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ENTREVISTA

O mergulho e o incêndio de Luedji Luna no Festival Carambola 2025

Cantora baiana conversa com a Gazeta sobre liberdade artística e promete show intenso neste sábado (1º), em Maceió

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Cantora baiana conversa com a Gazeta sobre seus dois novos discos e diz que Djavan ocupa um “lugar sagrado” na música brasileira
Cantora baiana conversa com a Gazeta sobre seus dois novos discos e diz que Djavan ocupa um “lugar sagrado” na música brasileira | Foto: LUCAS SEIXAS

Terra quente. Águas abissais. No último ano, a baiana Luedji Luna tomou coragem para mergulhar em si e encontrar o mar na sua versão mais profunda. E também juntou toda a sua audácia para sair de si, pisar novamente num território que sempre foi seu e se reconhecer no outro. Esses movimentos -embora pareçam apenas pessoais, mas envolvem pesquisa e criação- resultaram em dois álbuns-irmãos: o primeiro, Um Mar pra Cada Um, saiu em maio; e Antes Que a Terra Acabe, em junho. Neste sábado, 1º de novembro, as faixas dos discos se misturam no palco do Festival Carambola, em Maceió. Descortina-se, então, o mergulho e o incêndio de Luedji, que chega a Alagoas, inclusive, indicada mais uma vez ao Grammy Latino.

Enquanto Um Mar pra Cada Um é yin; Antes Que a Terra Acabe é yang. Na face abissal e aquática, a densidade é o caminho para um som que passeia pelo neo soul, jazz e R&B. Já no lado telúrico, é o calor que toma conta, com percussões em evidência e orquestrações mais expansivas. Para Luedji, trata-se de um mesmo ser, “geminiano”, como ela defende, em busca de cura, para si e para o mundo, enquanto dança e vive.

São também os álbuns mais confessionais da carreira da artista, que começou sua trajetória fonográfica com “Um Corpo no Mundo” (2017). Eles chegaram depois de um período em que ela performou ser uma “popstar”. Agora ele quer emergir desse lugar de pompas, de coisa lustrada demais. Luedji quer o improviso, o caminho oposto, o seu próprio jazz.

CARAMBOLE-SE

Line-up tem Marina Sena, Luedji, Saci e diversas outras atrações locais e nacionais
Line-up tem Marina Sena, Luedji, Saci e diversas outras atrações locais e nacionais | Foto: DIVULGAÇÃO

Luedji Luna encerra o line-up do palco Sol no 9º Festival Carambola, que ocorre em Jacarecica. Além dela, se apresentam: Marina Sena (MG), Saci (AL), Fidellis (AL), Bárbara Castelões convida Wilma (AL), Grupo Sabuká Kariri-Xocó (AL) convida Héloa (SE), Zé Manoel (PE) convida Juçara Marçal (RJ) e DJs Thuppa (AL), Erika Morais (AL/SP) e Gigis Banks (AL). Ainda há ingressos disponíveis (compre aqui)

Neste ano, o festival homenageia o Rio São Francisco, com atrações ligadas ao percurso do simbólico rio e ainda com ações formativas. Destacado como o maior evento independente de música e artes de Alagoas, cerca de 1.000 empregos são gerados e mais de R$ 6 milhões são injetados na economia alagoana no decorrer da produção. De acordo com a Secretaria de Estado do Turismo de Alagoas (Setur-AL), 34% do público do evento são turistas vindos de 18 estados brasileiros, um crescimento de 11,7% no número de visitantes em comparação com a edição de 2024. Cada turista tem um gasto médio de R$ 1.200 na cidade, o que gera impacto na rede hoteleira, nos bares e restaurantes.

O mergulho e o incêndio de Luedji Luna

Imagem ilustrativa da imagem O mergulho e o incêndio de Luedji Luna no Festival Carambola 2025
| Foto: LUCAS SEIXAS

Em entrevista à Gazeta, a cantora baiana reflete esses novos caminhos, os álbuns que lhe reposicionaram na carreira e as urgências da atualidade. E conta que tocar Djavan é tocar um “lugar sagrado”. Sobre isso, deixa no ar a possibilidade de até rolar um cover no show deste sábado. “Pétala”, quem sabe.

GAZETA DE ALAGOAS. Você falou que vai aparecer menos “diva” no palco. O que exatamente morre nessa decisão e o que nasce no lugar?

