Preciso, afável e brutal: o adeus ao escritor Rubem Fonseca
Contista diz que ele deixa um legado tão importante quanto o de Machado de Assis
Por Editoria de Cultura com Folhapress | Edição do dia 16/04/2020 - Matéria atualizada em 16/04/2020 às 06h00
O escritor Rubem Fonseca, autor de clássicos como “O Cobrador” e “A Grande Arte”, morreu na tarde dessa quarta-feira (15), no Rio de Janeiro, aos 94 anos. A informação foi confirmada por seu genro, o colecionador Pedro Corrêa do Lago.
Conhecido por sua reclusão -e consequente recusa a dar entrevistas-, a Rubem Fonseca normalmente é a atribuída a fundação de uma nova era na ficção nacional, que se tornou mais urbana depois dele. Com os livros do autor, também chega ao país uma influência mais direta da literatura dos Estados Unidos.
Com livros marcados pela linguagem afiada e pela violência, Zé Rubem, como era chamado pelos amigos, publicou principalmente histórias policiais, mas era um dos autores que levava o gênero -muitas vezes associado ao mero entretenimento- à alta qualidade literária.
Quando estreou na literatura, nos anos 1960, com a coletânea de contos “Os Prisioneiros”, sua literatura chegou a ser descrita como brutalista. O escritor teve uma parada cardíaca, informou o Hospital Samaritano, onde foi atendido.
José Rubem Fonseca nasceu em Juiz de Fora (MG), em 1925, viveu a maior parte da vida no Rio de Janeiro -e, mesmo recluso, se tornou, um dos personagens da cidade. Morador do Leblon, não era incomum vê-lo levemente disfarçado em caminhadas matinais, com boné e óculos escuros.
Sua reclusão gerou anedotas. Por exemplo, há a história clássica de um repórter de TV que, cobrindo a queda do Muro de Berlim, em 1989, resolve entrevistar um brasileiro que por ali passava. Aos ser questionado sobre seu nome, o tal brasileiro responde: “José Rubem”. O jornalista conversa com o escritor sem se dar conta de sua real identidade.
O lançamento de “Feliz Ano Novo”, em 1975, e proibição posterior geraram uma das polêmicas mais rumorosas envolvendo um escritor no regime militar. O livro trazia cinco contos com o estilo que consagrou Fonseca, com os personagens urbanos e do submundo dos quais ele gostava de tratar, como um milionário que atropela pessoas de noite.
A obra já tinha saído há um ano e sido um best-seller quando a ditadura o proibiu, acusando o autor de atentar contra a moral e os bons costumes. Fonseca processou a União, mas o livro só voltaria às prateleiras em 1985, com a reabertura.
UM OUTRO MACHADO DE ASSIS
É difícil encontrar um escritor de contos que não tenha familiaridade com sua obra. Para Sérgio Sant’anna, Fonseca deixou uma “marca inesquecível na literatura urbana brasileira”.
“É uma grande perda para a cultura, mas viveu uma vida de bom tamanho. Deixou uma obra importante, no meu entender principalmente nos seus primeiros livros”, afirma o autor, que se especializou em contos, assim como Fonseca. “Em relação ao Rio de Janeiro, que é minha cidade, ele deixa um depoimento que acho que pode ser comparado ao de Machado de Assis.”
Apesar da fama de Fonseca, de recluso e um pouco arisco. Sant’anna contesta essa impressão. “Ele tinha uma generosidade, uma afabilidade que pouca gente pode saber, porque ele era tão arredio com a imprensa... Mas era capaz de dar a maior atenção a um escritor novato. Tinha um tesão pela literatura.”
O escritor conta sobre como enviou a ele uma cópia de seu primeiro livro, “O Sobrevivente” (1969), e depois recebeu uma foto da obra posicionada na escrivaninha de Fonseca, dando a entender que estava sendo lida.
“A literatura estava meio clássica. Ele saiu botando pra quebrar com alto nível. Pesquisava bastante para fazer os contos dele. Uma vez telefonei para ele porque precisava saber como era um julgamento de um crime de estupro. Ele me deu uma aula sobre isso.”