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Caderno B

CENA CULTURAL

Aldir Blanc ajuda cultura a recuperar metade dos 870 mil postos perdidos na Covid, mas cenário ainda é dramático

Por EDUARDO MOURA/ FOLHAPRESS | Edição do dia 02/04/2021 - Matéria atualizada em 02/04/2021 às 04h00

O setor cultural brasileiro terminou o ano passado perdendo 458 mil postos de trabalho, formais e informais, em comparação com o último trimestre de 2019.

Mas o quadro poderia ter sido pior. Isso porque só no primeiro semestre, 870 mil empregos haviam sido ceifados da cultura. Ou seja, houve uma recuperação de 412 mil empregos, ainda que o cenário continue desfavorável.

No fim de 2019, havia 7,1 milhões de pessoas trabalhando no segmento. No fim do ano seguinte, o número havia caído para 6,7 milhões, uma retração de 6,4%. As informações são do Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural, que monitora a indústria criativa no Brasil.

“A Lei Aldir Blanc foi essencial e a prorrogação da sua execução é importantíssima para o segmento”, afirma Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural.

O auxílio emergencial à cultura destinou R$ 3 bilhões ao setor –os valores obtidos pelos artistas ainda podem ser executados até dezembro deste ano e a prorrogação da prestação de contas está em votação no Congresso– e é tido como um dos principais fatores que evitaram que uma tragédia ainda maior atingisse a classe artística brasileira.

Um outro responsável pela melhoria do quadro é o setor de tecnologia da informação ligado à cultura. Segundo a pesquisa do Itaú Cultural, foram criados 115 mil postos de trabalho em TI, um crescimento de 24% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Peças via Zoom, lives musicais no YouTube, exposições online e até festas virtuais. A cultura foi forçada pela pandemia a migrar para o espaço online, de uma hora para outra. Para isso, os artistas precisaram recorrer a quem entendia de números e programação.

Em compensação, trabalhadores dos setores de cinema, música, fotografia, rádio e TV foram os mais afetados pela crise. Juntos, contabilizaram uma perda de cerca de 95 mil postos de trabalho entre o final de 2019 e o final de 2020, o que representa uma retração de 30%.

Para alguns, o momento não é de otimismo, definitivamente. Segundo Isabel de Paula, coordenadora de cultura da Unesco no Brasil, este segundo ano de pandemia deve ser ainda mais crítico.

“Em 2020 tivemos a Lei Aldir Blanc. Agora não temos mais essas políticas e 2021 é um cenário mais grave e que são necessárias mais políticas públicas e de apoio do setor privado. A situação está mais grave inclusive do ponto de vista de saúde física e de saúde mental”, diz.

A Unesco revelou em uma pesquisa recente a dimensão do baque e do pessimismo dos trabalhadores da cultura. As artes cênicas foram o setor mais afetado, com 63% dos respondentes afirmando que perderam totalmente sua fonte de renda no primeiro semestre do ano passado. O setor era também o que mais demonstrava ceticismo quanto à melhora da situação. Já os mais otimistas eram o trabalhadores do ramo de design e serviços criativos –19% afirmavam esperar uma melhora nos seus rendimentos no início de 2021.

E é justamente do teatro que se ouve as falas mais dramáticas da crise do coronavírus. “Hoje se o Estado não oferecer mais subsídio para esse segmento, o setor vai se desmontar por inteiro”, diz Rudrifran Pompeu, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, que conta com mais de 4.000 artistas.

Não é para menos, afinal, o ramo tem em seu cerne a aglomeração. Para uma peça acontecer, “não precisa ter nada, nem cenário, nem iluminação, nem figurino. Precisa de pessoas. O teatro é essencialmente aglomeração”, diz Pompeu, para quem a única forma real de melhorar a crise é a vacinação em massa.

Não há dados estatísticos que indiquem onde exatamente esses trabalhadores da cultura foram parar. Mas a reportagem ouviu dos especialistas com quem conversou relatos sobre atores, produtores e músicos que passaram a fazer serviços de motoboy, vender brownie caseiro ou iniciaram cursos de reparo de telefone celular.

