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De volta ao passado

Na tentativa de fugir um pouco das novas tecnologias, jovens buscam objetos antigos para se conectar com a arte e a cultura

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Aos 15 anos, Sofia costuma ouvir música em CDs, DVDs e vinis
Aos 15 anos, Sofia costuma ouvir música em CDs, DVDs e vinis | Foto: Ailton Cruz

Gabriel Caetano, hoje com 23 anos, é um colecionador de moedas. Mas também acha o rádio um equipamento “magnífico”, desde quando era pequeno e ouvia o pai escutar música. O disco de vinil é outro objeto valorizado por ele, a ponto de se empolgar ao explicar que “existe toda uma física por trás dele”. Além disso, Gabriel é muito apegado às suas radiolas – uma delas tem 50 anos –, onde, em pleno ano de 2025, gosta de ouvir música, sozinho, e em ambiente tranquilo.

Em pleno 2025, um número crescente de jovens está se apaixonando por objetos que, há não muito tempo, estavam à beira do esquecimento. Máquinas de escrever, vitrolas, câmeras analógicas, roupas vintage, fitas cassete e até locadoras de DVDs estão ganhando uma nova vida — e um novo público. Mas o que move essa juventude hiperconectada a buscar um passado que não viveu?

Para o psicólogo clínico Carlos Gonçalves, o fenômeno está profundamente ligado à relação dos jovens com o tempo, a identidade e a saúde mental. “O jovem é, por natureza, curioso. Ele está num momento de descoberta — da sexualidade, da forma como quer levar a vida — e isso inclui também a tecnologia. A própria tecnologia atual dá a esses jovens a possibilidade de visitar ou conhecer todo o processo que veio lá de trás e que também não é de tanto tempo assim”, explica.

Gabriel afirma que herdou parte do seu gosto por objetos mais antigos dos pais. A mãe dele, por exemplo, gosta de louças de porcelana, que conserva até hoje em casa. O gosto por moedas o acompanha desde quando era criança. Acostumado a brincar de cavar terra, era comum para ele encontrar muitas delas enterradas na areia.

“As coisas mais antigas têm muito mais beleza que as de hoje. São ricas em detalhes. As de hoje não trazem muitos detalhes em seus desenhos”, reforça ele.

Atualmente, além de moedas, ele acumula discos de vinil, um rádio televisão, uma radiola maleta e, recentemente, adquiriu uma radiola Philips embutida em um móvel, que existe há cinco décadas. “Eu gosto muito de ouvir músicas nos meus momentos tranquilos, livres, então os meus discos me ajudam bastante nisso. As duas radiolas eu procuro usar mais”, relata ele.

Os equipamentos para ouvir música, ele utiliza quando está sozinho. “Como são antigos, têm que ter um trato no manuseio. E eu tenho receio de alguém usar e danificar”, complementa Gabriel.

O sentimento de usar todos esses objetos adquiridos com carinho é de alegria, descreve Gabriel. “Confesso para você que traz uma paz tão grande. Pegar essas coisas antigas é uma experiência única. Quando a gente coloca a agulha no primeiro sulco do disco de vinil e tem um chiadozinho, não é um chiado irritante, é um chiado gostoso de se ouvir”, pontua ele, ao se empolgar sobre a sensação de manusear os objetos.

Para ele, é esse chiado que caracteriza a originalidade do disco de vinil, pois, conforme explica, os meios atuais utilizam ferramentas eletrônicas para limpar os ruídos, o que descaracteriza o som cem por cento verdadeiro.

“Eles me ajudam a procurar ter serenidade, ter calma e justamente admirar as belezas com que as pessoas faziam as coisas antigamente, aquelas casas antigas. A gente vê a riqueza de detalhes. Essas coisas me ajudam a ter esse ambiente de tranquilidade, de paz”, define Gabriel.

Ele considera que as tecnologias mais antigas foram feitas para ter maior durabilidade, o que não acontece atualmente. “A gente não consegue dar a qualidade que se dava antigamente”.

Gabriel lembra, ainda, do dia em que foi comprar uma agulha para uma de suas radiolas. Ao chegar ao centro de Maceió, um dos vendedores abordados por ele riu e perguntou: “Em que mundo você vive?”, enfatizando que o objeto já tinha deixado de existir no século passado. “Isso me causou espanto porque, em alguns lugares no Brasil, é normal você sair nessas lojas de eletroeletrônicos, procurar esses componentes e achar. Mas aqui a gente tem um pouco de dificuldade”, diz.

