ESTREIA
‘O Agente Secreto’, que pode levar o Brasil ao Oscar, retrata as tensões do Brasil dos anos 1970
Filme de Kleber Mendonça Filho estrelado por Wagner Moura chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 6, após uma bem-sucedida carreira nos festivais internacionais


Logo no início de O Agente Secreto, filme de Kleber Mendonça Filho que chega aos cinemas nesta quinta-feira (6), Marcelo, o protagonista vivido por Wagner Moura, para em um posto de gasolina com seu fusca amarelo. Um pouco adiante, há um corpo - que está lá há dias, como explica o funcionário. Há um quê de absurdo na situação, que trafega entre o humor e a tensão - que escala com a chegada de dois policiais ao local.
A sequência define bem o tom do que vem a seguir. Ao longo de O Agente Secreto, Marcelo chega ao Recife em uma tentativa de escapar de seu passado e se reconectar com seu filho, mas se vê mergulhado em um clima de insegurança e desconfianças - tal qual o espectador, que durante as 2h40 do filme é transportado para o Brasil de 1977 e suas sensações muito peculiares.
“Achei que construindo um universo bem palpável, bem físico, sensorial, quase de você sentir que você está 50 anos atrás no Brasil, já seria uma boa maneira de fazer o espectador entrar numa imersão”, diz Mendonça Filho em conversa com o Estadão.
A reconstituição da capital pernambucana, cidade natal do diretor, é feita de forma cuidadosa, da direção de arte aos figurinos. Mas o maior trunfo está em sua atmosfera de suspense, na qual as ameaças do autoritarismo se fazem presentes sem que o filme precise mencionar explicitamente a ditadura militar que vigorou no país entre 1964 e 1985.
O filme é bem-sucedido neste aspecto, e ancora seu clima não só em Marcelo, mas também em outros personagens que, embora tenham menos tempo de tela, não passam incólumes às questões do momento em que vivem. “Acho que é importante mostrar como isso sucedeu na vida de pessoas comuns; um professor, uma dentista, uma dona de casa”, diz a atriz Alice Carvalho. “Isso faz com que a gente tenha um entendimento de contexto mais complexo sobre esse período que muitas vezes a gente não quer falar sobre”.

Memória e parceria
O Agente Secreto é, em muitas camadas, um filme sobre memória - o que é lembrado, o que é apagado, e quem conta a história depois. Nos bastidores, a memória foi também um propulsor do longa, já que Kleber Mendonça Filho emprestou muito de suas próprias lembranças para a trama.
“Eu lembro desse momento histórico, em que eu era criança; Sou filho de historiadora, tenho uma memória de elefante, então tem muita coisa que entrou na construção do filme”, diz o cineasta, que completa 57 anos no próximo dia 22.
Mendonça Filho passou cerca de dois anos escrevendo o roteiro de O Agente Secreto, após o grande sucesso de Bacurau (2019), em um processo que define como complexo. “Com muito trabalho, cheguei numa versão que eu me senti seguro o suficiente para mostrar para Wagner, porque eu queria muito fazer o filme com ele”.
A relação dos dois é de longa data: eles se conheceram há vinte anos, durante o Festival de Cannes. O ator estava no evento ao lado de Alice Braga e Lázaro Ramos para promover o filme Cidade Baixa, de Sérgio Machado, e o cineasta estava lá como crítico de cinema. “Eram raros os repórteres do Nordeste que iam cobrir Cannes; eu estava lá com um filme baiano, encontrei aquele cara do Recife, e já deu uma liga muito boa”, contou o ator durante a coletiva de imprensa, antes da conversa com a reportagem.
Coincidentemente, seria justamente na mais recente edição do festival francês, em maio deste ano, que ambos sairiam consagrados, com os prêmios de Melhor Ator e Melhor Diretor. A premiação dupla, inclusive, foi uma exceção às regras do evento, que costuma distribuir cada um de seus prêmios principais a um filme diferente.
A parceria marca, também, o retorno de Moura à atuação em um filme falado em português, após mais de uma década de trabalhos no exterior – da série Narcos (2015) que o catapultou à fama global, ao blockbuster distópico Guerra Civil (2024), de Alex Garland.
“Quando eu atuo em português, as palavras têm memória; quando eu digo ‘pai’, ‘mãe’ em português, eu já falei essas palavras milhões de vezes para o meu pai, para minha mãe. Se eu disser ‘mother’, ‘mom’, ela não vem carregada disso”, reflete Moura, ao Estadão. “Não tem importância nenhuma falar inglês ou ou espanhol com sotaque. A questão é a memória”.
O caminho ao Oscar
Após a estreia nos cinemas brasileiros, O Agente Secreto se prepara para enfrentar o longo caminho até o Oscar, que acontece em 15 de março de 2026.
Com os prêmios de Cannes e passagens nos festivais de Telluride, Toronto, Nova York e Londres, o filme tornou-se um dos favoritos a conseguir uma vaga na disputa de Melhor Filme Internacional, cujos semifinalistas serão revelados em 16 de dezembro. Em listas de respeitadas publicações americanas, como a Variety e a The Hollywood Reporter, Moura também aparece bem cotado a uma indicação na categoria de Melhor Ator, ao lado de nomes como os de Leonardo DiCaprio (Uma Batalha Após a Outra) e Timothée Chalamet (do inédito Marty Supreme).
Há, ainda, chance de indicações em outras categorias. Em comparação a Ainda Estou Aqui, o filme de Mendonça Filho chega à temporada de premiações melhor posicionado, o que pode impulsioná-lo nas cerimônias que antecedem o Oscar, como o Globo de Ouro e o Critics Choice Awards. Elas não têm o mesmo corpo votante que o prêmio da Academia, mas são vitrines importantes; a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro, no início do ano, deu uma visibilidade muito bem-vinda ao longa de Walter Salles, e certamente ajudou na conquista do primeiro Oscar do Brasil.
Neste mês, Moura se juntará a Mendonça Filho nos eventos de campanha, que costumam envolver viagens, encontros com a imprensa e exibições especiais para votantes. “É legal, mas cansativo”, diz o ator, que recebeu conselhos de Fernanda durante um almoço recente: “Se alimente bem, durma e tente não ficar doente”.
