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Nº 5814
Caderno B

AMOR, FÉ E MEMÓRIA

Ameaçada pelo afundamento do solo, Igreja Matriz de Santo Antônio de Pádua celebra casamentos comunitários e pároco lembra que local faz parte da história de Maceió

Por MAYLSON HONORATO | Edição do dia 12/06/2021 - Matéria atualizada em 12/06/2021 às 04h00

A devoção à Santo Antônio no bairro Bebedouro data de 1860, de acordo com o Cônego Walfran Fonseca dos Santos, que há 17 anos pastoreia a Paróquia Santo Antônio de Pádua. De lá pra cá, conta o pároco, amor, fé, união e comunidade são celebrados dentro e fora da igreja matriz, hoje ameaçada pelo afundamento do solo que atinge diversos bairros de Maceió. “Como fica a memória afetiva, a referência que a igreja é para tantas histórias e para a memória da comunidade, como reparar isso?”, questiona o sacerdote, que relata incertezas. Neste 13 de junho, data em que a tradição católica celebra Santo Antônio, o padre aproveitou para fazer provocações: quantos casais foram assistidos pela Igreja em seus votos de amor eterno? Quantas crianças foram abençoadas ali? Quantos encontros foram marcados com a igreja matriz como referência? Quantas festas do padroeiro? Quantos sorrisos em meio à praça central? Tudo isso está afundando. No domingo anterior, 5 de junho, 12 casais participaram do casamento comunitário tradicionalmente oferecido pela paróquia. Não se sabe se será o último realizado ali. Para o padre, era uma oportunidade para falar de tudo isso, de fé, de amor e de história em meio a tempos que ele mesmo chama de “rachados”. “É uma igreja que faz parte da vida do povo dessa localidade há muito tempo. O bairro de Bebedouro, no início do século 19, foi moradia da aristocracia das famílias de Maceió, temos aí os casarões que comprovam esse fato”, lembra o padre Walfran. “Em 1912, temos, então, a Paróquia de Santo Antônio de Pádua. Sabemos que a paróquia não é apenas uma igreja, mas uma determinação geográfica. a Paróquia de Santo Antônio vai desde o Mutange até a Santa Amélia”, explica. Para o sacerdote, não é possível dissociar a tradição católica da história de Alagoas. “É impossível! Impossível separar a vida religiosa da civil. toda a vida política, cultural, comunitária, social e histórica de Maceió está em torno desta igreja. É um dos bairros mais festivos, celebrativos, aquela praça já assistiu discursos políticos que determinaram destinos”, diz o pároco, contemplando a igreja centenária. Ele informa que, além das marcas do tempo, a igreja sofre com rachaduras provocadas pelo afundamento do solo, decorrente da extração de sal-gema pela empresa Braskem. O imóvel é tombado e possui três naves, uma central e duas laterais. As laterais são as que mais evidenciam o problema, mesmo que sejam mais recentes. “Percebemos algumas rachaduras na separação entre a nave central e as naves laterais., quase que separando o antigo do novo. Recentemente, a igreja recebeu um selo de identificação do imóvel por parte da Braskem, que já informou que o prédio está sob ameaça e faz parte da zona de criticidade”, diz o padre. As tratativas com a Braskem começaram faz três meses e, de acordo com o cônego, a empresa espera obter a posse do imóvel. “Mas como você pega uma igreja centenária, um patrimônio histórico e cultural e simplesmente o entrega para uma empresa que por 4 décadas apenas explorou e prejudicou a comunidade? Acredito que a Igreja Católica deva refletir bem sobre isso. Precisamos garantir, por exemplo, que essa empresa não venha a demolir. Você sabe que o mesmo governo que hoje pode dizer que não vai demolir, amanhã inventa uma lei e derruba. Demolir significa riscar a história do bairro. Então é preciso que a sociedade alagoana saia do silêncio. Somos irmãos, os problemas são nossos. Temos um único Deus. O problema dos irmãos não é somente quando o problema bate também na sua porta”, argumenta o pároco, que continua. “A igreja não é um espaço físico, sabemos. A Igreja Católica é família, comunidade, temos compromisso com a vida, com as pessoas. A empresa tem perguntado se queremos um local provisório. Se for para transferir a sede administrativa, até podemos nos deslocar. Mas precisamos pensar muito bem no que se refere aos encaminhamentos [celebrações]. Se você aceita hoje transferir a posse da igreja, o que a Braskem vai fazer com ela? Já pensou, um lugar como este virar algo como uma boate? Hoje, estou propenso a entregar algo mais para ela [Braskem]? Não. Estou escutando as intenções, mas internamente tenho um pensamento para chegar a um acordo. Mas ele precisa ser satisfatório para A Igreja e precisa, historicamente, dar uma satisfação para a sociedade”, afirma o padre Walfran.


TEMPOS DE RACHADURAS

No sermão que marcou o casamento comunitário deste ano, possivelmente o último ou um dos derradeiros naquele prédio, o padre Walfran diz que aproveitou para refletir sobre a atualidade. “De repente, quando vemos tantos divórcios e separações, 12 casais pedem para a igreja assistir suas declarações de amor. Isso é bonito”. “Traz um sinal para o mundo. Deus é um só, é um Deus de unidade, paz, amor, então para nós é um sinal propício para um momento em que vivemos um inferno, com pessoas, partidos e governos divididos. A ciência diz uma coisa, o governo diz outra. A ciência consegue um verdadeiro milagre, que é a vacina. tempos atrás, uma vacina levava em torno de dez anos, é um verdadeiro milagre, temos aí vacinas com comprovação de eficácia já disponíveis, é algo maravilhoso”, afirma o sacerdote, que também relata críticas à gestão da pandemia. “E temos um governo negacionista, que ontem mesmo questionou novamente a comprovação da vacina. É um homem destemperado, que nem menciono o nome. Um homem sem juízo, andando na contramão da ciência, da história”, diz o padre ao mencionar a atuação do governo federal.

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