Eu acho que o que “morre” é uma expectativa de grandiosidade que não necessariamente vinha de mim, mas de uma ideia de sucesso que a gente acaba absorvendo. Eu quero estar mais livre, mais presente, mais próxima da essência do que me move como artista. No lugar das superproduções, nasce um palco mais humano, mais íntimo, mais música e menos artifício.

Em que medida a pressão por “entregar espetáculo” distorceu sua relação com a música e como essa virada reorganiza sua saúde financeira e criativa?

Foi um divisor de águas pra mim. A pressão por “entregar espetáculo” pode acabar afastando a gente daquilo que é mais verdadeiro. E entenda que essa pressão é também uma autopressão, que vem a partir de narrativas e projeções de mercado em cima de todos nós, artistas. Eu senti que estava tentando corresponder a uma expectativa que não era só minha, e isso pesa financeiramente e emocionalmente. Hoje eu quero fazer escolhas mais coerentes com a minha realidade, com a minha estética, com a minha saúde mental. Não preciso estar no palco com uma superprodução pra entregar potência.

Em um show em Portugal, cantando “Pétala”, você já disse que olhou para o público e pensou “Música é coisa séria”. Por que aquele instante virou a chave? O que Djavan significa para você — e vai cantar uma dele no Festival Carambola?

Foi um momento muito forte. Ali eu senti, de verdade, o peso e a beleza da música. “Pétala” é uma canção que me atravessa profundamente, e cantar Djavan é tocar num lugar sagrado da nossa música. Ele é uma referência imensa pra mim. Sobre Maceió… quem sabe? Talvez tenha surpresa, sim.

Dois discos em menos de um mês. Se esse é um díptico, qual quadro cada um pinta? Onde eles se tocam?

Um Mar pra Cada Um é mais íntimo, mais sensorial, fala de dentro pra fora. Antes Que a Terra Acabe é mais expansivo, mais solar, fala com o corpo, com o coletivo. Eles se tocam na minha verdade, na minha voz e na minha ancestralidade. Mas têm personalidades bem diferentes, quase como duas faces de mim mesma.

E tem um preferido ou, como boa geminiana, há um dia para cada?

Exatamente. Tem dias que eu tô toda “terra”, pulsante, solar… e tem dias que tô “mar”, mais introspectiva, sentindo as ondas por dentro. Eu amo os dois de formas diferentes, não tem como escolher um só.

No disco mais recente, o som às vezes é mais protagonista do que a palavra. Como você incorporou frequências, sound healing e timbres para buscar cura e não só catarse?

Foi muito intuitivo e também muito consciente. Eu quis explorar como o som pode tocar a gente de forma profunda, mesmo sem palavra. Frequências, texturas, silêncio… tudo comunica. Eu queria criar uma experiência que fosse também cura, pra mim e pra quem escuta.

Você sampleia e invoca Beatriz Nascimento via recursos de IA, em “Baby Te Amo”. O que te guiou para que a tecnologia não esmagasse a humanidade desse gesto?

Esse foi um processo muito delicado. Beatriz é uma figura que eu reverencio, então o cuidado foi enorme. Eu só segui adiante porque tinha certeza de que seria uma homenagem respeitosa, feita com consciência e responsabilidade. A tecnologia é só uma ferramenta, a alma do gesto vem de outro lugar.

Em “Gamboa”, Salvador vira paisagem. Como você e Curumin chegaram àquela pulsação baiana sem cair no lugar-comum do “axé cartão-postal”?

A gente quis fugir do óbvio. “Gamboa” fala de Salvador, mas de um Salvador real, íntimo, cotidiano. A pulsação veio desse olhar mais profundo, da maré, do vento, da rua, não do estereótipo. Curumin tem uma escuta muito fina, e isso ajudou muito a encontrar o ritmo certo.

“Antes Que a Terra Acabe” é hedonista, dançante. Em tempos distópicos, por que escrever sobre desejo e prazer foi, paradoxalmente, o caminho mais político?

Porque prazer é resistência. A gente vive tempos duros, e falar de alegria, de corpo, de desejo, também é afirmar que a gente existe pra além da dor. É uma escolha política ocupar esse lugar com leveza e potência.

Nosso tempo está acabando na sua visão?...

Eu acho que a gente tá num momento de urgências. O planeta tá gritando. Mas também acredito na capacidade humana de se reinventar, de se reconectar com o essencial. Então… não sei se está acabando, mas sei que a gente precisa se escutar mais.

