ENTREVISTA EXCLUSIVA
Adriana Calcanhotto estreia novo show em Maceió com cenário inspirado em obras de artesão alagoano
Projeto infantil da cantora e compositora chega a Alagoas no dia 11 de outubro, véspera do Dia das Crianças


É hora de diversão no quarto da Partimpim, heterônimo da cantora e compositora Adriana Calcanhotto. A cama se tornou palco, os sonhos dançam ao som do balde que virou bateria. A escova, claro, se metamorfoseou num microfone. E cabe, no quarto de uma menina, até o Sertão de Alagoas. É nessa fantasia, guiada pelos limites da imaginação, que uma das maiores artistas da música popular brasileira desembarca em Maceió, no dia 11 de outubro, para a estreia nacional do show “Adriana Partimpim: O Quarto no Palco”. O espetáculo traz na paleta as cores do Mestre Jasson, artesão do município alagoano de Belo Monte. E a proposta é uma viagem de reencontro com a infância, não importa a idade.
Consagrada, no Brasil e fora dele, Adriana Calcanhotto também é uma artesã, mas de palavras e sons. Se no trabalho convencional ela explora a experiência humana em direções diversas, não seria diferente na nuance infantil da artista. O projeto Partimpim nasceu há mais de 20 anos e pode ser considerado uma revolução na música feita para crianças no país. Com instrumentos inusitados, a la Hermeto Pascoal, ela provoca o sonho acordado e prega a imaginação como solução para os problemas dos adultos.
O retorno da persona ao palco, depois de 15 anos longe, ocorre após lançar em 2024 o disco “O Quarto”, com músicas como “O meu quarto” e “Malala”, ambas de autoria Partimpim, a inédita “Boitatá” de Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Mano Wladimir, “Atlântida” o clássico de Rita Lee e Roberto de Carvalho e “Tô bem” da banda Jovem Dionisio, Partimpim vai para a estrada com essas canções e mais outros sucessos de seus “tlês” outros álbuns.

Hits como “Fico Assim Sem Você”, “Ciranda da Bailarina” e “Oito Anos” entre outros, ganharam arranjos criados especialmente para o espetáculo. Com concepção musical da própria cantora e o auxílio luxuoso de Pretinho da Serrinha na formação da banda e Marlon Sette nos arranjos, o repertório traz mais de 20 canções compiladas dos quatro álbuns de estúdio.
Neste sábado (27), uma pré-estreia, no festival Doce Maravilha, no Rio de Janeiro, vai aquecer a menina que, outra vez, convida o Brasil para cantar e dançar em sua infância. Antes de cair na estrada, Adriana Calcanhotto bateu um papo com a Gazeta, falou da expectativa, da empolgação com a nova turnê, e da banda que a acompanhará, formada por Davi Moraes (guitarra), Marlon Sette (arranjos e trombone), Arimatéa (trompete), Jorge Continentino (saxofone, clarinete e flautas), João Moreira (baixo), Luizinho do Jeje (percussão), Antonio Dal Bó (teclados e sintetizadores) e Thomas Harres (bateria). Ela chama a turma de “monstrinhos musicais” e faz questão de reforçar o convite dizendo que “o mundo é dos que sonham que toda lenda é pura verdade”.
GAZETA DE ALAGOAS – Adriana, o que despertou em você o desejo de trazer Partimpim de volta ao palco?
ADRIANA CALCANHOTTO – Assim, quando a gente faz um álbum, a primeira pergunta que vem é: e o show? Essa é uma parte da motivação. Mas, desde o primeiro, a minha ideia era fazer uma discografia, uma série de discos que acompanhasse a Partimpim. Sempre tive essa ideia. Uma coisa é o álbum, outra é o show. As coisas vão acontecendo uma de cada vez. Quando vi o álbum pronto, surgiu esse desejo, muito forte, de ver a Partimpim de novo no palco. E me animei. Queria botar todas as canções, mas conseguimos fazer uma seleção de músicas dos quatro discos do projeto. O Tlês não teve show, por exemplo, então me pareceu uma boa ideia, fiquei com vontade de armar o cirquinho todo de novo, com banda, espetáculo, cenário, figurino – tudo novo de novo.
E como foi reencontrar essa persona? A Partimpim mudou ou continua a mesma dentro de você?
Difícil essa pergunta. Ela é a natureza. Assim, a essência permanece sempre a mesma: de querer brincar, fazer música, viver o momento presente. E o espetáculo tá muito bonito. A gente se diverte fazendo. O que ela quer é compartilhar isso, partilhar com as pessoas toda a alegria que a gente tem de fazer.
O nome do espetáculo é “O Quarto no Palco”. O que esse quarto representa para você?
Tem essa brincadeira de ser o quarto disco e se chamar Quarto. E, basicamente, a ideia é a Partimpim no quarto dela – só que fazendo um show.
Você já mencionou que Partimpim vai cantar para quem era criança lá no começo e hoje é adulto, com filhos e tudo mais. Como é atravessar duas gerações com esse repertório?
Eu acho interessante esses encontros que o show permite. Na prática, você vê o olho brilhando, vê as pessoas que antes eram pais e agora são avós, que antes eram crianças e agora são os pais das crianças. Isso é interessante. Não dá para saber como vai ser ainda, mas eu tô me preparando para esses encontros de um jeito especial.
Em tempos tão duros e acelerados, qual é a importância, para você, de preservar esse espaço de fantasia, delicadeza e imaginação?
Eu acho que a imaginação é algo importante. Para além do mundo das crianças, a imaginação é o meio pelo qual resolvemos os problemas da física, da astronomia, da ciência e da matemática. Precisamos dela. As questões humanas resolvemos através da imaginação. Então, eu gosto disso, de experimentar isso e de partilhar com quem vai estar assistindo.

