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Junior Almeida lança 'A roda do tempo' e reforça encanto pelas palavras
Novo EP traz faixas inéditas e um reencontro com a estreia do cantor e compositor alagoano; confira a entrevista


Junior Almeida atravessou essas quatro décadas de carreira sem perder o eixo que o colocou entre os nomes essenciais da música autoral alagoana: a palavra bem moldada, a escuta social aguçada e a entrega emocional, canção após canção. Há uma certa obsessão pela forma quando ele persegue as palavras com sua música, mas não há rigidez. Pelo contrário. O que se vê é o passeio de quem compreende o tempo apenas como um espaço para viver e amar.
Tudo isso nunca esteve tão claro quanto agora, em seu novo trabalho, o EP A Roda do Tempo (Dubas), lançado há um mês. O disco é uma parceria com o poeta Paulo Wanderley. Os artistas se aproximaram durante a pandemia, e a primeira música surgiu: “Poema Para Sofia”, dedicada à neta de um amigo em comum e incluída no álbum O Avesso da Asa do Anjo (2021).
“Esse trabalho surge pela vontade de fazer, de documentar nossas impressões compartilhadas. Na verdade, o EP começou com a ideia de lançar singles, mas quando vimos as músicas que fizemos, rolou um ‘opa, as coisas estão conectadas, essas músicas conversam’. E veio o disco, que sai pela Dubas”, conta Almeida.
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O EP traz quatro canções. E foi pensado para ser assim, curtinho mesmo — uma experiência de escuta que evoca a pausa sem inércia. É quase um convite para interromper a rotina e realmente viver e apreciar a vida, com tudo que ela oferece de forte.
Em "A Roda do Tempo", que dá nome e abre o EP, Junior Almeida nos apresenta a continuidade de uma busca pelo essencial que começa lá no início da sua carreira, no final dos anos 1990. A canção é minimalista, nos pega pelo tempo bem marcado, a força do piano e as palavras mastigadas pelo intérprete, que alerta sem cerimônias: a vida passa quando nos atemos ao tempo, esse transporte sem freio. O piano vai dividindo o espaço com instrumentações crescentes e incidentais. Quando tudo parece estar no lugar, no ápice da canção, a faixa termina. E fica aquela sensação de que deveríamos ter aproveitado o instante sublime oferecido pelo artista.
A segunda faixa, “Só Pra Falar Desse Amor”, é uma surpresa sonora, apontando que Junior Almeida segue criativo e divertido. A música começa atmosférica, com um coro que nos leva a pensar em serenatas românticas de antigamente, mas sem soar antiquada. É uma provocação para ser bobo como é o amor em sua plenitude. E ele pergunta: “De onde vem o sentir / que torna a vida serena? / Onde viver vale a pena / Onde encontro abrigo? / Que também me apequena / Diante do teu sorriso?”. A música vai se tornando uma declaração de amor contagiante, que se vê maior do que a morte e o tempo. As vozes que atravessam a canção criam um clima de catarse, paixão que cantarola, e amplificam a força da poesia, que surge como um desafio ao tempo.
Na sequência, em “Incompletude”, um suspense toma os primeiros segundos, mas a música logo vira um (sambinha?). “Só nas paixões / ele se diz completo”, canta Junior Almeida, na faixa que lamenta os vazios do coração em desamor, mas o faz com certo prazer por se dar às paixões. O conjunto — com piano, percussão e guitarras alucinantes — evoca boemia e celebra a vida pelo sentir, sentir tudo, amar sem medida, porque é isso viver. Mesmo que seja só por uma noite. A música encerra a sequência de canções em parceria com Paulo Wanderley. Mas ainda não acabou.
Fechando o EP, Junior faz uma incursão na qual parece buscar o novo dentro da própria história e mostra que é possível ser inventivo sem sair de si mesmo. “A Lua Não Pertence a Ninguém”, única faixa não inédita do trabalho, chega como uma novidade, com o violão mais evidente, o brilho da guitarra distorcida e a bateria envolvente. Vinda direto do primeiro álbum oficial do artista alagoano, lançado em 1999, ela parece encerrar um ciclo e surge como ato final dessa roda do tempo visitada por Almeida. Na faixa, ele diz que a vida é o que é, celebra a liberdade de ser tudo e cria um ambiente de delírio e deslumbre com o espaço de existir. Não lamenta: usa o tempo. Afinal, a vida é mesmo “um ovo de pombo” — e é preciso ouvir a faixa para entender e olhar “daqui para o infinito”.
‘Minha estrada é a música’

