CINEMA INDEPENDENTE
“Cartas a Tia Marcelina”: curta alagoano vence 14ª Mostra Ecofalante de Cinema, em São Paulo
Minidocumentário terá estreia internacional em Portugal, na Mostra Internacional de Curtas da GallerySPT, em setembro


O curta-metragem alagoano “Cartas a Tia Marcelina” conquistou o principal prêmio da Mostra Ecofalante de Cinema, na categoria dedicada exclusivamente a produções estudantis. A obra vencedora, dirigida por João Igor Macena, estudante da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), recebeu o troféu Ecofalante e um prêmio em dinheiro. O festival, que aconteceu nessa última semana, em São Paulo, destacou 125 filmes de 33 países e reafirmou a força do cinema independente e regional.
Para a Gazeta de Alagoas, o diretor contou que o reconhecimento é mais do que uma conquista pessoal. É, segundo ele, uma forma de “potencializar a nossa história, nossa luta e nossa voz”.
Macena revelou que a inspiração para o filme surgiu durante a disciplina de Produção de Imagem e Som, ministrada pela professora Ana Flávia, do curso de Teatro da Ufal. Entre os temas propostos, a figura de Tia Marcelina, líder religiosa do candomblé e vítima central do episódio conhecido como Quebra de Xangô, em 1912, foi a escolha do grupo.

“Era um tema complexo, mas necessário. Nós mesmos sabíamos muito pouco sobre ela, e sentimos a urgência de contar essa história”, afirmou.
O processo de pesquisa para o curta foi minucioso, com muitos desafios. A equipe visitou o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) e dialogou com pesquisadores, como Anderson da Silva Almeida, responsável pelo tombamento das peças religiosas do acervo da “Perseverança”, que resistiram ao Quebra de Xangô.
“Mas a maior parte do nosso material veio da oralidade, das lideranças religiosas como Pai Célio e Pai Maciel. Foi assim que conseguimos montar esse quebra-cabeça”, contou o diretor.
O filme também estabelece conexões entre o passado e o presente, e traça paralelos entre o Quebra de Xangô e episódios recentes de violência contra os povos de terreiro, como a desapropriação da comunidade Araguaia no Mato Grosso e Tocantins, em 2015.

“Queríamos mostrar que o Quebra não é apenas um evento histórico, mas algo que ainda reverbera nas formas contemporâneas de violência e racismo estrutural. A história de Tia Marcelina continua sendo escrita”, declara.
Com 25 minutos de duração, Cartas a Tia Marcelina começou como um trabalho acadêmico limitado a 14 minutos, mas cresceu ao longo de um ano de produção coletiva. Além das entrevistas, o filme traz cenas performáticas inspiradas em cartas e nas tradições dos orixás, ilustrando poeticamente a noite anterior ao Quebra e a morte de Tia Marcelina.
“O filme também é um tributo à cultura preta e à arte negra de Alagoas. As músicas, as performances, tudo do filme foi criado por artistas alagoanos”, destacou o diretor.
Em setembro, o curta terá estreia internacional em Portugal, na Mostra Internacional de Curtas da GallerySPT. E, mesmo com o prêmio em mãos, o jovem diretor não pretende parar.
“A gente se tornou um coletivo depois do filme, e estamos com novos projetos. O prêmio nos dá fôlego para continuar”.