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Carlito Lima lança 'Ulla', seu novo romance, e diz que escreve para desafiar o esquecimento

Autor é o convidado da semana no GazetaCast, na GazetaNews; novo romance resgata personagem popular de Maceió que viveu na praça 13 de Maio, no Poço

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Escritor fala da sua relação com a literatura e a memória, além de refletir sobre a vida e a Maceió que insiste em deixar de lado suas histórias
Escritor fala da sua relação com a literatura e a memória, além de refletir sobre a vida e a Maceió que insiste em deixar de lado suas histórias | Foto: MARCUS VINÍCIUS

Um homem de 85 anos senta diante do computador e esquece da vida. Esquece a hora, a sede, o almoço. Está dentro de uma história — ou de várias. É assim que Carlito Lima escreve: com o mesmo ímpeto com que atuou como engenheiro, prefeito, folião, militar e cronista. A esposa Vânia, preocupada, reclama, porém sabe que ali, na indomável imaginação do ficcionista, ele redescobre suas aventuras, desbrava as ruas da memória e vai buscar, na alma de Maceió, novos causos, personagens e maneiras de encarar a existência e desafiar o tempo.

Com a escrita fundamentada pela resistência urbana e afetiva, Carlito Lima acaba de lançar seu oitavo romance, “Ulla”, celebrado nessa sexta-feira (18) em evento na Praça 13 de Maio, no bairro do Poço, na capital. O local é também o principal cenário da trama, que mistura realidade e ficção para falar de paixão, moral e humanidade, além de explorar traços, muitas vezes controversos, que ajudaram a construir a sociedade alagoana.

“A Ulla existiu, era morena de olhos verdes, filha de uma negra com um holandês. Dez anos mais velha que eu, boêmia, livre, impossível. Todos queriam ter alguma coisa com ela, até eu tentei, mas não consegui. Transformei ela em personagem pra falar de desejo, de liberdade feminina, e pra protestar — porque a praça onde ela viveu foi engolida pelo dito progresso. Ulla é memória, paixão e denúncia”, resume o escritor.

Aos 85 anos, autor lança 8º romance e explora, com humor e carnaval, o labirinto das memórias urbanas
Aos 85 anos, autor lança 8º romance e explora, com humor e carnaval, o labirinto das memórias urbanas | Foto: Ailton Cruz

Em todos os livros, contos ou crônicas de Carlito Lima, há um personagem que sobrevive e viaja entre as páginas e histórias: Maceió. “Isso é um compromisso meu. E é protesto. Eu protesto escrevendo. Quando eu vejo uma praça como a 13 de Maio ser engolida por um prédio do Sesc, eu me revolto. Quando a cidade precisa de área verde, e o que se tem é cimento, eu escrevo para lembrar e registrar que ali havia um campo de futebol, um pastoril que ensaiava, uma infância”, continua Carlito.

“E Maceió tem esse péssimo costume de dar praça para loja, para clube, para prédio. Aqui já se deu praça até para bar. Isso é crime. Cidade precisa de verde, de convivência, de história. Eu escrevo para deixar esse protesto registrado.”

A indignação com as memórias soterradas pela ganância e desvarios políticos ao longo da história não é capaz, no entanto, de esconder o humor prodigioso ou o carnaval que Carlito cultua na sua ficção. Com a mesma habilidade, o contador de histórias narra crueza e folia.

Imagem ilustrativa da imagem Carlito Lima lança 'Ulla', seu novo romance, e diz que escreve para desafiar o esquecimento
| Foto: Gazeta

“Ulla também é um livro divertido, cheio de histórias de folia, paixão e malandragem. Tem carnaval, tem samba, tem padre bonito que peca, tem estandarte, tem navio e até capitão húngaro. É um livro que brinca, que lembra o tempo em que a cidade era mais viva. Ulla era beleza, desejo e alegria.”

A obra pode ser adquirida diretamente com o autor, por meio do WhatsApp (82) 99690-9964. “Eu gosto de vender os livros eu mesmo. Além disso, as livrarias aqui em Alagoas não colocam os livros de alagoanos para vender, mesmo tendo uma lei que obriga a fazer isso. Então eu vendo. Eu sempre brinco que a pessoa pode me mandar o endereço, que eu enviarei o livro. E se a pessoa gostar, ela me paga. Até hoje, ninguém deixou de pagar”, garante.

