CONTAGEM REGRESSIVA
Bienal do Livro de Alagoas propõe encontro entre Brasil e África; confira detalhes
Saiba quem são os autores já confirmados, o tema e como vem sendo a preparação para o maior evento multicultural do Estado


“Então você acha que a literatura tem de ser omissa?” — A pergunta é, na verdade, um trecho do livro “De onde eles vêm”, do escritor Jeferson Tenório. Ele é um dos nomes já confirmados para a 11ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas, que neste ano ocorre entre os dias 31 de outubro e 9 de novembro, no Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso, em Jaraguá. O professor Eraldo Ferraz, coordenador e curador da edição 2025, faz questão de responder à provocação: “A literatura tem de ser libertadora. Tem de conversar com as paixões das pessoas. Tem de ser um caminho que abre os caminhos de quem lê”.
Sob o tema “Brasil e África ligados culturalmente em seus ritos e raízes”, o maior evento multicultural de Alagoas buscará, segundo Ferraz, recontar histórias, resgatar conexões entre os dois lados do Atlântico e celebrar o que une os povos falantes da língua portuguesa. a programação foi apresentada oficialmente à imprensa e aos parceiros nesta sexta-feira (15).
“O tema surgiu nas reuniões do conselho editorial. Um dos integrantes sugeriu que homenageássemos não um único país, mas todos os países que têm a língua portuguesa como língua oficial. Abraçamos a proposta com entusiasmo e optamos por explorar essa ligação profunda entre Brasil e África”, explica. Ele destaca que a escolha está ligada ao espírito do tempo atual: “É um momento importante, com discussões sobre racismo estrutural e revisões históricas avançando. Então, achamos oportuna essa abordagem. Além disso, a Bienal ocorrerá em pleno Novembro Negro, quando estaremos nos preparando para subir a Serra da Barriga”.

Se na edição anterior mais de 412 mil visitantes movimentaram cerca de R$ 6 milhões apenas em vendas, e assistiram ao lançamento de 500 novos títulos, a expectativa agora é superar esses números.
“Estamos trabalhando intensamente para potencializar o alcance da Bienal de Alagoas, que é a única do País que é produzida por uma universidade pública e é totalmente gratuita para as pessoas. Isso é um orgulho”, afirma o curador. O desafio da curadoria, segundo ele, é equilibrar o desejo do público e a construção de uma programação significativa.

“Está sendo um grande desafio para mim. Eu sou muito envolvido com cultura popular e com arte, mas não sou uma pessoa das redes sociais, por exemplo. Mas sabemos que precisamos estar antenados às redes, até porque as editoras e expositores querem vender. E nós, claro, queremos que eles vendam muito. E isso está ligado aos likes, engajamento, monetização. Estamos atentos ao equilíbrio das coisas e esse olhar é um dos desafios da curadoria. Temos casos de escritores que surgiram de situações inusitadas, como uma uberista que escreve sobre o cotidiano no carro. Pode não ser uma escrita poética no sentido clássico, mas ela encanta as pessoas e desperta prazer na leitura. Isso também é literatura”, conta Eraldo Ferraz.
O QUE ESPERAR

Entre os nomes confirmados, estão figuras consagradas como Djamila Ribeiro, Sueli Carneiro, Monja Coen, Jeferson Tenório e Bárbara Carine, vencedores do Prêmio Jabuti, além da filósofa e historiadora Lilia Schwarcz, que acaba de vencer o Jabuti Acadêmico 2025, e do psicanalista Christian Dunker.
O evento terá ainda debates sobre feminismo negro, liderados por Sueli Carneiro, e a comunidade LGBTQIAPN+, com a participação da jornalista Sara Wagner York. O professor aposentado da Ufal, Zezito Araújo, e o nigeriano Ikechukwu Sunday Nkeechi, conhecido como Sunny, estarão presentes para reforçar a reflexão sobre as raízes africanas na cultura brasileira.

Nesta edição, três Patrimônios Vivos de Alagoas também serão homenageados: Mãe Neide Oyá d’Oxum, Pai Célio e Mãe Mirian. Pai Célio, padrinho do evento, expressa o significado da homenagem: “Recebo essa honra de ser padrinho do evento com imensa gratidão, é muito bom ver o reconhecimento de um trabalho que sempre foi guiado pela fé, pelo respeito aos Orixás e pelo compromisso com o axé. Essa homenagem não é só minha, é de cada folha, cada cantiga, cada um que faz o axé acontecer em Alagoas”.
Para ele, que também é historiador e pesquisador, o tema do evento é assertivo e aproxima Alagoas de raízes que precisam ser resgatadas. “A palavra tem axé e, nesta Bienal, ela vem carregada de memória, de tambor, de histórias que cruzaram o oceano e criaram raízes profundas neste chão. Falar sobre Brasil e África, suas raízes e seus ritos, é reconhecer a base sagrada que sustenta nossa cultura, nossa história. Em um país que ainda luta para respeitar as religiões de matriz africana, tratar do tema da ancestralidade e do pertencimento é um ato de resistência”.
FEITO EM ALAGOAS

Em um estado onde apenas 39% da população têm o hábito de leitura — segundo dados mais recentes da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil —, a Bienal surge também como um espaço estratégico de estímulo, formação e visibilidade para autores locais. A Secretaria de Estado da Cultura abriu um edital para a participação gratuita de escritores alagoanos no evento, com prazo de inscrição até 25 de agosto. Além disso, a Ufal e a Fapeal selecionaram 22 obras inéditas para lançamento pela Edufal.
Haverá ainda a tradicional Praça de Autógrafos e espaço para o cordel, além do projeto de uma Kombi literária que irá circular por cidades do interior, como Maragogi, Santana do Ipanema e Penedo, levando livros e ações educativas antes da abertura oficial do evento.
Eraldo Ferraz, que além de curador é professor, entusiasta da cultura e figura emblemática das festas populares de Maceió, conduz o planejamento da Bienal com a experiência de quem organizou cinco edições do Salão Alagoano do Livro e da Arte — “até na pecuária, entre bois e galinhas”, como lembra com humor. Ele reconhece os novos tempos, mas mantém a vocação formadora: “Conheço o caso de um estudante que odiava estudar por traumas da infância. Ele descobriu o prazer da leitura na primeira Bienal. Anos depois, virou doutor e hoje é professor da Uncisal. A leitura o transformou”.
Para garantir a continuidade dessas transformações, o evento contará com vale-livro para alunos e professores da rede pública municipal e estadual. Garantidos pela prefeitura de Maceió e pelo governo de Alagoas. “Isso dá aos estudantes o prazer de comprar um livro. É um estímulo para formar novos leitores”, afirma Eraldo.
Ao falar da dimensão do evento, ele recorre à simplicidade da fé: “A gente planta a semente. Disponibiliza o livro e a leitura. E colhe os frutos com histórias como essa. Estamos na contagem regressiva para fazer história mais uma vez”.