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segunda-feira, 17/11/2025 | Ano | Nº 6099
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ENTREVISTA

Operária da arte, senhora da ribalta: Ivana Iza celebra 30 anos de carreira

Em entrevista, atriz fala sobre pausas, medo, maternidade, Nordeste, a criação do Theatro Homerinho e o desejo de continuar sonhando com o teatro

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Foto:@Ailton Cruz
Foto:@Ailton Cruz | Foto: Ailton Cruz

No meio de uma sessão de A Velha, sozinha diante de um público que há anos lotava teatros para vê-la, Ivana Iza pensou algo que nunca tinha pensado em quase três décadas de palco: “Ainda tem esse texto todo pra fazer”. Não era cansaço nem medo de esquecimento. Era um estranhamento frio, fragmento de razão onde, até então, só havia vertigem. No dia seguinte, a atriz mais premiada e celebrada do teatro alagoano cancelou a temporada do espetáculo. “Eu jamais vou usar de crueldade com o teatro”, diria depois. “Se eu não estiver inteira, eu me retiro”. E foi o que aconteceu. Agora, ela chega aos 30 anos de carreira como estrela e também como guardiã: administra o Theatro Homerinho, “uma caixinha de joias” em Jaraguá, e transforma o único teatro particular de Alagoas em uma casa para o desejo dos outros enquanto aprende a voltar devagar para o seu próprio lugar em cena.

A pausa foi no auge. Pouco tempo antes, Ivana Iza fez história ao levar mais de 50 mil pessoas ao teatro com o monólogo Devassas e emplacar uma temporada bem-sucedida em São Paulo — algo até então inédito para artistas alagoanos. A peça A Velha beirava os 10 mil espectadores. O público disputava ingressos, mesmo em um momento em que o teatro já não tinha tanta atenção quanto a própria Ivana gostaria.

Ivana Iza em cena com o espetáculo 'Devassas'
Ivana Iza em cena com o espetáculo 'Devassas' | Foto: Divulgação

A atriz, inclusive, faz questão de definir a relação com a arte da cena como de devoção e amor. “Eu sou uma operária da arte. E eu amo ser uma operária. Amo chegar com a minha marmita, passar meu figurino, ensaiar, criar e cuidar de tudo para entregar algo bonito para quem vem assistir a gente”, afirma. Longe da cena, jamais ficou longe do teatro. Escreveu, produziu, dirigiu e, principalmente, abriu uma casa de espetáculos. E agora promete voltar aos palcos.

“Eu tô sentindo muita falta do palco. Me retirei pelo amor que eu tenho por essas tábuas. Não há manobras. Não há jogo. A minha relação com o teatro é íntima. E se eu não estiver inteira, vou me retirar. Como me retirei. Ano que vem eu volto, com duas estreias: uma comédia e um drama” revela Ivana Iza. Na comédia, chamada Marcassita Não é Joia, ela dividirá o palco com o ator Régis de Souza. No drama, o parceiro de cena é o lendário Otávio Cabral, a peça será Meu Pai é uma Flor. A dramaturgia dos espetáculos também é assinada pela atriz.

Ivana Iza no espetáculo "Devassas"
Ivana Iza no espetáculo "Devassas" | Foto: Divulgação

Ivana Iza subiu ao palco pela primeira vez em 1995. Por acaso. Sua primeira personagem foi Dandara dos Palmares, em um espetáculo que lhe rendeu um prêmio. E o que parecia ser um hobby se revelou vocação incontestável e destino. De lá para cá, participou de mais de 20 montagens teatrais, incluindo clássicos como Senhorita Júlia, Dois Perdidos Numa Noite Suja e Fulaninha e D. Coisa. Seu trabalho foi reconhecido em diversas premiações nacionais, como o Prêmio Funarte Myriam Muniz e o BNB Cultural.

No cinema, atuou em produções como Deus é Brasileiro e Deus Ainda é Brasileiro, do cineasta alagoano Cacá Diegues, além dos filmes Serial Kelly, O que lembro, tenho e Sem Coração, este último premiado no Festival de Veneza. Como documentarista, assina obras como Maria Lavadeira e Memórias por um Fio.

Ivana Iza celebra 30 anos de carreira com festa em Jaraguá, nesta sexta-feira (21)
Ivana Iza celebra 30 anos de carreira com festa em Jaraguá, nesta sexta-feira (21) | Foto: @Ailton Cruz

A conversa a seguir ocorreu em uma tarde ensolarada, quando a atriz recebeu a reportagem no Theatro Homerinho, fundado por ela no começo deste ano. Ela sentou na plateia, olhando fixamente para o palco que ergueu. Segundo Ivana Iza, enquanto víamos a caixa cênica vazia, o que ela via eram belezas sempre prestes a nascer. E contou que faz questão de manter seus olhos sempre abertos para a magia que a vida oferece. Ao celebrar 30 anos de carreira, diz que só tem um desejo: que não falte sonho.

GAZETA DE ALAGOAS. Quando você pensa no momento em que decidiu subir ao palco pela primeira vez, há quase 30 anos, que imagem vem à sua cabeça?

