loading-icon
MIX 98.3
NO AR | MACEIÓ

Mix FM

98.3
quarta-feira, 16/07/2025 | Ano | Nº 6011
Maceió, AL
26° Tempo
Home > Caderno B

MAIS DE UM SÉCULO

Santeiros de Penedo mantêm viva tradição que une religiosidade e memória

Francisco e o filho New Francis representam a quinta e sexta gerações de escultores sacros na histórica cidade alagoana

Ouvir
Compartilhar
Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Whatsapp
Imagem ilustrativa da imagem Santeiros de Penedo mantêm viva tradição que une religiosidade e memória
| Foto: MARTA MOURA

Na madeira repousa o santo. Em silêncio, espera. Então, mãos experientes, movidas por fé e memória, o despertam. É assim que começa o dia de um santeiro: observando o bloco bruto, sentindo o que cabe ali. Em Penedo, às margens do Rio São Francisco, essa cena se repete e resiste por meio de artistas como Antônio Francisco Santos, conhecido como Timaia, mestre santeiro que traz consigo, em cada técnica e no olhar sensível, cinco gerações dedicadas a essa tradição secular.

Natural de São Brás, chegou à cidade histórica aos dez anos, quando o pai decidiu mudar de rumo. “Quando completei dez anos, meu pai se mudou para Penedo e fui estudar no Grupo Escolar Clementino do Monte. Aos quinze, entrei na Escola de Santeiro, com o mestre Antônio Pedro, onde passei três anos e meio aprendendo a arte”, lembra. Foi ali que teve seu primeiro contato com a madeira e com o ofício que moldaria sua vida. “Vi um senhor já de idade tirando formas da madeira, aquilo me impressionou muito. Comecei limpando pedaços de madeira e fazendo algumas talhas. Meu mestre viu meu interesse e me incentivou: ‘Vai, rapaz, continua!’. Minha primeira imagem foi um São Francisco”.

Imagem ilustrativa da imagem Santeiros de Penedo mantêm viva tradição que une religiosidade e memória
| Foto: MARTA MOURA

São Francisco, aliás, continua a marcar sua vida e sua produção artística. “Ele foi e ainda é meu herói, o santo que mais esculpi. Sempre tive uma ligação forte com ele. A história dele me emociona: um homem que escolheu viver na simplicidade, sem apego ao dinheiro”.

O aprendizado, naquela época, era exigente. “No começo, o aluno errava, mas tinha que refazer. A técnica quem cria é o aluno, o mestre passa o conhecimento, ensina como bater, mas o aluno descobre seu jeito”. O contato diário com o mestre e a convivência constante eram fundamentais para que a arte se tornasse extensão do corpo. “A arte exige prática constante. Se você não frequenta o ateliê, esquece e perde o ritmo. Para ser um bom escultor, você tem que ter visão, pegar o bloco de madeira e ver a imagem escondida dentro dele”.

NEW FRANCIS

Imagem ilustrativa da imagem Santeiros de Penedo mantêm viva tradição que une religiosidade e memória
| Foto: MARTA MOURA

Mesmo afastado da prática por motivos de saúde, Timaia segue transmitindo o que sabe. “A Casa do Penedo me trouxe de volta para continuar a tradição. Meu filho representa a sexta geração de santeiros de Penedo. Eu ensino que o artista tem que estar sempre com peças prontas, porque o cliente não quer esperar”.

O filho citado pelo artesão sacro é New Francis. Se nomes pudessem ser traduzidos, seria algo como “Novo Francisco”. E ele segue mesmo os passos do pai e do Santo. New Francis cresceu entre entalhes e vê na feitura das peças de madeira o seu destino, uma vocação inescapável.

“Acho que foi assim, como eu cresci vendo meu pai fazendo arte, aí eu já segui de destino, né? Já fui fazendo desde pequeno e continuei. Não teve um tempo de escolha, sabe? Foi inevitável”. Com orgulho, fala da herança recebida: “Meu pai me passou a técnica, me ensinou como trabalhar mais rápido, como fazer várias coisas. Hoje tenho orgulho. Ele me ensinou muito sobre a história também. Bem dizer, meu pai me criou como uma enciclopédia, um livro completo”, afirma New.

Imagem ilustrativa da imagem Santeiros de Penedo mantêm viva tradição que une religiosidade e memória
| Foto: MARTA MOURA

Agora, é ele quem começa a ensinar. “Tenho dois alunos que convivem comigo e estão aprendendo. A gente não para. Quem quiser aprender, eu tô aí pra ensinar”. A generosidade no ensino remete ao aprendizado em casa e à vida franciscana: “Lá a gente ensina de graça. O que a gente aprendeu de graça, a gente repassa de graça. A escola de santeiro acabou quando o mestre do meu pai faleceu, mas meu pai continuou, e agora eu estou seguindo. Hoje, o ponto lá é uma oficina de arte, uma escola viva”. Carregar o peso simbólico da sexta geração, diz, é motivo de honra. “É uma coisa boa, especial. Eu dependo dessa cultura e tô correndo atrás pra fazer a sétima geração. É um orgulho ser reconhecido como santeiro na minha própria cidade”.

PENEDO DOS SANTEIROS

Imagem ilustrativa da imagem Santeiros de Penedo mantêm viva tradição que une religiosidade e memória
| Foto: MARTA MOURA

A tradição que os Franciscos mantêm viva remonta à chegada dos frades franciscanos em Alagoas. Foi a partir da construção do convento, entre os séculos 17 e 18, que os penedenses passaram a ter acesso ao ensino de latim, música, gramática e artes, ministrado pelos religiosos. Os santeiros surgiram desse ambiente: artistas artesãos especializados na criação de imagens sacras por meio do entalhe em madeira. Embora hoje não existam mais moldes formais de uma escola, a transmissão dos saberes permanece viva, feita de pai para filho, de mestre para aprendiz.

Esse trabalho também despertou o interesse da pesquisadora Marta Moura, jornalista e doutoranda, que escolheu o tema como foco de sua tese de doutorado. “Falar sobre os santeiros de Penedo, artesãos que fazem esculturas em madeira, principalmente religiosas, é uma das coisas mais importantes que já fiz. É um trabalho necessário tanto para Alagoas quanto para a Ordem dos Frades Menores”. Segundo ela, o tema estava caindo no esquecimento. “Quando fui aos conventos do Recife e do Rio de Janeiro, os próprios frades ficaram entusiasmados com a minha pesquisa, porque nem eles tinham muito material sobre o assunto”.

Francisco — ou Timaia Santeiro — é reconhecido como mestre pela população. Ao falar sobre o assunto é direto e faz questão de dizer o que realmente faz de alguém um mestre. “Eu não sou um Patrimônio Vivo porque não teve ninguém que dissesse ‘olha, esse cara, tem esse patrimônio vivo aqui’, você sabe qual o valor de um patrimônio vivo, né? Não pode ser patrimônio quem não teve um aluno. Quem não repassa a tradição não é mestre. Eu já tive cinco alunos e sigo repassando”, garante. E completa: se depender dele, Penedo continuará sendo uma escola de santeiros, onde, às margens do Velho Chico, os santos nascem todos os dias.

Relacionadas