TEM ALAGOAS NA FRANÇA
Alagoas tem recorde de participação e faz história no Festival de Cannes
Audiovisual alagoano brilha em uma das maiores vitrines do cinema mundial e reforça comitiva brasileira na França


Na 78ª edição do Festival de Cannes, Alagoas registra sua maior participação até aqui. Com presença em diferentes frentes da programação, da competição principal às mostras paralelas e espaços de mercado, profissionais do estado integram a comitiva brasileira e reforçam a posição do audiovisual alagoano no cenário internacional.
Entre os destaques estão atores no elenco do longa O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, além de cineastas selecionados para programas voltados a novos talentos e projetos em desenvolvimento. A potência simbólica do momento é incontornável e dá mais uma demonstração do amadurecimento de um ecossistema audiovisual que, nos últimos anos, se fortaleceu com políticas públicas de fomento, formação de novos talentos e articulação regional.
Enquanto o frevo ecoava nas ruas de Cannes, graças à apresentação da comitiva brasileira, essa constelação de nomes de Alagoas orbitava diferentes esferas do festival. A diretora Stella Carneiro brilhou na Quinzena dos Realizadores com o curta-metragem A Vaqueira Dançarina e o Porco, codirigido com o português Ary Zara, e apresentou seu projeto de longa, Filhas do Mangue, inspirado em memórias familiares vividas na Massagueira.

“Foi muito emocionante estar aqui. Antes mesmo dos curtas começarem, eu já estava chorando, olhando aquela tela grande e o espaço onde eu estava. E, claro, pensando na projeção internacional que o cinema de Alagoas vem alcançando”, contou a diretora, que também participa da La Factory dos Cineastes, programa voltado a novos cineastas.
As Filhas do Mangue é um drama com toques de comédia que narra a história de uma família negra composta por um pai e quatro filhas que vivem em uma comunidade ribeirinha na Massagueira, a meia hora de Maceió. A cineasta explica que o filme é inspirado em suas próprias vivências, apesar de se tratar de uma trama fictícia.
“Reflete o ambiente em que cresci e minha condição de filha mais velha de seis. Meu pai foi demitido sem justa causa por perseguição política, e minha mãe assumiu o papel de provedora por anos, enquanto ele lutava na justiça. Ele acabou ocupando o papel de ‘dono de casa’, como brincávamos”, conta Stella.

Ela ainda relata que o filme retrata uma tradição familiar onde o filho mais velho se vê responsável pelos irmãos mais novos, algo que aconteceu tanto com ela quanto com seu pai.
“Meu pai é negro e o segundo mais velho de oito irmãos, enquanto eu sou a filha mais velha de seis. Ambos compartilhamos essa responsabilidade de cuidar dos mais novos como se fossem nossos filhos. Nossa casa sempre foi cheia de risadas e também de conflitos. Queria fazer um filme que mostrasse essa relação com meu pai e minhas irmãs”, explica.
Na mesma via de estímulo a talentos em desenvolvimento, o cineasta viçosense Ulisses Arthur apresentou Não Estamos Sonhando, longa em pós-produção selecionado para o programa Goes to Cannes, que exibe trechos inéditos para curadores e agentes internacionais. A diretora Laís Santos Araújo e o produtor Pedro Krull, da Aguda Cinema, também levaram Alagoas à vitrine global com o projeto de longa-metragem Infantaria, um dos dez escolhidos mundialmente pelo La Fabrique Cinéma.
ANE OLIVA EM ‘O AGENTE SECRETO’

Mas foi na competição principal que o brilho brasileiro ganhou fôlego histórico. O Agente Secreto, novo longa de Kleber Mendonça Filho, arrebatou mais de 10 minutos de aplausos em sua estreia e levou ao tapete vermelho nomes como Wagner Moura e Maria Fernanda Cândido. No elenco, dois rostos alagoanos: Ane Oliva e Igor Araújo. Aline Marta, também alagoana, integrou o filme, embora não tenha comparecido ao festival. “É absurdamente emocionante! Estamos falando de um filme de Kleber Mendonça Filho, num dos maiores festivais do mundo”, escreveu Ane Oliva, que descreveu sua participação como um marco na trajetória de três décadas nas artes cênicas e no cinema.
Atrás das câmeras, a equipe técnica também contou com talento alagoano. Gabriela Miranda atuou como continuísta, função essencial para a coesão visual do longa.

Nos últimos anos, projetos fomentados por editais locais, principalmente promovidos pelo governo do Estado, a articulação em coletivos, formação técnica e a ampliação de olhares diversos transformaram Alagoas em um celeiro de narrativas originais, com identidade e pulsação próprias.
Stella Carneiro reflete sobre essa potência compartilhada: “É um grande momento para o cinema alagoano. São vários alagoanos aqui, em diferentes frentes, e isso é muito significativo. Estamos nos conectando com o mercado, com investidores, com canais de TV”, detalha, destacando o tamanho da indústria cinematográfica na qual Alagoas está, aos poucos, se inserindo.
“Estamos tendo várias reuniões de trabalho. É um espaço extremamente privilegiado. Ontem mesmo, eu dizia: não dá para acreditar na quantidade de dinheiro que circula num lugar como esse.”