Essa busca por objetos “fora do tempo” pode parecer contraditória à primeira vista, especialmente em uma era marcada por inovações constantes e pela lógica do consumo imediato. No entanto, o interesse por essas tecnologias ultrapassadas tem se revelado um reflexo de um cansaço mais profundo: o esgotamento diante da velocidade do mundo digital. É o que considera o psicólogo clínico Carlos Gonçalves.

“A vida acelerou demais. Hoje, a gente acelera até os áudios do WhatsApp. Essa aceleração contra o tempo acaba trazendo um prejuízo, seja ele uma ansiedade ou até uma depressão. Voltar ao passado é como sair da cidade caótica e ir para o campo. É um respiro, uma tentativa de desacelerar”, analisa Gonçalves.

Além de uma forma de escape, o mergulho no passado também serve como ferramenta de diferenciação social. “Ter um disco de vinil, usar uma vitrola, comprar roupas dos anos 70 é uma forma de dizer: ‘Eu sou diferente’. É uma maneira de escapar da caixinha em que a sociedade coloca os jovens hoje — como se todos tivessem que ser iguais para serem aceitos”, diz o psicólogo.

Influenciada pelo pai, Sofia sempre gostou de objetos vintage
Influenciada pelo pai, Sofia sempre gostou de objetos vintage | Foto: Ailton Cruz

Segundo ele, a estética vintage se consolidou como uma das principais tendências entre os mais jovens. “Eles estão resgatando o charme de objetos analógicos, como câmeras, toca-discos de vinil, máquinas de escrever que viraram quase peças de museu, e de roupas que remetem a décadas passadas. Essa onda nostálgica também mistura um desejo de autenticidade com uma fuga desse ritmo frenético da era digital”.

Carlos também chama atenção para a importância de refletir sobre os motivos que levam os jovens a buscar o passado. “Precisamos entender do que exatamente eles estão fugindo. De conflitos da adolescência? De um futuro incerto? Essas tecnologias antigas despertam emoções que talvez estejam faltando no presente”.

O psicólogo ressalta, no entanto, que há uma linha tênue entre visitar o passado e morar nele. “Cada caso é um caso e temos que observar e ficar atentos. Visitar esse passado como uma forma curiosa, alegre, divertida é uma coisa, e a outra é ficar no passado. A gente tem que entender que o passado é um lugar de visita, e não de morada”.

Desde pequena, a adolescente de 15 anos Sofia Porto apreciava o rádio e, mesmo nascendo e crescendo na era da internet, as músicas são ouvidas por ela por meio de CDs e DVDs, ferramentas que caíram em desuso com o advento das plataformas online. Para ela, o costume de aproveitar esses objetos passou de geração em geração, tendo o pai como referência.

Aos quatro anos, ganhou de sua avó Zena uma câmera analógica. “Eu a usava em todos os lugares possíveis, foi incrível tê-la”, comenta Sofia. Além da câmera fotográfica analógica e dos CDs e DVDs por onde escuta rock e MPB, Sofia também é adepta do disco de vinil. A adolescente costuma usar os objetos com a família, especialmente com o pai.

“Usando essas tecnologias antigas, é como se eu conseguisse me transportar para o passado e sentir todas as emoções vividas pelos meus pais, avós”, considera a adolescente.

Ela afirma que experimentar as tecnologias analógicas para ouvir música ajuda não só a interpretá-las, mas a compreender as suas letras. “Muitas pessoas acham que não se fabricam mais e ficam surpresas quando eu digo que tenho e as utilizo”, diz.

Para ela, há emoções que os objetos mais antigos promovem que as tecnologias atuais ainda não conseguiram despertar nela.

“Tem a surpresa, a emoção, o suspense em aguardar. Antigamente, as pessoas tinham que esperar a revista sair para ver quais álbuns iam lançar. Esperavam a nota sair para ver se era bom e depois tinham que ir comprar os CDs. Hoje em dia é tudo muito mais prático, onde as pessoas abrem as redes sociais e o artista já lança o álbum, a capa e as próprias músicas e, com um clique, você pode ouvi-las. É como se perdesse um pouco da magia”.

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