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Nº 5854
Caderno B

A CATÁSTROFE DOS LIVROS

Ano que terminou ameaçou mercado editorial brasileiro, mas será lembrado pela resistência do setor

Por WALTER PORTO/ FOLHAPRESS | Edição do dia 01/01/2021 - Matéria atualizada em 01/01/2021 às 04h00

Foto: TOM HERMANS
 

O ano de 2020 poderia ter se consolidado como um que enterraria, implacável, o mercado editorial junto com outras áreas prejudicadas pelo coronavírus. Mas o que acabou se desenhando foi um ano de resiliência –e até de algumas voltas por cima. Uma delas foi a da venda de livros. O fechamento das livrarias em março parecia o anúncio de uma calamidade sem precedentes, mas o que se viu na verdade, como têm ecoado as entidades do setor, é que o brasileiro aproveitou a quarentena para ler mais. O mercado editorial viu seu faturamento cair pela metade no começo da pandemia, sustando de repente um movimento de saída da crise provocada pela recuperação judicial das duas maiores redes da praça, Saraiva e Cultura. As duas gigantes estão entre as que mais sofreram com o coronavírus, com o encerramento definitivo de várias filiais e uma ameaça ainda mais séria de falência. Para o mercado como um todo, o tropeço foi brusco, mas momentâneo. A receita voltou a crescer pouco a pouco nos meses seguintes, e o ano termina em patamares estimulantes. Segundo o último balanço da Nielsen Bookscan, as vendas de novembro superaram em 20,8% as do mesmo período do ano passado. É verdade que boa parte da fibra que manteve o mercado editorial de pé foi virtual. A balança de vendas passou a pender a favor das plataformas online –se antes a maior parte dos lucros vinha das lojas físicas, a pandemia inverteu a equação - e, além disso, a pujança de e-books e de audiolivros aumentou. A concorrência de mastodontes como a Amazon, acessíveis a um clique da quarentena e com robustez financeira suficiente para praticar preços menores, ameaçou as livrarias independentes. Algumas fecharam de vez, outras recorreram ao auxílio de vaquinhas como o projeto Retomada. Mas agora elas também têm se reerguido. Novas lojas de rua surgiram em São Paulo, e marcas de maior porte como Vila e Leitura –hoje a maior rede brasileira de livrarias - aproveitaram as brechas da crise para abrir endereços. De toda forma, ainda devem ter fôlego os movimentos que estimulam a ocupação das livrarias físicas, como a Super Sexta, que aconteceu este mês. A frequência nas lojas ainda não voltou à força total –afinal, estamos no meio da pandemia– e elas seguem indisputáveis como as melhores vitrines para lançar novidades. Quando as editoras viram que perderiam essa exposição, lá em março, pisaram no freio e passaram alguns meses dando mais atenção a obras de catálogo e a livros digitais, numa estratégia cautelosa. O ritmo se normalizou a partir do segundo semestre, quando o mercado editorial se viu também sob o impacto de outro enorme acontecimento político e cultural –o movimento Black Lives Matter. As reverberações da pauta antirracista na literatura abrangeram lançamentos de obras importantes de não ficção, que pensam a negritude, a branquitude e a estrutura do racismo, e diversos trabalhos de ficção mergulhados nesse tema. Chegaram às estantes livros notáveis de Bernardine Evaristo, Ta-Nehisi Coates, Jeferson Tenório, Eliana Alves Cruz, Danez Smith, Jamaica Kincaid, uma lista que demoraria a se exaurir. Também meritório foi o resgate da obra de intelectuais negros, que tiveram o acesso a seus livros ampliado ou seus escritos reunidos de forma extensiva pela primeira vez. É o caso dos brasileiros Lélia Gonzalez e Luiz Gama, que ganharam coletâneas essenciais, dos americanos Audre Lorde e Ralph Ellison, do martinicano Frantz Fanon e do nigeriano Wole Soyinka. Foi um esforço de uma gama de editoras atentas à demanda do público e ao espírito do tempo –também refletido no prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira, que premiou como melhor romance “Torto Arado”, no qual Itamar Vieira Junior pauta a ancestralidade negra, e, na categoria de humanas, o “Pequeno Manual Antirracista” de Djamila Ribeiro. O troféu de livro do ano, contudo, foi para a poeta Cida Pedrosa, eleita vereadora no Recife pelo PC do B no mesmo mês em que foi premiada por seu “Solo para Vialejo”, da Cepe Editora. A poesia também deu as cartas no último Nobel de Literatura, concedido à americana Louise Glück, pouco divulgada no Brasil, mas que passa a sair a partir do ano que vem pela Companhia das Letras. As editoras também se uniram, dessa vez coagidas pelas circunstâncias, em outra frente tática. Em julho, surgiu a possibilidade de que os livros voltassem a ser taxados. A proposta de reforma tributária enviada ao Congresso pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, não previa nenhuma isenção ao mercado editorial na contribuição planejada para substituir o PIS e a Cofins –que, hoje, os livros não pagam por força de lei. Escritores, leitores e profissionais do mercado se mobilizaram contra a taxação, que prejudicaria as editoras menores, incapazes de arcar com um repentino tributo de 12% sobre seus produtos, e aumentaria os preços dos livros, como consequência dos custos mais altos. A proposta não andou porque a reforma tributária está parada no Congresso. Mas a expectativa é que o debate volte no próximo ano. As ameaças que surgirem em 2021 devem enfrentar, contudo, uma indústria mais vigorosa do que se imaginava no começo da pandemia. Neste ano, a catástrofe veio com tudo para cima dos livros. Mas que produto resistente encontrou.

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