FENÔMENO
Série sobre Roberto Bolaños traz vida íntima de criador de 'Chaves'
Alvo de críticas de viúva do mexicano, episódios relembram estreia na TV, rivalidade com Quico e romance com Florinda


Chaves podia até tentar nos convencer de que havia feito o público rir sem querer. Já seu criador, o mexicano Roberto Gómez Bolaños, parecia obstinado em tornar seus personagens parte da cultura popular.
Mais de dez anos depois de sua morte, em novembro de 2014, Bolaños continua sendo uma figura importante não apenas em seu país de origem. Fenômeno em toda a América Latina, os esquetes de humor com adultos representando crianças não muito inteligentes ultrapassaram as barreiras do idioma e são cultuados há quatro décadas.
Embora se especulasse há anos que sua história seria contada na TV, só agora ela foi transformada em série, com a estreia esta semana de "Chespirito: Sem Querer Querendo", pela HBO Max.
São oito episódios inspirados na autobiografia do mexicano e que contaram com a supervisão de Roberto e Paulina, dois dos seis filhos que o comediante teve com a sua primeira mulher, Graciela Fernández. Um novo capítulo estará disponível para o público a cada quinta-feira.
"Muitos amigos brasileiros nos contaram da sua relação com Chaves, que às vezes parece religiosa. E nesta história tentamos fazer justiça a isso", diz o ator mexicano Pablo Cruz, que encarna o protagonista.
"O aspecto latino-americano [da obra de Bolaños] é muito presente. Chapolin é o meu personagem preferido pela coragem que ele tem, por correr riscos apesar da sua falta de jeito", diz o ator.
Chespirito —"o pequeno Shakespeare", apelido que ganhou pela sua escrita afiada e pelo qual é mais conhecido no México do que no Brasil— é retratado como um criador que busca graça na rotina. No trabalho monótono numa fábrica, ele vê a oportunidade de imitar Charles Chaplin em "Tempos Modernos" para os colegas.
Quando finalmente conseguiu uma oportunidade para escrever um programa de televisão, com "Os Supergênios da Mesa Quadrada", ele se recusou a usar as piadas contra concorrentes ou manter um formato de show com piadas que seus filhos não entendessem.
A série dá vida a um protagonista que a todo tempo busca no cotidiano a inspiração para as piadas que o público mais tarde decoraria. Como se considerar fã do Chapolin Colorado e não reconhecer na tentativa da captura de uma aranha na sala da casa de Bolaños a origem de "palma, palma, não 'priemos cânico'" ou o "não contavam com a minha astúcia", após uma artimanha para conquistar o precioso espaço na TV?

Bolaños nasceu na Cidade do México em 21 de fevereiro de 1929. Dizia ter herdado a veia criativa do pai, Francisco Gómez Linares, que era pintor e desenhista.
"Chespirito: Sem Querer Querendo" explora também trechos ainda pouco conhecidos da vida dele, numa espécie de busca pelo homem debaixo das antenas de vinil. Flashbacks mostram sua infância, seus primeiros trabalhos como roteirista e o encontro com Florinda Meza —sua futura mulher—, quando ele ainda estava casado com a primeira parceira.
A representação de Graciela Hernández é de uma mãe onipresente e de uma mulher devotada. É ela quem costura o primeiro uniforme do Chapolin —que precisa ser "Colorado", ou vermelho, por conta dos efeitos de "chroma key", que usam um telão verde como fundo—, mas eles começam a se distanciar quando ela não demonstra mais o mesmo interesse pelas suas piadas. Ele vai, aos poucos, encontrando em Meza a parceira que buscava.
Depois de a viúva do mexicano dizer ter dúvidas sobre como o roteiro iria tratar da sua relação com Bolaños e manifestar desacordo com a sua representação na série, o que poderia terminar na Justiça, o nome da personagem de Florinda acabou sendo substituído por Margarita Ruíz.
"Sei por uma boa fonte que nesta biografia não há respeito pela minha pessoa e muito menos pela verdade", escreveu a atriz nas redes sociais, no começo do ano.
Além da troca de nome de Florinda Meza, Carlos Villagrán, o intérprete de Quico, também fez críticas à produção, mas disse que não poderia impedir que o seu personagem aparecesse, por uma questão de direitos autorais.
O equivalente a Villagrán na série se chama Marcos Barragán, e os primeiros capítulos já mostram a rivalidade crescente com Chespirito, que culminaria no rompimento profissional entre os dois na vida real.
A atriz que fazia Chiquinha também brigou com Bolaños em 1994 e iniciou uma disputa na Justiça para manter o direito de uso de sua personagem, que venceu em julho de 2013.