Caderno B
OLHOS ATENTOS DE UMA BELGA
Alice Mevis faz incursão por Alagoas e expõe relato afetivo sobre as belezas naturais e culturais, além de dedicar trecho a um alerta sobre o meio ambiente


Pouco divulgadas são as maravilhas deste pequeno estado do Nordeste brasileiro dentro do país e, muito menos, lá fora. Por lá, na Europa, pouquíssimas pessoas já ouviram falar de Alagoas, espremido como está entre os seus imponentes vizinhos Bahia e Pernambuco (que puxam toda cobertura para eles). Como é que eu, então, poderia ter imaginado passar uns 3 meses neste paraíso esquecido e acabar por me apaixonar por ele, se não fosse por um grande conjunto de circunstâncias inesperadas? (Alagoas, garanto, contém todos os encantos que os turistas estrangeiros e em particular europeus procuram quando planejarem uma viagem ao Brasil.)
‘50 TONS’ DE AZUL
Se existisse uma palavra só para resumir minha experiência alagoana — desafio considerável por sinal — seria uma cor: azul. Desde o céu limpo e brilhante até o turquesa profundo das piscinas de Maragogi, passando pelas águas esverdeadas da praia do Carro Quebrado, essa cor é o pano de fundo sobre o qual são ressaltadas as paisagem desta incrível Costa dos Corais. A cada dia que passa, você se depara com uma nuance diferente do inesgotável leque de azuis, segundo o tempo ou o momento do dia. Além disso, a estética azulada das paisagens alagoanas vem sublimada pelo verde dos coqueiros, o branco da areia e o amarelo do sol, numa sinfonia de cores que atinge a beleza mais pura durante o pôr do sol, na vastidão mansa da lagoa Mundaú, lá no Pontal da Barra. Os encantos naturais de Alagoas são de tirar o fôlego.
À ESCALA HUMANA
A Bélgica e Alagoas já tem algo em comum: o tamanho. Com cerca de 30.000 km², as duas regiões compartilham essa vantagem de abrigar tantas belezas num espaço tão pequeno. Esta particularidade faz com que seja possível conhecer muito sem gastar muita energia e tempo nos transportes. Quem vem da Europa tem uma maneira diferente de lidar com as distâncias, e visitar um país do tamanho dum continente tal como o Brasil pode se tornar um grande desafio. Alagoas, no entanto, oferece uma experiência do Brasil à escala humana, abrigando um acervo rico num pequeno espaço. Além duma natureza exuberante, os visitantes se deparam com o passado rico - e pesado - da região, pois foi em Alagoas que aconteceu a maior revolução escrava no Brasil. A resistência dos escravos à dominação europeia no esquivo/impenetrável Quilombo dos Palmares durou por mais de um século e, embora a morte heroica do famoso Zumbi dos Palmares marcasse o seu fim, o dia em que tombou foi escolhido para lembrar da formidável coragem desses escravos e deu origem ao Dia da Consciência Negra, celebrado pelo Brasil inteiro e que se mostra cada vez mais importante. Enquanto fui descobrindo o passado desta bela região pela qual eu sinto muito carinho, fui também me enchendo cada vez mais de vergonha por descobrir todos os danos e todo o mal que os europeus provocaram neste querida região. A minha geração não pode ser culpada pelo que aconteceu nessa época, no entanto, é preciso que os europeus tomem consciência dessa realidade e que não se esqueçam de que têm uma responsabilidade histórica. Felizmente, desse pesado passado surgiram coisas lindas: a cultura alagoana mostra é uma rica e ainda fértil mistura de influências africanas, europeias e indígenas. Fico maravilhada quando vejo todas essas culturas se cruzarem. Nas festas juninas, por exemplo, as quadrilhas de origem europeia vêm sublimadas pelos ritmos e batucadas africanos, enquanto a gastronomia regional, baseada em frutos do mar, cultiva sabores africanos e indígenas. Percebo agora uma questão fundamental: os brasileiros precisam despertar, valorizar e se orgulhar da própria cultura.