O VELHO CAPITA E OS LIVROS

Imagem ilustrativa da imagem Carlito Lima lança 'Ulla', seu novo romance, e diz que escreve para desafiar o esquecimento
| Foto: Ailton Cruz

A relação de Carlito Lima com os livros vai além da própria obra e do posto de escritor. Antes, é um leitor voraz, que continua em busca de formas inventivas de contar histórias, mesmo tendo encontrado, no seu jeito simples e decidido a escrever como fala, a melhor maneira possível.

“Minha história com a literatura começa nos livros que me formaram. Se você tirar da minha vida os romances que eu li, eu não sou nada. Desde criança, eu lia tudo o que eu encontrava na biblioteca do meu pai, que era general, mas também intelectual. Li ‘O Tesouro da Juventude’, ‘O Conde de Monte Cristo’, os livros do Graciliano, Jorge Amado, Vargas Llosa, García Márquez. Isso me moldou. Ali aprendi a ver o mundo de um jeito diferente e entendi que a realidade é curta demais. A invenção, não. Ela é infinita”, declara.

Por outro lado, a trajetória como escritor começa nas mesas de bar. Foi contando suas aventuras Brasil afora, com histórias de boates antigas, cabarés, pés de manga — além de uma infância que parecia inventada, em uma Maceió que já não existe — que os amigos perceberam que o Velho Capita poderia transformar tudo aquilo em livro.

“Aí eu escrevi ‘Confissões de um capitão’. Não esperava nada, mas acabei indo parar no Jô Soares, com livro traduzido para o espanhol e lançado em Buenos Aires, Lima e Bogotá”, conta. Na época, Carlito já tinha 61 anos. Não parou mais.

Imagem ilustrativa da imagem Carlito Lima lança 'Ulla', seu novo romance, e diz que escreve para desafiar o esquecimento
| Foto: Ailton Cruz

O jornalista Plínio Lins viu que Carlito precisava continuar escrevendo suas histórias. Desde então, semanalmente o escritor compartilha seus causos, reais e fictícios, na coluna Histórias do Velho Capita, uma das mais longevas do noticiário local.

Em 2019, quando o também alagoano Cacá Diegues tomou posse como imortal da Academia Alagoana de Letras (ABL), Carlito foi prestigiar o amigo de infância, mas saiu do evento com uma missão: escrever o primeiro argumento de Deus Ainda é Brasileiro, filme ainda inédito do consagrado cineasta, que faleceu em fevereiro deste ano.

“Cacá foi meu vizinho desde que nascemos, na Avenida da Paz. A gente jogava bola, tomava banho no Salgadinho, cresceu junto. A amizade atravessou a vida inteira. Ele me chamou e disse: ‘Carlito, quero fazer a continuação de Deus é Brasileiro. Deus voltou 20 anos depois e encontrou a mesma merda. Você vai escrever essa história’. E eu escrevi. Essa foi a melhor sinopse que já ouvi. Ele fazia cinema, eu fazia memória. Mas no fundo, a gente contava a mesma Alagoas, o mesmo Brasil”, diz.

‘A VIDA É UM RELÂMPAGO’

Enquanto escreve sua próxima história, que terá idosos como amantes apaixonados, Carlito Lima se vê tomando uma cerveja com o tempo, dividindo o que viveu e o que ainda quer viver. Não se conforma com o fim da vida, nem da criatividade. Ele quer mais.

“Já tô com outra história na cabeça: um romance entre dois idosos. Porque o povo pensa que velho não ama mais, que não vive mais nada. Mas vive, sim. Vai ser um livro sobre reencontro, amor maduro, sobre alguém que só declara o amor na hora do velório”, revela, em primeira mão.

“A vida é preciosíssima, mas é um relâmpago. Passa rápido demais. Quando vejo minha idade, sei que tô mais pra lá do que pra cá. Mas vivi. Vivi tudo que quis. E ainda quero viver mais. Gosto de viver. Levei o livro ‘Ulla’ pra minha médica geriatra, com uma dedicatória: ‘Obrigado por ter conservado minha juventude’.”

Carlito Lima é o convidado desta semana do GazetaCast, o podcast da Gazeta de Alagoas, exibido na GazetaNews (canal 525 da NET-Claro). A entrevista vai ao ar neste sábado, às 15h. A programação da emissora também pode ser acompanhada pelo portal Gazetaweb.com e pelo App +Gazeta (Android e IOS).

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