Você acha que nós, adultos, precisamos “olhar com mais carinho” para a imaginação?
Acho. E acho que o mundo adulto precisa se cuidar sobre isso. E é aí, nessa hora, que entra a Partimpim.
Visualmente, o espetáculo une traços infantis, projeções e o artesanato do Mestre Jasson. Como vocês se encontraram e o que uniu vocês?
Foi um caminho muito bonito. Algumas pessoas da equipe me apresentaram a arte do Mestre Jasson, e eu senti que precisava vê-lo pintando na luz do Sertão, no lugar de onde vem aquela paleta tão única. Fui até Alagoas, conversei com ele, e ali começou um verdadeiro diálogo artístico. As cores do espetáculo são as cores dele. Ele aparece também nas texturas do cenário. É um artista grande, muito sensível.
Na mesma época, eu estava gravando o disco durante as chuvas no Rio Grande do Sul. Era um momento muito difícil, em que a gente precisava ativar esse olhar da infância e da imaginação mesmo diante de imagens duras, reais. Quando cheguei à casa do Mestre Jasson, ele tinha acabado de pintar, na própria parede, uma casa na enchente. Aquilo me tocou profundamente. Parecia que nossas sensibilidades estavam conversando.
Essa imagem da casa pintada por ele aparece no cenário da música Estrela, estrela, que também foi gravada, em parte, por causa das chuvas. Foi uma espécie de encontro poético, uma soma de linguagens: eu, do Sul, e ele, do Sertão das Alagoas. Duas realidades unidas por esse gesto artístico, essa troca. Isso tornou o espetáculo ainda mais especial.
Você traz a questão das enchentes, um tema sério, para um espetáculo infantil. Acha importante tocar nesse tipo de assunto com as crianças?
Eu acho que a questão das chuvas é um resultado, um sintoma de um problema maior. E são as crianças – está nas mãos delas salvar este planeta. Então, eu acho que é importantíssimo, sim, que esse assunto seja tocado. Além do mais, elas sabem disso mais do que os adultos podem supor, na minha opinião.
Falando da banda: como foi formada essa trupe, esses “monstrinhos musicais” do espetáculo?
Ah, os meus monstrinhos! Tem monstrinhos que já tocaram com a Partimpim e tem monstrinhos novos. É uma combinação de monstrinhos que vêm de tudo que é jeito. E não só os monstrinhos que estão no palco, mas os monstrinhos que estão atrás do palco, que também fazem aquilo funcionar.
A bateria de baldes e colheres é um detalhe marcante do show. De onde surgiu essa ideia de brincar com os sons do cotidiano?
As crianças é que têm essa ideia. Quem nunca tocou em um balde, usando colheres? Talvez alguns, não, mas quem já pegou um balde e tocou bateria sabe muito bem do que estou falando. É uma coisa lúdica, na qual você não precisa de nada para fazer alguma coisa. Você inventa o que quer fazer, você inventa o mundo. Essa é justamente a grande mensagem da Partimpim.
Depois de tanto tempo, o que ainda te surpreende e emociona nesse projeto?
As pessoas que hoje têm vinte e poucos anos, e o fato de elas realmente terem sido afetadas pela Partimpim anos atrás. Ouvir tantas vezes sobre o quanto ela fez diferença para elas, no mundo delas, no pensamento delas. Isso sempre dá uma ideia de missão cumprida muito boa, muito leve. E não no sentido de que não tem mais o que fazer, pois não acho isso, mas no sentido de: que bom que eu fiz. Que bom que essa ideia não ficou apenas na minha cabeça, que eu fui à luta. Isso é leve de sentir. Eu tô muito alegre de estrear aí em Alagoas. Vai ser – já não dá para dizer como no mundo adulto – uma noite linda, né? Porque é sempre mais cedo. Mas vai ser, com certeza, um dia lindo. Vamos todos sair do teatro melhores do que chegamos.