Cultura
AS MENINAS DE LÁ
Coletivo Hetéaçã explora costumes interioranos em espetáculo teatral estrelado por Gessyca Geyza e Wanderlândia Melo

Thauane Rodrigues* ESTAGIÁRIA | 05/07/2022 às 14h38

Trazendo o cheiro de terra, das diferentes ervas, e caminhando pela mata até o encantamento, o espetáculo ‘As Meninas de Lá’, do Coletivo Hetéaçã, chega ao palco do Teatro de Arena, no dia 14 de julho. As atrizes Gessyca Geyza e Wanderlândia Melo estrelam a peça, carregada de afetos, memórias e curas.
Entre erva cidreira para não esquecer, camomila para acalmar e colo de avó, ‘As Meninas de Lá’ traz para o público pensamentos sobre ancestralidade, natureza, os caminhos traçados durante a trajetória de cada um e, principalmente, sobre encantamentos.
Em um universo lúdico e afetivo, o espetáculo começou a ser pensado em 2020, mas estreou em setembro de 2021, para 120 pessoas, no formato virtual em decorrência da pandemia, numa mistura de teatro com o mundo do audiovisual.
A atriz Wanderlândia Melo conta que tudo começou após ela e Gessyca Geyza convidarem Marcelo Gianini para dirigir o espetáculo do Coletivo Hetéaçã, que seria moldado a partir de um conto de Guimarães Rosa chamado ‘A Menina de Lá’.
“Começamos a ler e estudar o conto para poder fazer a montagem do espetáculo, mas com a chegada da pandemia, esse processo de montagem foi suspenso e, no decorrer do tempo, no segundo semestre de 2020, voltamos a estudar maneiras de continuar o processo de maneira virtual. Guimarães Rosa, Ailton Krenak e uma produção do Sesc chamada ‘Abrindo Terreiros’ foram muito importantes nesse nosso processo”, relembra.
“Aos poucos, fomos entendendo como seria esse processo virtual, discutindo sobre quem seriam as ancestrais presentes. Nós nos encontramos com as ervas, os chás, com nossas avós, bisavós, com a lacuna dessas histórias, pois, de certa forma, a gente só conhece até as nossas avós, então, quem veio antes delas a gente não sabe, não tem esse recorte, e foi a partir dessa presença e dessa falta que surge o ‘As Meninas de Lá’”, continua Wanderlândia.
Segundo Gessyca Geyza, o desejo de uma produção que falasse sobre as vivências dela e de Wanderlândia e os caminhos percorridos pelas atrizes pernambucanas, radicadas em Alagoas, já existe há alguns anos.
“Eu e Wander tínhamos o desejo de falarmos sobre nós, de refletirmos sobre sermos mulheres negras, vindas do interior de Pernambuco. Junto a esse desejo, o nosso diretor cênico Marcelo Gianini nos apresentou o conto “A menina de lá” de Guimarães Rosa e o trio de cantadoras ‘Ceguinhas’, de Campina Grande. Esses foram os nossos pontos de partida para o que a obra veio a se tornar”, contou Gessyca.
A primeira entrada no portal encantado de ‘As Meninas de Lá’ foi construída através da direção de Marcelo Gianini. O roteiro é de Bruno Alves, com textos de Gessyca Geyza e Wanderlândia Melo, com citações de Ailton Krenak e Guimarães Rosa; composição musical do Coletivo Hetéaçã e Linete Matias; produção de Adda Feitosa; direção audiovisual de Amanda Môa; som direto de Rodrigo Policarpo; foto e design de Nivaldo Vasconcelos e figurino da Casa Lado Bê.
Trabalhando com o universo das redes sociais de forma diferente e se aventurando nessa mistura do teatro com uma pontinha do cinema, estrear virtualmente foi, para a equipe, uma nova oportunidade de vivenciar o teatro.
“Tivemos uma interação muito boa com o público durante todo o processo, criamos atividades com eles e assim nós conseguimos enxergar a presença do público. Um momento diferente e novo para todos nós”, contou Wanderlândia.
REVISITANDO MEMÓRIAS
Se reencontrando com o passado e com as memórias de infância, para a atriz Wanderlândia Melo, o espetáculo traz para o público um diálogo importante sobre a ancestralidade.
“O espetáculo chega na minha vida como uma forma de revisitar minhas memórias, meus passos, minha cidade natal, que é Garanhuns. A gente teve uma visita autobiográfica de forma muito potente, produzimos o que poderia ser feito naquele momento de 2020 a 2021, mas esse processo continua na nossa trajetória, como se a gente tivesse se encontrado para poder falar mais sobre esse lugar que nos falta, nos toca e precisa ser contado”, disse a atriz.
“Vivenciar ‘As Meninas de Lá’ é como ativar uma memória, uma lembrança com muita verdade e muito afeto. A gente fala a partir do que a gente sente e do que a gente emergiu. De certa forma, as nossas memórias particulares se tornaram coletivas”, completou ela.
No espetáculo, Gessyca e Wanderlândia dão voz àquelas que as antecederam e revivem as lembranças do interior de Pernambuco.
“’As Meninas de Lá’ é um trabalho que nos fez retornar às meninas que fomos e também às que nos trouxeram até aqui. Nossas bisavós, avós, mães... Nos reencontramos com vó Quinha, vó Maria Francisca, vó Maria dos Anjos e Edileuza... Mulheres que muito nos ensinaram, mulheres que viveram numa relação muito próxima com a mata, com as ervas, com os saberes populares. Esse trabalho nos convidou para a cura, para o autocuidado e para a necessidade de reacender memórias ancestrais que, historicamente, foram apagadas, silenciadas”, diz Gessyca.
50 ANOS DO TEATRO DE ARENA
A nova apresentação do espetáculo ‘As Meninas de Lá’ acontece no dia 14 de julho, integrando a programação de comemoração dos 50 anos do Teatro de Arena. Para a atriz Wanderlândia Melo, estar presente nesse momento de celebração é muito simbólico.
“O Teatro de Arena, o Teatro Deodoro, a Praça Deodoro são muito importantes na trajetória do Coletivo Hetéaçã, foi na praça que estreamos o coletivo, dez anos atrás, e chegar nessa programação com um espetáculo que fala sobre ancestralidade é de muita alegria”, contou ela.
“Poder compartilhar tudo isso no palco do Teatro de Arena, essa casa que sempre nos acolheu, será com certeza muito mágico. Agora, temos a oportunidade de sentirmos as pessoas de perto, de olharmos nos olhos de quem estará conosco, de tomarmos chá juntes, de conversarmos e cantarmos em coletivo e em presença”, disse Gessyca Geyza.
Os ingressos para assistir ao espetáculo ‘As Meninas de Lá’ estão disponíveis para compra no portal da Diretoria de Teatros do Estado de Alagoas - DITEAL.