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‘MARTIN EDEN’ É UM DOS MELHORES FILMES DESTE ANO
Por SÉRGIO ALPENDRE/ FOLHAPRESS | Edição do dia 29/02/2020 - Matéria atualizada em 29/02/2020 às 06h00
Ao lado de Michelangelo Frammartino, do excepcional “As Quatro Voltas” (2010), Pietro Marcello é o principal nome do cinema italiano surgido no século 21. Na mais recente edição da revista inglesa “Sight and Sound”, o coreano e oscarizado Bong Joon-ho colocou Marcello entre os 20 diretores a seguir nos próximos 20 anos. Oriundo do documentário e herdeiro do armênio Artazvad Pelechian, a quem dedicou um belo ensaio fílmico chamado “O Silêncio de Pelechian” (2011), Pietro Marcello foi revelado internacionalmente um pouco antes, com o estupendo “A Boca do Lobo” (2009). Esse diretor único na filmografia contemporânea chega agora a seu segundo longa de ficção, “Martin Eden”, após o estranhíssimo e indefinível “Belo e Perdido” (2015), em que usa e abusa do ponto de vista e da voz interior de um búfalo (“apesar de tudo, tenho orgulho de ser um búfalo”, diz o animal em certo momento). “Martin Eden” é um pouco mais convencional dentro do registro ficcional. Mas é possível ver traços de sua obra pregressa e da poesia que ele extrai de suas buscas visuais. Assim como a câmera livre e a montagem ousada derivam de sua experiência no documentário ensaístico. Além disso, pode ser um pouco mais convencional, mas ainda está a milhas do cinema contemporâneo atual, sobretudo no registro do drama histórico, que Marcello persegue com uma liberdade invejável. Trata-se de uma adaptação bem livre de um romance menos conhecido de Jack London, em que um simples marinheiro, de formação deficiente, esforça-se para se tornar mais culto para desenvolver carreira como escritor. Na transposição para a Nápoles dos anos 1930, com o fortalecimento do fascismo italiano e, por outro lado, da consciência de classe, o filme ganha cores mais atuais. Era uma época em que a sociedade italiana dividia-se entre socialistas convictos e aqueles que temiam o socialismo de maneira irracional. No meio dessa celeuma, Martin Eden (Luca Marinelli) parece transitar indeciso entre um lado e outro, num movimento pendular que reflete sua recém-adquirida instrução e uma incipiente consciência política. Ou, se quiserem, sua liberdade de pensamento. A indefinição atrapalha o romance com a aristocrata Elena Orsini (Jessica Cressy) -que ele julga ser o amor de sua vida- e mesmo uma vida saudável em sociedade, já que naqueles tempos estava forte essa doença chamada intolerância. “Martin Eden”, então, fala inevitavelmente de nossos dias, na Itália como no Brasil. E o faz sem muita preocupação com a reconstituição histórica. Se dissessem que estamos nos anos 1980, todos acreditariam. O que diz muito da maneira como o capitalismo se desenvolveu na Itália. O principal atributo, contudo, é a liberdade narrativa, que pode até ser confundida com um mau roteiro por nossos amigos conteudistas. “Martin Eden” tem elipses ousadíssimas e não entrega quase nada mastigado para o espectador, que deve preencher as lacunas deixadas no enredo.
Não é um filme perfeito, longe disso, mas é dos melhores que veremos neste ano.
MARTIN EDEN
Quando: estreia nesta quinta (27)
Classificação: 14 anos
Elenco: Luca Marinelli, Jessica Cressy, Vincenzo Nemolato
Produção: Itália/França/Alemanha, 2019
Direção: Pietro Marcello
Avaliação: ótimo