SILÊNCIO NA AVENIDA
Escolas de samba, blocos e grupos culturais lamentam carnaval sem folia, mas já preparam as fantasias e a batucada para 2022
Por MAYLSON HONORATO | Edição do dia 13/02/2021 - Matéria atualizada em 13/02/2021 às 04h00
Estandartes guardados, figurinos inconclusos e o barracão silencioso da Escola de Samba Gaviões da Pajuçara, em Maceió, ilustram bem o vazio que estes quatro dias de carnaval - sem folia - representam para os amantes da festa de momo. A desforra, considerada por muitos a grande válvula de escape da realidade, não ganhará as ruas em 2021 em decorrência da persistente pandemia do novo coronavírus. José Hilton Lopes Feitosa, de 66, conhecido como Mestre Prego, conta que será a primeira vez, em 60 anos, que ele não estará nas ruas com seus bonecos gigantes e a alegria que só a festa da carne pode conferir. Filho do Mestre Netinho, primeiro fazedor de bonecos gigantes de que se tem notícia, José Hilton relata que essa época do ano é de grande movimentação em casa, no barracão da Gaviões da Pajuçara e na sede dos blocos dos quais participa: o Bloco Bonecos da Cidade e o Bloco do Prego. Mas, este ano, silêncio. “O sentimento que a gente traz é de tristeza. Não vai ter folia, não vai ter a emoção do preparativo, nem a emoção de sair nas ruas e brincar com os companheiros. É muita tristeza”, diz Prego, enquanto olha para os adereços inacabados que os integrantes da escola de samba usariam. “Já tínhamos começado o trabalho na escola de samba [Gaviões da Pajuçara], até porque o nosso trabalho começa imediatamente quando acaba o carnaval anterior. Mas aí veio a pandemia e nos impediu de continuar. Paramos a fabricação de adereços, das fantasias, recolhemos tudo na maior tristeza. Nossas costureiras, nossos integrantes, todos tristes, até porque é nessa data que todos ganham o dinheiro do seu sustento”, narra o bonequeiro. De acordo com José Hilton, as escolas de samba de Maceió estão na mesma situação, com muitas atividades paralisadas e aguardando a hora do anúncio mais esperado: que a pandemia, finalmente, acabou. “Não tem como pensar em carnaval com tanta gente morrendo, com tanta gente doente. Conversamos com a secretária de cultura de Maceió [Mirian Monte] para montarmos um projeto que envolva todas as escolas de samba. Ela nos recebeu muito bem, nos recebeu com muito carinho, o que aumentou a nossa expectativa para 2022”, explica Prego. Apesar de um apaixonado pelo carnaval, ele se diz contrário à ideia de fazer uma festa fora de época e afirma que isso não contempla as escolas de samba. “Meu pai me deixou esse legado, de continuar com as festas de rua, os bonecos, depois veio a escola de samba. É a primeira vez desde a infância que eu não vou pular carnaval. Mas eu acho um absurdo a gente falar em carnaval este ano”, diz. “Nossa maior saúde é estar vivo. Eu ainda nem me vacinei. eu acredito que o nosso prefeito terá bom senso e vai revogar isso de ter carnaval em setembro. Eu acredito. Eu vou aplaudir ele, as escolas de samba vão aplaudir e preparar um grande carnaval para 2022”, continua o mestre, que finaliza com um alerta. “Só sabe o que é essa doença [Covid-19] quem teve ou tem alguém na família que teve. A gente não pode levar na brincadeira porque ano que vem teremos um grande carnaval, mas se perder a saúde, perdeu. Meus netos pegaram essa doença terrível. Só sabe quem pega”, finaliza.
PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR
Carlito Lima, escritor, entusiasta da folia e pesquisador do carnaval de rua em Maceió, promoveu, no final do mês passado, um seminário online que discutiu com organizadores de blocos, eventos e escolas de samba da capital a realização do carnaval de 2022. Do evento “Preparando o Carnaval” surgiu um projeto que será compartilhado com a Fundação Municipal de Ação Cultural de Maceió (Fmac). Apesar de animado para o próximo ano, ele diz que não consegue fugir do sentimento de vazio dos dias sem folia. “O sentimento é de muita frustração, mas o motivo é muito forte. Eu sou favorável a não realização do carnaval e de só voltarmos às ruas quando estivermos vacinados, quando pudermos aglomerar”, afirma. Segundo o pesquisador, o carnaval de rua de Maceió voltou a ter vida no ano passado, quando diversos blocos tomaram a orla da capital, não nas prévias, mas nos dias de carnaval. “Acredito que é importante, este ano, refletir sobre o trabalho que estamos fazendo, desde 2015, com o Bloco da Nêga Fulô. É um trabalho pela reativação do carnaval de Maceió nos dias de carnaval, que há mais de dez anos acabou. No ano passado, conseguimos retomá-lo, com participação de vários blocos tradicionais, escolas de samba, desfile de bois e blocos afro. Aí vem a pandemia interromper esse movimento. Neste momento, continuamos mobilizados para que no próximo ano estejamos firmes e unidos”, diz. “Mas bate uma saudade danada, sabe? Esses caras ficam me mandando ‘zap’ com vídeos bonitos dos carnavais que passaram, aí a gente ouve aquele frevo e bate uma angústia grande. Mas o que nos resta? Que venha logo o próximo carnaval e que a gente possa se aglomerar. Agora, nosso pensamento tem que estar voltado para a vacinação”, conclui Carlito Lima.
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