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Nº 5856
Caderno B

MESTRA VÂNIA DE ALAGOAS

Após receber título de imortal da cultura brasileira por entidade ligada à Unesco, artesã questiona infraestrutura e apoio à cultura em Alagoas

Por DIMITRIA PIMENTEL*/ ESTAGIÁRIA | Edição do dia 30/09/2020 - Matéria atualizada em 30/09/2020 às 05h00

Foto: Ramatis Haywanon da Costa
 

“Onde tem artesanato eu estou no meio”. Bem humorada, a mestra artesã Vânia de Oliveira, que já possuía o título de Patrimônio Vivo de Alagoas, foi declarada imortal da cultura brasileira na última semana. Inesperadamente, enquanto assistia a cerimônia, Vânia escutou seu nome e mal conseguiu acreditar. A premiação é uma das ações da Organização Internacional de Folclore e Artes Populares (IOV World) - filiada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Trabalhando com peças que representam o melhor da cultura popular do estado e das manifestações folclóricas, Vânia se diz militante da causa. Ela destaca que questões como a falta de um Centro de Artesanato em Maceió é o que enfraquece a representatividade da cultura em Alagoas. “Queria que Alagoas fosse pelo menos 50% do que Pernambuco é com a cultura deles. Lá, você desce do ônibus e encontra pessoas usando a bandeira estampada nas camisas, chega pelo aeroporto e enquanto espera o vôo pode ficar olhando peças de artesanato que ficam expostas permanentemente. Mas aqui no estado, não temos nada disso”, pontua. Ela ainda conta que trabalhar com a valorização da cultura não é um trabalho fácil. As peças criadas são admiradas, mas o reconhecimento para os artesão dificilmente chega. As vendas e a falta de um espaços que promovam esse mercado voltado para o que é produzido aqui é um outro problema. “A Feirinha e o Pavilhão do Artesanato em Maceió não representa a cultura do estado. É uma mistura de diversas manifestações do Nordeste inteiro”, aponta. Vânia é autodidata e revela o amor pela cultura popular através do trabalho, principalmente, com bumba meu boi e chapéus de Guerreiro. Além da profissão de artesã, que lamenta não ser regulamentada, ela também é formada em pedagogia e conta que buscou a graduação para aprender a levar o artesanato para a sala de aula. Antes da pandemia do novo coronavírus proibir aglomerações, a mestra lecionava no Centro de Belas Artes e nos interiores. Ela diz que o título de imortal a deixou orgulhosa do trabalho que vem desempenhando e que além disso, serve para mostrar que Alagoas é o estado do artesanato. “Muitas pessoas acreditam que aqui no estado não se faz cultura. A maior prova de que eles estão errados é o fato de sermos o único estado que tinha quatro membros no extinto Ministério da Cultura (MinC).” Com quase três décadas de dedicação ao artesanato e ao folclore, a mestra sente que ainda há muito trabalho pela frente. Presidente da Federação Alagoana de Artesãos (Falart) e secretária da Confederação Brasil de Artesãos (Conart), Vânia se mostra apta para defender a categoria e batalhar pela regulamentação da profissão - o que traria tranquilidade para os mais velhos, que precisam de aposentadoria. “Quando a gente chega a uma certa idade, não pode parar. Eu não sei mais quanto tempo vou ficar aqui. Já que não temos os direitos da profissão assegurados, precisamos trabalhar dobrado para viver de arte. Apesar disso, me sinto disposta para mais duas décadas”, fala sorrindo. Aos 63 anos, ela se dedica aos netos e conta que assim como a avó, eles amam folclore. Quando uma neta de Vânia precisou apresentar um projeto para a conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo, a avó sugeriu e ajudou no desenvolvimento de um Centro de Artesanato planejado para Maceió. O TCC foi aprovado e ela conta que resgatou a esperança de um dia esse plano sair do papel. “Foi muito gratificante ver a minha neta realizando meu sonho, ela estava sem ideia para o trabalho e eu ajudei ela com a realização. Agora 50% já está adiantado, o projeto, agora só falta construir. Espero estar viva e trabalhando quando esse Centro for criado.” Mesmo com artrite e bursite causadas pelo esforço do trabalho, a mestra se esforça diariamente para manter-se por dentro do que acontece com a categoria, além de produzir suas peças. “Tem dias que eu não consigo nem levantar o braço de dor, mas estou sempre trabalhando. Com essa pandemia, não fiquei parada. Trabalhei mais do que estava antes do coronavírus, as lives e reuniões online têm sido muito proveitosas. Acredito que é a melhor forma de passar a informação nesses tempos de quarentena.” Ela conta que a inspiração para o seu trabalho vem de manifestações folclóricas de todos os tipos, sempre foi assim. “Abracei isso com propriedade, faço as peças para não deixar a cultura popular passar despercebida, as pessoas não podem esquecer. Um povo sem cultura é um povo sem identidade.” Esse foi o primeiro ano em que o título de Mestres Imortais passou a ser entregue a artesãos brasileiros.

*Sob supervisão da editoria de Cultura

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