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Nº 5694
Caderno B

Confira a programação do cinema (13/12/2019)

FILME SUBVERTE CONVENÇÕES DO CINEMA RUSSO DE GUERRA

Por LUIS FELIPE LABAKI/ FOLHAPRESS | Edição do dia 13/12/2019 - Matéria atualizada em 13/12/2019 às 06h00

Íya (Viktória Mirochnitchênko) trabalha como enfermeira em hospital de Leningrado
Íya (Viktória Mirochnitchênko) trabalha como enfermeira em hospital de Leningrado - Foto: Reprodução
 

"Uma Mulher Alta" talvez seja uma tradução elegante demais para o título original "Dylda", apelido da protagonista Íya (Viktória Mirochnitchênko). Nas legendas em português, a "dylda" é chamada de "grandona", algo mais próximo do termo russo. Este é o segundo longa-metragem de Kantemir Balágov e o segundo a ser premiado no Festival de Cannes. Com extensa carreira internacional, sua escolha para representar a Rússia na disputa por uma vaga na categoria de melhor filme internacional no Oscar não surpreende. Balágov, hoje o mais notório ex-aluno do diretor Aleksándr Sokúrov, decidiu tematizar a participação feminina na Segunda Guerra após ler "A Guerra Não tem Rosto de Mulher", de Svetlana Aleksiévitch, que apresenta relatos de cidadãs soviéticas. Acontece que "Uma Mulher Alta" não se passa durante a guerra, mas nos meses seguintes ao fim, e esse é seu aspecto mais interessante. Trata-se de um filme sobre traumas, tanto os que permanecem quanto os que são gerados nos difíceis períodos de transição. O Dia da Vitória, afinal, não apaga todas as sequelas. O primeiro som que ouvimos é um dos motivos centrais da obra: o gemido sufocado da jovem Íya, que periodicamente entra em um estado de estupor, incapaz de qualquer reação. Na trama, acompanhamos o trabalho de Íya como enfermeira em um hospital de Leningrado. Ela cuida ainda do filho de Masha (Vassilíssa Perelyguina), sua companheira de front. Uma crise da doença de Íya, porém, terá consequências trágicas que desencadeiam mudanças nessa relação. E este é um filme principalmente sobre a complexidade desse relacionamento, que oscila entre amizade, amor latente e abusos. Com personagens femininas protagonizando e movendo a história e homens em papeis secundários e fragilizados, "Uma Mulher Alta" subverte convenções do cinema russo de guerra. Mas aquilo que parecia permitido no contexto excepcional da guerra, incluindo novas configurações familiares, vai se modificando não apenas como consequência do sofrimento concentrado das personagens -um tanto repetitivas - mas também conforme elas são impelidas ao retorno a uma suposta "normalidade". Nesse sentido, é difícil não encarar uma fala de Másha sobre constituir uma "família 'normal', com um pai e uma mãe", como uma estocada irônica dirigida ao mundo de hoje e a certas padronizações disfuncionais que vão sendo estabelecidas - mesmo em tempos ditos de paz.

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