“Luedji canta Sade” te devolveu o gozo do palco. Tecnicamente, o que ficou dessa temporada no seu canto (respiração, fraseado, economia)?

Me ensinou muito sobre silêncio, sobre espaço, sobre respirar junto com a música. Foi uma experiência que refinou minha escuta e meu jeito de cantar. Eu aprendi que menos também pode ser mais.

Você já disse: “Não sou só ‘Banho de Folhas’”. Qual é o risco de um hit sequestrar uma narrativa, e que estratégias você criou para educar a audiência a ouvir álbuns, não apenas faixas?

Esse é um risco real. Um hit pode acabar virando uma “caixa” que te prende. Eu tenho tentado mostrar ao público que meu trabalho vai além de uma música, criando shows que contam histórias inteiras, lançando discos coesos e me mantendo fiel à minha essência. É um trabalho de formiguinha, mas necessário.

Falando em setlist. Quais músicas dos dois álbuns você considera “espinha dorsal” para Maceió, aquelas que com certeza podemos esperar no seu show?

Com certeza as faixas-título dos dois discos: “Um Mar Pra Cada Um” e “Antes Que a Terra Acabe”. Também tem “Baby Te Amo”, “Gamboa” e outras que ganharam uma força enorme no palco. Elas representam bem esse momento que estou vivendo.

Você foi indicada novamente ao Grammy Latino. O que essa chancela ainda move em você e como evitar que o “reconhecimento” vire régua criativa ou nova prisão?

É bonito ser reconhecida, claro. Mas eu tenho muita clareza de que o prêmio não é o objetivo, é consequência. Eu não posso deixar que isso dite o que eu crio. Meu compromisso é com a verdade da minha arte, não com expectativas externas.

Algoritmos vorazes, pressão por virais. O que precisa mudar para sustentar carreiras longevas — especialmente de mulheres negras?

A gente precisa de um mercado que valorize diversidade real, que olhe pra artistas negros como protagonistas, não exceções. Precisa de mais estrutura, mais cuidado, mais espaço para trabalhos autorais. E o público também tem um papel importante nisso: consumir de forma consciente, apoiar trajetórias, não só hits.

Você lida bem com o tempo, com a morte, com esses aspectos espinhosos da experiência humana? Tem pressa?

Eu penso muito sobre isso. Acho que a morte me ensina a viver melhor. Não tenho pressa, mas tenho urgência de ser inteira no agora, de aproveitar as pessoas e as experiências com presença.

Por fim, em relação ao show em Maceió, o que você espera, o que a gente pode esperar?

Eu espero uma noite de muita entrega e conexão. Vai ser um show forte, bonito, cheio de camadas. E eu espero também sentir o público — porque essa troca é o que dá sentido a tudo.

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Sobre o Festival Carambola

O Festival Carambola surgiu em 2017 com o propósito de valorizar a arte alagoana em suas diferentes vertentes, tendo a música como eixo central. O que começou como uma festa em uma casa de shows maceioense, ao longo dos anos foi se consolidando como um dos mais relevantes festivais independentes do Brasil. Em 2023, o evento se mudou para o litoral norte da capital alagoana, oferecendo uma experiência ampliada à beira-mar e em 2024 recebeu atrações de relevância internacional. No último biênio reforçou sua atuação contínua por meio do espaço cultural Carambola Lab, com os ciclos de formação artística, a Mostra Mulheres+ no Cinema e a Corrida Carambola. Inserindo Alagoas de forma ainda mais expressiva no circuito da música latinoamericana, o Carambola reafirma o festival como espaço de diálogo entre diversas linguagens artísticas e fortalece seu impacto cultural e social no estado. Em 2025 realiza sua nona edição, dia 01 de novembro, novamente em Maceió e com o Rio São Francisco como homenageado do ano.

O Festival Carambola 2025 tem patrocínio da Setur-AL e do Banco do Nordeste Cultural. A cerveja oficial é a Sol. Hotéis oficiais: Mercure, Ibis e Ibis Budget Maceió. Apoios de: Secult-AL, Ecoparque Maceió, Cenna, Unne, Mandala360, Prefeitura de Maceió, Lighthouse, Bird Viagens, Mercado das Artes 31, Água Solara. Bilheteria oficial: Shotgun.

Tags:

Festival Carambola Grammy Latino Luedji Luna música brasileira neo soul R&B

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