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Caderno B

Historiador alagoano Douglas Apratto reflete sobre o mundo pós-pandemia

Para o pensador e doutor em história, pandemia expôs rachaduras morais e psicológicas, além de contradições relacionadas à economia

Por Maylson Honorato | Edição do dia 30/05/2020 - Matéria atualizada em 30/05/2020 às 04h46

Escritor, professor e historiador Douglas Apratto Tenório, cumpre isolamento e diz que é preciso encontrar algo de formidável dentro de casa
Escritor, professor e historiador Douglas Apratto Tenório, cumpre isolamento e diz que é preciso encontrar algo de formidável dentro de casa - Foto: Cortesia
 

Quando finalmente acordarmos do pesadelo da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), que mundo nos espera lá fora? Que ânimo guiará os próximos passos da humanidade? Afinal, o trabalho continua com o fim da pandemia: recuperação econômica, social, cultural, documental... haverá muito o que fazer.


Para o professor, escritor e doutor em história Douglas Apratto Tenório, o "dia seguinte" exigirá serenidade e menos vaidade. Ele também espera que a descoberta de que é possível viver com mais simplicidade, seja suficiente para motivar mudanças na maneira de consumir.


No grupo de risco da Covid-19, aos 75 anos, o pensador alagoano segue à risca o isolamento social, a que chamou de "amargor", e faz diversas provocações acerca do pensamento apocalíptico diante da pandemia. Ao tempo em que lamenta o isolamento e fala em celebrar a vida lá fora, o autor de "Tragédia do Populismo" e "A metamorfose das Oligarquias" conclama que é preciso encontrar algo de formidável neste momento entre as quatro paredes de casa.


A convite da Gazeta de Alagoas, Douglas Apratto compartilhou reflexões sobre as perspectivas para um mundo livre do Sars-CoV-2 ou, pelo menos, com a pandemia vencida. Além disso, o professor comentou questões atuais que impactam a luta contra o coronavírus hoje, mas que também influenciará, segundo ele, a reconstrução da vida em sociedade.


RELAÇÕES SOCIAIS

O quanto a pandemia irá afetar as relações é algo incerto, depende. Uns serão mais afetados do que outros. No geral, daremos mais valor ao afeto, às amizades verdadeiras, à necessidade de reflexão, à espiritualidade e à compreensão de que somos passageiros de uma mesma nave.


DESAFIO MODERNO?

Por nossos traços narcisistas, sempre achamos que nossa cruz é a mais pesada do mundo. E que o momento ruim que atravessamos é o maior de todos. Na verdade, o século 21 começa com essa pandemia. Mas já tivemos instantes assim, lá atrás. Nem falo de um passado remoto, mas da geração de nossos pais, que considerava a II Guerra Mundial o maior dos males; e nossos avós que acreditavam ter sido a I Grande Guerra o maior dos males, com.a mortífera pandemia da gripe espanhola. Há uma lista de momentos assim. Desafios, surpresas, fazem parte da vida.


REVOLUÇÕES

É verdade que, ao longo da história, após grandes catástrofes, grandes revoluções ocorreram. Mas de toda ordem [boas e ruins]. Quem sabe essa seja a redenção do indispensável, para um desejo menor do supérfluo, mesmo reconhecendo que o supérfluo também importa.

Mas a verdadeira revolução seria saber que podemos viver com mais simplicidade. Que o consumismo, com a importância que tinha antes, pode ser secundário. Nada mais formidável que viver entre as paredes de nosso lar.


PREVENÇÃO

O inevitável na vida é um corcel que não pode ser domado. O ser humano sempre estará rodeado de perigos iminentes, que aparecerão de repente, não mais que de repente, como dizia o poeta Vinicius de Morais.


O PIOR JÁ PASSOU?

Só os cientistas podem responder. Enquanto isso, vamos fazer bom uso de nossas horas e minutos. E nos preparar para voltar à normalidade, quando for seguro.


LIDANDO COM A CRISE

Individual ou coletivamente, foram expostas rachaduras morais e psicológicas. O inferno, além de ser os outros, somos também nós mesmos.


DEMOCRACIA

A Democracia, já lembrou um pensador no passado, é uma plantinha tenra da qual cabe a nós cuidar.


MODELO ECONÔMICO

O modelo econômico tem que oferecer esperança. A nossa modernidade produziu um país menor em humanidade. Temos um modelo econômico que se formou e se metamorfoseou ao longo dos séculos, mas não alterou substancialmente as disparidades sociais. Há os que defendem o capitalismo, que continua produzindo miséria. E há os que defendem o socialismo, que não consegue eliminá-la. Temos que projetar nosso futuro com um projeto nacional de desenvolvimento. Onde as aspirações e os melhores desejos nacionais sejam atendidos: um país sem apartheid social.

A pandemia serviu também para mostrar nossas vísceras. Porque um país que tem empresas de alta tecnologia, que fabrica até aviões, como a Embraer, não consegue fabricar simples máscaras, luvas, EPI, respiradores, e tem de comprá-los em outros países? São contradições que a pandemia escancara.


POLARIZAÇÃO POLÍTICA

A polarização mexe hoje em tudo. Cada um acusa o outro da pior forma que encontra. Isso é péssimo. Mas, por outro lado, as posições são marcadas. Espero o amadurecimento e a confluência para algo mais agregador. Sem rupturas nem convulsões. A virtude sempre esteve e estará no meio.


ISOLAMENTO SOCIAL

É uma experiência onde o amargor, a tensão, o horror não podem superar o viver e o encantamento com as coisas simples e realmente importantes. Escrevamos nossas memórias desses tempos, com a capacidade humana de ir além das adversidades. O bem supremo consiste em viver de acordo com a natureza. Fomos gerados tanto para a contemplação quanto para a ação.

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