SAMBA DE LUTO
O Brasil se despede de Arlindo Cruz
Cantor, compositor e multi-instrumentista morreu aos 66 anos e foi sepultado no fim de semana; últimas homenagens aconteceram na quadra da Império Serrano, sua escola do coração


O Brasil se despediu, no último fim de semana, do cantor, compositor e multi-instrumentista Arlindo Cruz, que morreu aos 66 anos, no Rio de Janeiro, onde estava internado. A cerimônia de despedida contou com o gurufim, uma homenagem com música, festa, bebida e dança, que aconteceu na quadra da Império Serrano, escola que, por 11 vezes, levou um samba de sua autoria para a avenida.
Após 16 horas de velório, o caixão de Arlindo seguiu no carro do Corpo de Bombeiros, em um cortejo até o Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, zona oeste da capital fluminense, onde foi sepultado numa cerimônia restrita a parentes e amigos próximos.
Além das dezenas de fãs — que cantaram e bateram palmas, acompanhando os atabaques em cânticos de candomblé, religião de Arlindo —, foram à cerimônia familiares e amigos próximos, como seus filhos Arlindinho e Flora, Regina Casé, Zeca Pagodinho, Hélio de la Peña, Marcelo D2, Marcos Salles, seu biógrafo e a escritora Conceição Evaristo.
AVC tirou o cantor de cena
Arlindo sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em março de 2017, enquanto tomava banho em casa. O sambista ficou internado no hospital durante 15 meses, grande parte desse período na UTI. Durante a recuperação, ele passou por 14 cirurgias - sendo cinco delas na cabeça-, além de uma embolia pulmonar.
Ao voltar para casa, Arlindo enfrentou as sequelas do AVC que lhe tirou os movimentos do corpo e a fala. A nova rotina do compositor, que incluía sessões de fisioterapia e de fonoaudiologia, foi compartilhada por sua mulher, Babi Cruz, nas redes sociais, e pelos filhos, Arlindinho e Flora. Em entrevistas, Babi dizia que Arlindo queria viver.
No carnaval de 2023, Arlindo foi enredo da escola de samba Império Serrano, no Rio de Janeiro. O sambista, com o apoio da família e a liberação dos médicos, desfilou no último carro da escola, sentado, ao lado da mulher, filhos e amigos.
Carreira iniciou nos anos 1970
Criado em Madureira, no subúrbio do Rio de Janeiro, Arlindo Domingos da Cruz Filho, homenageou o bairro em uma de suas canções mais conhecidas, Meu Lugar. Nascido em 1958, ele conviveu com a música desde cedo por intermédio de seu pai, um músico amador. Aos 17 anos, tocou na roda de samba promovida por Candeia (1935-1978), um dos mais importantes nomes da história do samba.
Nos anos 1970, Arlindo foi um dos criadores da roda de samba que passou a ocorrer na quadra do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, na zona norte do Rio de Janeiro. Dela, também participavam outros músicos, como Luiz Carlos da Vila, Beto Sem Braço, Almir Guineto, Jorge Aragão, Sombrinha, Neoci, Bira Presidente, Ubirany, Sereno, entre outros.
O encontro dos sambistas chamou a atenção da cantora Beth Carvalho (1946-2019), que passou não só a frequentar o Cacique, mas também a recolher composições para seu repertório. No disco De Pé no Chão, lançado em 1978, Beth levou a roda de samba do Cacique para dentro do estúdio para que eles reproduzissem o som que faziam no encontro.
Nos anos 1980, Arlindo fez parte do grupo Fundo de Quintal, um dos mais importantes do samba brasileiro, ao lado de Bira Presidente, Ubirany, Sereno, Jorge Aragão, Almir Guineto, Sombrinha e Neoci. Ficou no grupo até o início dos anos 1990, quando saiu em carreira solo.
Com Sombrinha, um de seus parceiros mais constantes, Arlindo compôs sucessos como Alto Lá, também com autoria de Zeca Pagodinho, e O Show Tem que Continuar, com a adesão de Luiz Carlos da Vila.
Com Zeca Pagodinho, fez outros tantos clássicos do samba e do pagode, entre eles, Bagaço da Laranja, Dor de Amor e Camarão que Dorme a Onda Leva, esse último com a participação de Beto Sem Braço. Com Acyr Marques, assinou Casal Sem Vergonha.
As músicas de Arlindo foram gravadas por nomes como Beth Carvalho, Alcione, Elza Soares, Maíra Freitas, Almir Guineto, Diogo Nogueira, entre outros intérpretes.
Arlindo também ganhou destaque como compositor de sambas de enredo. Compôs para escolas como Império Serrano, Vila Isabel e Grande Rio.
Ao longo da carreira, o sambista gravou discos com regularidade. Em 2009, lançou dois volumes do MTV Ao Vivo. Recebeu cinco indicações ao Grammy Latino.
Seu último álbum foi gravado ao lado do filho, Arlindinho, que seguiu a carreira do pai. Em 2017, pouco antes de Arlindo sofrer o AVC, eles lançaram juntos o álbum Dois Arlindos, no qual interpretaram músicas como Bom Aprendiz, Nega Samambaia e Pais e Filhos.
Em junho de 2025, a biografia do cantor, O Sambista Perfeito - Arlindo Cruz (Editora Malê), foi lançada durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro. O livro foi escrito por Marcos Salles. Segundo levantamento realizado pelo autor, Arlindo escreveu mais de 700 músicas.