OUTRAS FORMAS DE LITERATURA
Literatura quadriculada, colorida e alagoana
Quadrinhos, HQs e mangás ganham novos autores e leitores em Alagoas, revelando uma cena criativa marcada por narrativas visuais, críticas sociais e afetos contemporâneos


As letras, assim como as imagens, são símbolos que, interpretados dentro de um contexto, comunicam ideias, emoções e experiências. Por isso, imagens também contam histórias — e, nesse sentido, são literatura. Esse é o território das histórias em quadrinhos, das graphic novels e dos mangás, que articulam palavra e imagem para construir narrativas. Embora mais discretos do que já foram um dia no cenário local, os quadrinhos têm conquistado espaço em Alagoas, tanto entre leitores quanto autores, como Jean Lins e Pablo Casado, que publicam suas produções de forma independente, e Emanuel Barreto e Katherine da Silva, leitores assíduos das páginas desenhadas.
A acessibilidade visual das histórias em quadrinhos amplia seu alcance, permitindo que mesmo pessoas não alfabetizadas ou com dificuldade de leitura se conectem às narrativas. Foi assim com Jean Lins, que encontrou nos quadrinhos a porta de entrada para o universo literário.
“Ler imagens é um negócio interessante, né? A gente consegue ler sem nem ser alfabetizado. Isso tem um poder. Eu fui uma criança que teve muitas dificuldades com a leitura na época da escola. Se eu li livros, literatura mesmo, foi porque algo fez com que eu chegasse lá. E aí entraram os quadrinhos na minha infância. Eu lia Asterix e Obelix, Menino Maluquinho, do grande Ziraldo, Turma da Mônica e por aí vai”, conta Jean.

Inspirado por gibis de super-heróis e, mais tarde, por produções brasileiras, Jean redescobriu os quadrinhos como leitor e passou a escrever suas próprias histórias. Desde 2012, quando a DC Comics reformulava seus personagens e a Maurício de Sousa Produções lançava graphic novels da Turma da Mônica, ele se viu mais envolvido com o formato.
“Eu voltei a ler quadrinhos pelos anos 2012. Foi na época que a DC estava reformulando seus personagens e também quando começou a sair as Graphic Novels da Turma da Mônica. Foi ali o primeiro contato com os autores de histórias em quadrinhos do Brasil”, revela.
Jean já publicou três HQs independentes, em que aborda temas como liberdade, fé, amor e perseguição. Como ele, o roteirista e artista Pablo Casado também constrói suas histórias unindo texto e imagem, numa trajetória que começou no início dos anos 2000 com fanzines e se estendeu para a internet e outras publicações alternativas.

“Comecei há mais de 20 anos, no início dos anos 2000. Primeiro, fazendo fanzines xerocados, depois com publicações independentes. Além de publicar na internet. Eu queria escrever gibis e conheci outras pessoas interessadas em Maceió e, eventualmente, em outras cidades. A internet residencial já era uma realidade e facilitou muita coisa”, diz Pablo.
Ele trabalha de forma metódica, desenvolvendo roteiros e esboços antes de dar forma final às páginas. Mas o impulso inicial pode vir de qualquer lugar: uma imagem, uma ideia de gênero ou mesmo uma sensação.
“A ideia pode vir de uma imagem ou da vontade de escrever algo num determinado gênero, por exemplo. Com isso, escrevo algumas coisas antes de começar o roteiro propriamente dito. O documento base para qualquer história minha costuma ser um argumento no qual estabeleço o começo, meio e o fim”, explica.

Suas obras costumam ser atravessadas por referências à cultura brasileira, seja na ambientação ou nos temas. Ele cita sua primeira graphic novel como exemplo.
“Eu gosto de abordar e ambientar as histórias de forma que elas reflitam a cultura brasileira ou como a cultura brasileira me afeta. Sabor Brasilis, a primeira graphic novel que coescrevi, fala sobre os bastidores de uma novela do horário nobre, porque foi numa época em que eu assistia muita novela”, afirma.
E se há quem crie, há também quem acompanhe com entusiasmo. Emanuel Barreto é um desses leitores fiéis. Nos ônibus ou nas praças de Maceió, aproveita qualquer tempo livre para colocar em dia os capítulos do mangá Bokutachi ga Yarimashita, ou reler as histórias do Batman e do Flash, seus super-heróis favoritos.
“Tem gente que acha que quadrinho é coisa de criança, mas pra mim é literatura como qualquer outra. Quando leio essas histórias, encontro reflexões, questionamentos sobre justiça, poder, escolhas... Não é só imagem e ação, tem muito conteúdo ali, igual a qualquer livro tradicional”, comenta Emanuel.
Já a estudante Katherine da Silva se reconhece nas tramas mais afetivas dos mangás e nas críticas sociais que marcam muitas HQs brasileiras. É entre o romantismo contemporâneo e o engajamento político que ela organiza suas leituras.
“Eu gosto muito de mangás, principalmente os que falam de amor de um jeito mais leve e atual, como Wotakoi. Mas nas HQs, gosto mesmo das brasileiras, porque muitas têm uma pegada de crítica social que faz a gente pensar”, diz.
*Sob supervisão da Editoria