Desde os primeiros festivais universitários, quando surgiu desafiando a estética vigente, até os mais recentes lançamentos, Junior Almeida se consolidou como artista de inquietações formais e afetivas. Um intérprete do tempo em que vive e das memórias que carrega. No ano passado, celebrou 40 anos de carreira e, agora, aos 64 anos, não pensa em parar. Enxerga o tempo como um fato: não algo para gostar ou não gostar.
Esse é o ponto central do novo EP. Em A Roda do Tempo, Junior brinca com o sentido da existência. Prefere o deleite do instante ao apego à imutabilidade. Para isso, une forças com o poeta Paulo Wanderley em faixas que escapam da abstração filosófica e compreendem a vida como ela é: amar, desiludir-se, festejar, amar de novo.
Entre os marcos de sua discografia, Limiar do Tempo (2006) ganhou novos contornos quando a faixa “A Cor do Desejo”, parceria com Ricardo Guima, foi gravada por Ney Matogrosso e transformada em tema de novela no remake de Saramandaia. O mesmo Ney voltaria a colaborar em Memória da Flor (2012), disco que também teve clipe dirigido por René Guerra e consolidou Junior como um nome de elegância dentro da MPB. Já Nu (2018), com estética minimalista, reuniu Zeca Baleiro e Mart’nália, reafirmando sua capacidade de transitar com naturalidade entre o popular e o sofisticado.
Além dos discos, há momentos definidores nessas quatro décadas. Como quando foi convidado por Milton Nascimento para cantar no espetáculo Crooner, ao lado da banda do Bituca. Ou quando Gilberto Gil, após uma conversa pública durante a Flimar (Festa Literária de Marechal Deodoro), decidiu acompanhá-lo espontaneamente ao violão em algumas canções. O cantor e compositor Djavan, há mais de 10 anos, disse, em uma entrevista à TV Gazeta, que Junior era “um dos nomes mais talentosos” da música contemporânea de Alagoas.

Antes mesmo do primeiro álbum oficial, ele já deixava registros em fita cassete. Transparências, gravado ao lado de Almir Medeiros, foi o trabalho inaugural que o levou a palcos fora de Alagoas, ainda nos anos 1990. Em 2006, excursionou por seis cidades francesas, em parceria com Ricardo Mota — que na época brilhava também como cantor e compositor —, num intercâmbio promovido pela Aliança Francesa.
Em entrevista à Gazeta, Junior Almeida diz que não vai parar de fazer música, além de dar detalhes do novo trabalho. O EP A Roda do Tempo traz Toni Augusto nas guitarras, além de Cláudio Andrade (piano e teclados), Estevan Barbosa (bateria), Marcelo Costa (percussão em A Roda do Tempo) e Guto Wirtti (contrabaixo e arranjos). A direção artística é de Leo Pareda e a mixagem é assinada por Duda Mello. O EP foi gravado no estúdio Companhia dos Técnicos (Rio de Janeiro - RJ) e sai pela Dubas Música.
GAZETA DE ALAGOAS. Privilegiar a palavra é um dos destaques da sua trajetória. E até uma marca do seu trabalho como intérprete e compositor. De onde vem isso?
JUNIOR ALMEIDA. Olha, eu acho que o meu trabalho é em cima disso. Quando vou compor, ou quando faço parcerias, na minha visão eu ponho músicas em poemas. Principalmente no caso das parcerias. São raros os momentos em que eu só fiz a melodia e depois vou criar a letra. Eu sou muito pautado pela palavra, pelo que leio, pela sonoridade delas, pelo sentimento que evocam quando pronunciadas. A minha música vai atrás disso. E aí, quando alguém escreve algo e me manda, e eu enxergo e sinto ali algo que eu mesmo queria fazer, é quando há um casamento perfeito.
Nesse novo trabalho, o tempo é tema central. Como você lida com ele?
Eu não fico prestando atenção nisso [na idade]. É o melhor jeito. Mas é natural. É assim o tempo, ele é: para todos e para tudo. O melhor jeito de lidar com ele é entender que cada coisa tem seu tempo e viver dentro disso. E eu gosto de hoje estar nesta idade, gosto das coisas que faço. Eu estou motivado, continuo motivado, olhando para frente. Fiz esse show novo, com uma sonoridade nova, esse trabalho tá lindo. E isso diz muito, pô. Tô fazendo as coisas.
Mas no EP você dá uma olhada para trás. Afinal, a última faixa é do seu primeiro disco…
… Pois é, mas ela chega como nova. Eu gosto muito das músicas daquele disco, mas alguns arranjos eu refaria. Eu tentaria outros caminhos, entendeu? E essa música sempre me bateu como uma em que eu queria imprimir o meu jeito de tocar violão. No primeiro disco está de outro jeito, não saiu como eu tocava. Então, terminou batendo com um grupo de músicos muito bons e cada um trouxe seus elementos, pronto, deu aquilo, né? Uma coisa outra. Eu vejo mais como um trazer para você. Para o seu hoje. Mas com liberdade e leveza, não arrependimentos. Pelo contrário, eu adoro aquele disco e inclusive essa música. Mas fizemos outra a partir dela.
Quem é o Junior Almeida de hoje, do presente?
Eu acho que é um cara mais tranquilo e brincalhão. Tipo, eu acabo de fazer um ensaio e estava pensando que a coisa que eu mais gosto é essa diversão. Quanto a gente se diverte fazendo isso. Sabe? Quanto a gente se diverte fazendo música, cantando. Diversão no sentido de estar em paz, né? De você sentir que tá vibrando numa energia boa, que tudo está. Com esses músicos tenho um entrosamento fantástico.
E por que você nunca desistiu da música?
Porque não. A música é meu ofício. Todo mundo não vem para cá e procura o que fazer da vida, na parte prática da vida. Busca como vai passar esse tempo em que estamos aqui. Então, pronto, para mim é a música. E isso não tem jeito. Independente do que aconteça, me refiro a essas questões de mercado, eu continuarei fazendo música. É a minha estrada. Estou caminhando nela.
