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Nº 5882
Caderno B

TREZE DE MAIO: O DIA DA “ABOLIÇÃO”

Data é lembrada pelo movimento negro como o dia em que o Brasil oficializou a libertação de pessoas escravizadas, mas institucionalizou desigualdade social

Por Maylson Honorato | Edição do dia 13/05/2020 - Matéria atualizada em 13/05/2020 às 04h09

A maioria da população negra já não estava no cativeiro quando a Lei Áurea foi assinada; luta dos próprios negros garantiu liberdade
A maioria da população negra já não estava no cativeiro quando a Lei Áurea foi assinada; luta dos próprios negros garantiu liberdade - Foto: Reprodução
 


Passados 132 anos da abolição da escravatura, o Brasil ainda se vê diante de diversos desafios para superar as questões sociais decorrentes do comportamento mais insano da história da humanidade. O 13 de maio remete à assinatura da Lei Áurea, o documento que pôs fim ao regime escravocrata brasileiro, mas, que não significou o fim da exploração ou uma emancipação da população negra, de acordo com pensadores de Alagoas.


— Historicamente o movimento negro tem refutado o 13 de maio como data a se comemorar. Foi uma data instituída pela elite brasileira, numa perspectiva de que a elite branca teria sido a redentora. O movimento negro refuta a referência à essa data e, como contraponto, institui o 20 de novembro como o verdadeiro dia de luta da população negra por sua liberdade e por melhores condições de vida —, explica Jeferson Santos, coordenador do Instituto do Negro de Alagoas (Ineg-AL).


O Brasil Império passou por pressões internas e externas para que, enfim, chegasse ao 13 de maio. Nas ruas, em 1888, comícios e passeatas abolicionistas se somavam à resistência dos movimentos negros nos quilombos. Principalmente vinda da Europa, a pressão internacional crescia cada dia mais. E, na prática, a grande maioria da população negra não se mantinha mais nos cativeiros, graças à sua própria luta. A princesa Isabel, regente do trono à época, formalizou uma realidade que já se mostrava insustentável. O então Império Brasileiro, inclusive, foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão, segundo a historiadora Lilia Schwarcz. “A abolição foi um processo de luta da sociedade brasileira. Não foi uma lei. Não foi um presente da princesa Isabel”, declarou a historiadora, em entrevista à BBC.


O sociólogo Florestan Fernandes, em sua obra “A integração do negro na sociedade de classes”, publicada em 1964, detalha a maneira excludente com que a Lei Áurea foi formatada, explicitando que as classes dominantes não iriam contribuir para a inserção dos ex-escravos na sociedade, o que fomentou as desigualdades sociais baseadas em raça e que repercutem até hoje no que é chamado de racismo estrutural.


“Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho”, diz o texto.


Para Jeferson, o Brasil não deve pensar o racismo como algo episódico ou pontual.

— Nós negros e negras somos vítimas cotidianamente do racismo. Não existe “essa” ou “aquela” situação. Naturalmente, alguns atos racistas são mais evidentes do que outros, mas a verdade é que somos bombardeados em todas as instâncias e esferas da sociedade. Seja no livro didático da escola pública, que insiste em nos descrever como subservientes ou povo destituído de civilização. Povo sem história. Ou ainda, que nossa história começaria apenas com a colonização europeia. Isso só pra focar em apenas um dos aspectos do racismo na escola. —


Ele defende que a condição de vulnerabilidade socioeconômica da população negra, não é somente um aspecto do passado ou uma herança maldita do período colonial, mas consequência do racismo no Brasil contemporâneo.


— O racismo é reproduzido na atualidade pela elite branca brasileira e alagoana, em particular, enquanto mecanismo fundamental de reprodução de desigualdades raciais. O racismo é reproduzido na atualidade, por exemplo, quando o Estado resiste em considerar o quesito “cor/raça” nos dados dos atingidos pela Covid-19, incluindo os mesmos somente após a provocação do Ineg-AL ao Ministério Público Estadual. O racismo do Estado de Alagoas é reproduzido, na medida em que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) se nega a constituir um programa de concessão de bolsas de estudos para negros e indígenas —, pontua.


DESIGUALDADE EM NÚMEROS

O informativo “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, apresentado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado, une uma série de pesquisas para traçar um panorama da vida da população negra no Brasil de hoje, evidenciando que o racismo é um desafio contemporâneo.


O estudo mostra que a renda média das pessoas brancas ocupadas é 73,9% superior ao mesmo grupo de pessoas pretas ou pardas. Essa discrepante diferença persiste, mesmo quando consideradas ocupações idênticas.


Outro dado que chama atenção está relacionado à educação. De acordo com o IBGE, a proporção de negros cursando o ensino superior (18,3%) é somente a metade dos brancos nas universidades (36,3%).


Na política, a falta de representatividade — no País em que 54,9% da população se declara preta ou parda —, não pode ser explicada sem considerar o racismo estrutural, já que no Congresso Nacional, só 17,8% dos parlamentares são negros. Os dados são da própria Câmara Federal.


— Falei acima do aspecto da área da saúde. Recentemente, a prefeitura quis demolir terreiros de Candomblé e Umbanda na parte alta de Maceió, em plena pandemia da Covid-19! Isso é racismo institucional. A mídia e demais setores da sociedade têm o branco como padrão, como modelo a ser seguido, seja no campo da estética, seja no campo das realizações da humanidade. Então, o racismo nos acomete desde que nascemos. Sobre o ato de nascimento, em particular, existem estudos que mostram maior violência médica entre as mulheres negras que dão à luz. Enfim...a lista é imensa—, continua o coordenador do Instituto do Negro de Alagoas.


NEGRAS CONEXÕES

Na noite dessa terça-feira (12), o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (Neabi), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), iniciou o curso online de extensão “Negras Conexões”, que ocorrerá durante o período de isolamento social. O curso é dirigido para a comunidade acadêmica, mas todos podem acompanhar as transmissões online, no YouTube da Prograd/Ufal. A programação conta com 28 conferências, com conferencistas do Norte e do Nordeste, que discutirão aspectos das relações raciais e sociais no Brasil. As datas e horários estão disponíveis no site “ufal.br”.


Na abertura do curso, André vitório, Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) falou sobre raça, classes e cidadania, debatendo políticas afirmativas e discorrendo sobre a realidade do negro no Brasil. Ele lembrou que “ninguém no mundo conseguiu sua libertação, pelo processo moral daqueles que o oprimiam”, fazendo referência ao significado do 13 de maio. E também fez uma provocação para se pensar a desigualdade:


— Já que a maioria dos pretos são pobres e a maioria dos pobres são pretos, a gente vai se questionar: a gente é preto porque é pobre ou é pobre porque é preto? Fica muito óbvia essa determinação da classe pela raça. A gente é pobre porque é preto”, concluiu.


Jeferson Santos diz que o desenvolvimento de políticas afirmativas de promoção socioeconômica da população negra de Alagoas é uma obrigação do Estado e menciona a dívida histórica do Brasil com os brasileiros.


— O Estado de Alagoas e todos os seus municípios possuem uma dívida a ser paga ao nosso povo. É necessário que o poder público transfira capital material para a população negra sob a forma de indenizações financeiras em conjunto com medidas de inserção desta população em locais nos quais ela se encontre sub-representada. O governo de Alagoas e suas respectivas prefeituras precisam instituir o sistema de cotas raciais em seus concursos públicos. Até então, só presenciamos cotas raciais no último concurso público da cidade de Pilar. O governo do Estado precisa fazer o mesmo em seus concurso públicos — , defende o coordenador do Ineg-AL.

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