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Ouvimos: ‘Ave, Êxodo!’: o transe musical de Pero Manzé

Em disco de estreia, artista alagoano mistura religiosidade popular, psicodelia e memória afetiva; álbum chegou hoje às plataformas

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Imagem ilustrativa da imagem Ouvimos: ‘Ave, Êxodo!’: o transe musical de Pero Manzé
| Foto: PERO MANZÉ

Trata-se de um disco que não nasceu pronto. Foi se revelando, como uma oração à vida e aos seus desvios. Em Ave, Êxodo!, estreia em estúdio do alagoano radicado em São Paulo Pero Manzé, o sagrado e o profano se entrelaçam com fúria e doçura, num rito musical que atravessa o corpo, o tempo e o território. O álbum chega ao público nesta sexta-feira, 12 de setembro, com produção de Lucas Gonçalves (Maglore), mixagem de Chico Bernardes e masterização de Fernando Sanches (Estúdio El Rocha).

O título já anuncia o tom: “Ave” como saudação litúrgica; “Êxodo” como fuga, travessia, deslocamento. O disco é, de fato, um êxodo pessoal e sonoro — e não apenas no sentido bíblico. Pero deixa sua terra natal, Alagoas, migra para São Paulo, forma-se engenheiro elétrico “por pura nerdice e necessidade”, e só depois dos trinta assume a música como profissão. “Me tornar oficialmente músico depois dos trinta foi uma questão grande pra mim por muito tempo”, admite. “Hoje vejo que essa jornada pela tangente foi essencial”.

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| Foto: Sofia Santoros

A maturidade tardia rendeu um trabalho híbrido, enraizado na vivência. São 11 faixas autorais e uma parceria com Lucas (“Procissão”), que apontam para caminhos diversos sem perder o centro. As referências se espalham como sementes: Zé Ramalho e seu messianismo apocalíptico; Clube da Esquina em sua espiritualidade mineira; Mutantes na distorção ácida das guitarras; Tom Zé, presente nos jogos de linguagem e sampleamentos caseiros. Mas há também Quinteto Violado, Otacílio Batista, Fagner — nomes que evocam o Nordeste profundo, onde devoção e peleja caminham juntas.

“Percebi a naturalidade do uso de termos cristãos nas minhas letras”, conta Pero. “Por um tempo quis renegar essa influência, mas vi que estava encarnada em mim”. O resultado é um álbum que entoa preces a algo maior, mesmo que esse algo seja apenas o cotidiano: as dores de amar, as dúvidas de partir, os dilemas de existir. Há uma mística laica em Ave, Êxodo!, um encantamento terreno, de quem benze antes de seguir viagem.

O ponto de partida, como não poderia deixar de ser, é a família. A capa do disco traz a imagem de Dona Marieta, avó do artista, ainda jovem. É dela que vem a tradição de benzer, de tocar o invisível. “Me sinto privilegiado por ser a primeira pessoa que minha avó benzeu na vida”, diz Pero. O disco todo parece orbitá-la como se cada faixa fosse uma das rezas de Dona Marieta.

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| Foto: PERO MANZÉ

Há também um sentido cênico na estrutura do disco. Algumas canções soam como cenas de um filme ou capítulos de um romance oral. É o caso de “No dia em que Tom Zé vier lhe visitar”, exercício de irreverência que junta samplers, colagens sonoras e crítica cultural em três minutos dançantes. Ou “Não me resolvo”, feita a partir da justaposição de letras inacabadas sobre ritmos extraídos de experimentos com percussões, violas e vozes.

Ave, Êxodo! é um corpo místico e polifônico, no qual a religiosidade nordestina serve de pano de fundo para temas contemporâneos: urbanidade, deslocamento, identidade, desejo. “Trago nas canções desse álbum coisas sentidas, vividas e observadas no meu cotidiano, porém conto isso misturando minhas influências musicais ‘pagãs’ à poética das orações aos santos que ouvi desde sempre”, resume.

O álbum estreia em meio a um cenário nacional cada vez mais atento a artistas que conciliam experimentação estética com raízes culturais sólidas. E, nesse sentido, Pero Manzé se firma como voz singular nessa nova leva. Seus pés continuam fincados na areia quente de Maceió, mas seus ouvidos dançam ao lado de Caetano, Alceu e outros universais. Ao mesmo tempo, sua cabeça está em frequências distorcidas e urbanas, onde o sample se mistura ao toque do sino da missa das seis.

No fim, como toda boa obra, Ave, Êxodo! também nos deixa perguntas. Sobre o que é fé. Sobre o que nos move. Sobre como transformar o ordinário em beleza. Pero Manzé responde com uma força mansa, quase encantatória: “Trago nas músicas meu êxodo de Alagoas para São Paulo e demais êxodos da vida. Meus amores, meus desejos, minhas saudades, paixões, dúvidas, medos...”. E nos convida a seguir em procissão, ainda que desordenada, ainda que profana. Ainda que — ou justamente porque — a fé, aqui, tenha a forma de uma canção.

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