No ramo da música, a arrecadação de direitos autorais teve uma queda de 20% desde o início da pandemia. “Eu considero uma vitória”, comemora Isabel Amorim, superintendente executiva Ecad, órgão responsável pela cobrança e distribuição dos direitos no Brasil.


Foto: Reprodução
 

“A previsão era muito ruim. A gente chegou a falar de uma queda de 35% do direito autoral. E essa previsão foi melhorando no final do ano.” Grande parte das fontes de arrecadação dos direitos autorais da música praticamente secou com a pandemia –cinemas, hotéis, academias, shows, casas de música ao vivo, entre outros. “O que estava funcionando tinha muita dificuldade. As rádios menores vivem do [patrocínio do] comércio local, que também estava passando por dificuldades.”

A crise atingiu de forma diferente quem vive de música. Os que detêm direitos autorais de composições conseguiram alguma renda, principalmente aqueles que têm músicas que tocam na televisão aberta e no streaming.

De Marília Mendonça e Caetano Veloso, artistas famosos entraram na onda das lives, que fizeram um certo barulho na mídia, mas não representaram um ganho significativo para o mercado como um todo, segundo a executiva do Ecad, uma vez que não tiveram o mesmo impacto com artistas de menor evidência.

“O efeito [positivo] da live é muito pequeno perto do tanto que as pessoas perderam”, diz. “A live, como todo movimento de internet, ela vem, acontece, por vezes ela explode, mas até de fato ela trazer receita demora muito tempo.”

O vírus escancarou a desigualdade dentro do setor cultural. As galerias de arte, que compõem um mercado pequeno e restrito a grandes metrópoles do país, não sentiram um baque tão grande.

A galerista Andrea Rehder conta que não parou de vender durante a pandemia “As pessoas passaram a ficar mais em casa e, de uma certa forma, a nossa área foi beneficiada”, diz. O que mudou foi uma migração maior para a internet, com destaque para o Instagram, que facilitou a visibilidade de alguns artistas plásticos e os aproximou de compradores em potencial. Um mercado que costumava ser resistente a vendas online e até a publicar preços nos sites, acabou pulando de cabeça na internet.

Foi durante a pandemia que se bateu o recorde de obra mais cara de um artista brasileiro numa venda pública, com “A Caipirinha”, de Tarsila do Amaral, vendido por R$ 57,5 milhões em leilão.

Esse ramo, porém, é tão pequeno no Brasil que nem foi percebido pela pesquisa do Itaú Cultural.

E mesmo não sendo um mercado restrito somente a milionários, ele denota o tamanho da desigualdade social brasileira. “Quem tem dinheiro para comprar uma obra de R$ 2.000 já é classe alta no Brasil. A gente está falando de um público que foi menos impactado”, diz a analista de mercado de arte Tamara Perlman.

Para Saron, do Itaú Cultural, a pandemia evidenciou importantes gargalos no setor. Um dos principais tem a ver com a formalização dos empregos na cultura. “A gente percebe que quanto mais o espaço é formalizado maior é a capacidade de resistir a médio prazo em relação a essa sazonalidade –e a maior sazonalidade das últimas décadas foi essa pandemia.”

Pesa o fato de a cultura ser um setor altamente informal. Segundo dados do IBGE de 2018, 45,2% dos trabalhadores da cultura eram informais naquele ano. Outro problema é a escassez de dados do setor, que guiam políticas públicas e também a atuação de empresas privadas. Mesmo no elitizado ramo das galerias de arte é difícil encontrar números.

Para Isabel de Paula, da Unesco, a cultura foi importante no ambiente virtual, como válvula de escape aos horrores da pandemia ou um afago na saúde mental. “Mas estamos falando de pessoas incluídas digitalmente. A gente tem um número muito grande de pessoas que não têm acesso.”

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