma preta, pobre e transexual, daqui, teria um milhão de pessoas numa avenida paulista chamando por ‘Rainha do Jacintinho’?”, questiona. Confira o bate-papo:


Gazeta de Alagoas: Como foi a experiência de cantar com a Pabllo Vittar e como vocês se conheceram?

Danny Bond: Conheço a Pabllo desde os primeiros hits. Abri o primeiro show dela aqui em Maceió. E o Carnaval para mim foi algo que eu nunca pensei que poderia acontecer. Eu cantei para mais de um milhão de pessoas e o povo sabia as músicas e fazia coreografias. Então, eu fiquei pensando: “está acontecendo isso mesmo?”.


Dá para se sustentar hoje como cantora?

Com certeza. Hoje em dia eu vivo de Danny Bond. Eu pago meu aluguel, boto comida dentro da minha casa, me sustento e sustento outras pessoas, tudo com o dinheiro que ganho como Danny Bond. E isso foi algo totalmente inesperado.


Você se descobriu artisticamente no mesmo período em que se reconheceu trans, certo? Como foi isso?

A Danny Bond ajudou demais nesse processo. Eu estava me descobrindo e a Danny Bond me deu um empurrão para eu dar a cara a tapa, porque eu era muito vergonhosa, tímida. Até hoje sou [tímida]. O povo pensa que não, mas eu sou muito quietinha. Mas graças a Deus a Danny Bond também me ajudou nisso aí e em muitas outras coisas.


Nesse período você cursava o Ensino Médio. Sofreu bullying? Como reagia?

Eu nunca sofri preconceito na escola. Nunca deixei nenhuma pessoa falar um “A” comigo. Se alguém falava um A eu falava um B, um C, um D… Nunca deixei ninguém me destratar em nenhum momento.


E em casa, teve apoio?

Já em casa foi meio difícil. Minha mãe não acreditava muito, mas eu dizia pra ela: “mãe, eu vou ganhar dinheiro com isso, vou me sustentar”. Hoje em dia ela tem muito orgulho de mim, pelo fato de eu me sustentar, de não precisar dela pra nada [financeiramente], e ela fica muito feliz com isso.


Você já chegou a falar que seu pai abandonou a família. Vocês mantêm contato?

Eu não tenho contato com ele, apesar de ele ter tentado entrar em contato comigo. Eu prefiro estar com minha mãe neste momento. Nós passamos, ela e eu, muitas dificuldades. Quando a gente mais precisou dele, ele nunca ajudou. Aí agora ele está querendo vir atrás, mas eu prefiro ficar aqui com minha mãe.


Você tem consciência que seu destaque pode ter um impacto na vida de outras pessoas LGBT’s?

Tenho muita consciência disso aí. Tipo assim, hoje em dia, eu sou a única representante de Maceió, de Alagoas, com esse reconhecimento. Então recebo muita mensagem de pessoas que se inspiram em mim e estou sempre dando conselhos, apoiando os trabalhos dos outros, tentando falar sempre para essas pessoas não desistirem dos sonhos delas, acreditarem, porque nada acontece do dia para a noite. A minha maior mensagem para nós é persistam, sempre persistir.


Rainha do Jacintinho?

Danny Bond é o Jacintinho. Quando meu pai se separou da minha mãe, ela veio morar aqui no Jacintinho. E eu me senti tão acolhida aqui, que eu fiz uma paródia falando que eu era a rainha do Jacintinho. Quando comecei, as pessoas só me chamavam assim e é assim até hoje. Aqui no bairro as pessoas me respeitam muito. Onde eu saio, se eu botar a cara na rua, o povo já me conhece, já começa a gritar.


Leia mais na página B2

* Sob supervisão da editoria de Cultura.

Mais matérias
desta edição