DESPEDIDA FOI NO RJ
O Brasil perde uma voz
Cantora e empresária Preta Gil morre, aos 50 anos, após mais de dois anos de tratamento contra o câncer


Apesar de conhecer profundamente o mercado da influência, onde predominam imagens perfeitas e likes, ou justamente por entendê-lo tão bem, Preta Gil escolheu expor, ao longo de mais de duas décadas de carreira, suas fragilidades e imperfeições. Sem se escorar em causas, amplificou vozes. Não tentou ser o pai; alcançou grandeza por um caminho próprio. Nesse domingo, 20, o Brasil perdeu uma mulher que transitou entre publicidade, música, estética e causas sociais, alguém que transformou o próprio corpo em bandeira contra a hipocrisia e a caretice.
A morte ocorreu dois anos e meio após o diagnóstico de câncer no intestino, doença que mobilizou o país. Aos 50 anos, a cantora, atriz, apresentadora e empresária faleceu em Nova York, nos Estados Unidos, por complicações decorrentes da doença.
Desde janeiro de 2023, quando tornou pública sua condição, Preta revelou com clareza cada etapa do tratamento realizado no Brasil e nos EUA, incluindo cirurgias, quimioterapia e radioterapia.
Com seis álbuns lançados desde 2003, a artista era filha de Gilberto Gil e afilhada de Caetano Veloso e Gal Costa. Além da música, atuou em novelas e séries, apresentou programas de TV e destacou-se como empresária.
A confirmação da morte veio pelas redes sociais, em comunicado oficial:
“É com imensa dor e profundo pesar que comunicamos o falecimento da nossa amada Preta Gil. Preta foi uma mulher transgressora, sempre à frente do seu tempo. Quebrou paradigmas, provocou reflexões e iluminou caminhos com sua coragem. Uma mulher empoderada, que foi e continuará sendo luz para inúmeras outras mulheres. Pretinha era justa, honesta, generosa. Uma mãe e avó dedicada, uma guerreira incansável que inspirou e seguirá inspirando milhares de pessoas. Sabemos o quanto sua luta foi dura, e o quanto ela desejava viver. Ela não desistiu nem por um instante. É esse amor pela vida, essa história de força e resiliência, que permanecerá eternamente em nossos corações.”
Gilberto Gil informou, através de sua equipe, que a família está providenciando o traslado do corpo para o Brasil. Detalhes sobre o funeral serão divulgados posteriormente. Sua última aparição pública no palco foi ao lado do pai.
O HISTÓRICO
DA DOENÇA
Preta revelou seu diagnóstico em janeiro de 2023, após exames indicarem um tumor no intestino. O tratamento inicial incluiu cirurgia, radioterapia, histerectomia total abdominal e amputação do reto.
Em junho do mesmo ano, recebeu autorização médica para voltar aos palcos ao lado de Gilberto Gil. Sobre o retorno, comentou que era uma “dose de cura”: “É uma prescrição médica: voltar ao palco, estar com a família”.
No aniversário de 50 anos, em agosto de 2024, lançou o livro Preta Gil: Os primeiros 50. À época, mostrou-se otimista: “Sou uma pessoa que chega aqui zero traumatizada com o que viveu, tudo serviu de lição pra mim, pra poder valorizar ainda mais esses próximos cinquenta. Estou cheia de gás, de ideias, de assuntos, e bora pra mais cinquenta que só tá começando”.
Ainda naquele mês, a doença retornou com tumores em quatro locais diferentes. Em novembro, precisou interromper a quimioterapia para uma cirurgia devido a cálculos renais que obstruíram seu cateter.
No último 8 de março, foi internada na UTI por infecção urinária, tranquilizando seguidores nas redes sociais: “Estou sendo bem cuidada e, em breve, estarei em casa”.
Nascida no Rio, Preta Maria Gadelha Gil Moreira era filha do cantor e compositor Gilberto Gil e de Sandra Gadelha, a Drão, musa inspiradora da famosa canção homônima de Gil. Tinha oito irmãos, entre eles Pedro, falecido em 1990.
Preta teve um filho, o músico Francisco Gil, fruto do casamento com o ator Otávio Müller, e era avó de Sol de Maria. Teve ainda relacionamentos com os atores Caio Blat, Marcos Palmeira, Paulo Vilhena e o apresentador Marcos Mion. Casou-se posteriormente com Rodrigo Godoy, de quem se separou durante o tratamento, acusando-o de traição, fato que gerou ampla repercussão.
Sua carreira musical teve início com o álbum Prét-A-Porter (2003), cuja capa polêmica trouxe-a nua. Sobre a reação negativa inicial, afirmou em entrevista ao jornalista Pedro Bial: “Meu pai é um sábio. Ele sabia exatamente o que eu iria passar depois. E não deu outra. Eu lancei o disco achando que eu estava abafando, que era bonita e gostosa. E aí veio um enxurrada de muitas críticas na época, de muito conservadorismo, muito preconceito”.
O álbum se popularizou pela música “Sinais de Fogo”, tornando Preta uma voz contra racismo, preconceito e homofobia, além de defensora da prevenção e diagnóstico precoce do câncer. Seu último álbum, Todas As Cores (2017), contou com participações de Gal Costa, Pabllo Vittar e Marília Mendonça. Seu Bloco da Preta foi um dos maiores sucessos do Carnaval carioca.
Como atriz, participou das novelas Agora É Que São Elas, Caminhos do Coração, Os Mutantes e das séries As Cariocas e Pé Na Cova.
Empresária reconhecida, fundou a agência de marketing Music2 + Mynd8, premiada em 2019 com o Prêmio Caboré.
VELÓRIO
A cerimônia de despedida será no Rio de Janeiro, conforme desejava a artista, possivelmente no Theatro Municipal. Preta Gil deixou ainda o pedido para que o cortejo seja realizado em um trio elétrico.
A data e o formato final da cerimônia serão informados posteriormente pela família, após a chegada do corpo dos Estados Unidos prevista para quarta-feira (23). “Ela será velada na cidade do Rio de Janeiro, onde sua família, amigos e o público poderão prestar suas últimas homenagens. Tão logo tenhamos as informações do funeral, divulgaremos aqui. Agradecemos, mais uma vez, o carinho, o respeito e a compreensão de todos”, comunicou a equipe de Gilberto Gil.