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Nº 5693
Caderno B

“TE CONFESSO QUE VOTEI E ME ARREPENDI”, DIZ LYA LUFT SOBRE BOLSONARO

Para ela, “ditadura branca” interfere no combate à pandemia: “ele decreta e tem que ser como ele quer”

Por Paula Sperb/Folhapress | Edição do dia 24/06/2020 - Matéria atualizada em 26/06/2020 às 15h37

Celebrada escritora lança novo livro, com crônicas sobre afeto e sobre o luto pela morte do filho
Celebrada escritora lança novo livro, com crônicas sobre afeto e sobre o luto pela morte do filho - Foto: Silva Júnior/Folhapress
 

Com vista para um bosque, Lya Luft, 81, está sentada na sua cama, falando ao telefone, enquanto cumpre quarentena na sua casa em Gramado, na serra gaúcha. A escritora fala sobre afetos e o luto pela morte do filho, temas das crônicas de seu novo livro “As Coisas Humanas” (Record, 2020). Luft fala também, com naturalidade, sobre arrependimento: ela se arrependeu de votar no presidente Jair Bolsonaro em 2018.

“Te confesso que votei e me arrependi. Votei na falta de coisa melhor e me arrependi muito. Não conhecia direito. Queria uma trégua do PT, era muita esculhambação, corrupção, não foi uma fase boa. Votei nele [Bolsonaro] e me arrependi em seguida”, conta a escritora.

“Muita gente da minha família, que jamais votaria nele, porque ele não se portava bem mesmo como deputado, queria mudar. Alckmin estava muito sem possibilidade. Queria outro Brasil e deu no que deu”, acrescenta.

A afabilidade que cultiva -com netos, filhos, companheiro, amigos e até animais de estimação- não a impede de indignar-se com a política brasileira.

“Parece que vivemos uma ditadura branca, uma coisa estranha, onde ele [Bolsonaro] decreta e tem que ser como ele quer. Mesmo em assunto em que ele não entende [novo coronavírus], quando estão morrendo milhares de pessoas. Essas distrações dos líderes na sua própria cobiça, a distração do sofrimento das pessoas, estão me deixando muito muito entristecida, é preciso cuidar das pessoas”, opina.

Embora seu novo livro não seja de ficção, a imaginação de ficcionista parece ativada ao descrever metaforicamente sua impressão sobre a pandemia do novo coronavírus, que se espalha pelo mundo.

“É como se o globo terrestre estivesse coberto por uma nuvem escura, meio pegajosa, se arrastando por cima de tudo. É quase incompreensível que Ásia, Europa e Brasil estejam passando pela mesma coisa [ao mesmo tempo]. Parece um grande animal, com tudo parado”, diz.

A pandemia afetou, também os ritos tradicionais de lançamentos de seus livros, que envolvem concorridas palestras, participações em feiras do livro e sessões de autógrafo com longas filas. Agora, a comercialização do livro é por lojas virtuais e delivery das livrarias de rua. Para Luft, a vida vem antes da economia.

“Muita gente ainda não está fazendo isolamento ou anda na rua sem máscara, mesmo quando cientistas recomendam. É possível reparar, em parte, a economia. Mas não pode reparar uma vida. São assuntos difíceis, filosóficos e éticos.”

O leitor, que por ora não tem a chance de pegar um autógrafo, encontrará crônicas inspiradas no cotidiano da escritora, com passagens do tipo “gente como a gente”: grupo no WhatsApp com as amigas e até relações desfeitas no Facebook por causa de política.

“Meu editor recentemente escreveu que existe o ‘gênero Lya Luft’”, afirma no texto em que se apresenta, “frente a frente”. Os textos, porém, que mais se destacam são aqueles em que rememoram o filho André, morto aos 51 anos, em 2017, após uma parada cardiorrespiratória.

Em um deles, recorda um passeio de ônibus com o filho, ao voltarem do shopping onde o garoto ganhou um microscópio “de verdade” como presente. Em outro, ela lembra o dicionário para crianças que o menino escreveu após receber o “Luftinho”, um dos dicionários escritos pelo pai Celso Luft (1921-1994). O filho escreveu verbetes como “alface”, “amigo, “xixi” (“só conheço essa com x”, dizia) e “zebu”.

“Em última análise, escrevi, talvez, para mostrar que o amor é mais importante que a morte”, diz.

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