Eu achei que era uma bobagem. Que era uma coisa que eu ia fazer, assim, mais como brincadeira, meio hobby. Mesmo eu levando tudo sempre muito a sério, mas assim… eu fui sendo convencida pela dona Maria Leônia, dona Leônia, querida. Ela dizia que via em mim uma coisa que só ela via, que eu tinha uma coisa que só ela enxergava. Ela era uma mulher muito espiritualizada. Porque eu queria, já repeti isso muitas vezes, ser médica, mas sempre muito ligada a toda a questão artística de várias maneiras, na escola. Então, quando eu pisei no palco pela primeira vez, aí eu fui fisgada. Aí eu falei: “Ah, é isso que eu vou fazer”. Mas, até então, não existia esse tipo de pensamento como profissão. Era muito mais algo ligado às questões da escola mesmo. Nesse dia da estreia, quando a gente pisou no palco, eu entendi, eu falei: “Aqui é o meu lugar”. E daí eu não parei mais.

E olhando daqui, vendo que aquele “acaso”, vamos chamar assim, virou a sua vida, o que você pensa?

Eu penso que foi a escolha correta do universo. Não foi uma escolha só minha. Eu acho que o universo conspirou. Ele falou assim: “Vamos fazê-la entender que esse é o lugar de nascença dela, é o lugar de pertencimento dela”. Eu acabei estudando, depois, para desenhar os meus próprios figurinos, comecei a estudar cenografia, depois fui ser dramaturga, então foi um processo que eu fui aproveitando da mesma forma generosa que ele me abraçou. Porque eu realmente acho que o teatro me ama profundamente. Profundamente. Me ama de volta. Eu amo e ele me ama de volta. Eu não tenho absolutamente nada a dizer que possa diminuir a minha relação com o teatro. Até as questões difíceis, de início de carreira, de pouco público, dos desafios, da falta de dinheiro, né? De todos os ônibus, dos ensaios até de madrugada… tudo isso foi construindo a atriz que eu sou hoje. E estou em construção, né? Para sempre.

Ivana Iza em cena no espetáculo "Devassas"
Ivana Iza em cena no espetáculo "Devassas" | Foto: Divulgação

O que é o teatro para você?

Ele é o meu sentido. Eu vim para este planeta, provavelmente, também para ser médica, porque acho realmente que tenho essa vocação. Mas eu ouvi uma frase meses atrás, eu esqueci o nome da pessoa, mas vou lembrar para te dizer. Ela disse pra mim assim: “Ivana, você não entendeu ainda: você faz nascer teatro dentro da gente”. Eu falei para ela que eu ainda não tinha mensurado o Theatro Homerinho. Ainda é uma coisa que está muito no mundo dos meus sonhos, ele ainda não é muito real na minha cabeça. E eu achei isso, talvez, a coisa mais linda que eu já ouvi na vida. Sobre mim. Porque alguém dizer “ah, você é boa atriz”, “ah, você é não sei o quê”, fica nesses elogios. Mas quando ela disse isso, foi algo realmente que me afetou muito internamente, num lugar que eu ainda não tinha acessado.

Você faz constantemente uma analogia do teatro como uma casa, um lar, especialmente quando se refere ao Homerinho. Mas você já falava isso antes do Homerinho existir. Se o teatro é uma casa, quem é que mora nela com você? Como estão esses cômodos? Está silenciosa, barulhenta?

Hoje são cômodos ocupados por desejos de outros artistas. Eu não quis voltar ao palco neste primeiro ano do Homerinho de propósito. Porque eu realmente necessitava vê-los em cena novamente, que era algo que a gente não estava vendo na cidade. Tinha um vazio, sabe? Um silêncio muito grande. Os palcos ficaram muito entristecidos com a falta dos espetáculos, com a falta dos incentivos, com a falta da manutenção, do carinho, da atenção, do amor que o artista precisa receber cada vez que entra num teatro. E hoje eu sou uma pessoa que contempla o sucesso do outro. É uma casa que está recebendo visitas amorosamente. Eu botei o melhor lençol, sabe? Você bota flores no banheiro para recebê-los, você deixa a casa cheirosa, com as janelas abertas para que o vento circule, para que os pássaros cantem, para que eles durmam até tarde, se quiserem, sem barulho. Como a gente deve realmente receber uma visita na nossa casa. Com aquele almoço que é diferente, aquele café que é mais bonito, sabe? O Homerinho hoje, pra mim, é uma casa muito feliz, que recebe pessoas que estão felizes em estar dentro dele, que se sentem cortejadas, amorosamente recebidas, com todo o empenho, com todo o cuidado que temos aqui com cada pessoa. Somos um lugar feito para que as pessoas se sintam seguras para exercitar o seu melhor, que é o seu fazer artístico. Dar a sua alma para outras pessoas. Eu acho que é isso que o Homerinho é. Eu chamo ele de minha caixinha de joias.

Personagens da atriz Ivana Iza no espetáculo "Devassas"
Personagens da atriz Ivana Iza no espetáculo "Devassas" | Foto: Divulgação

Cinco anos atrás, quando falávamos sobre o sonho do Homerinho e dos seus 25 anos de carreira, você mencionou que Ivana Iza, mulher e artista, mudou completamente depois do nascimento da sua filha, a Cora, eu queria saber como essa maternidade ainda reverbera, circula na sua vida artística e pessoal?

Olha, eu penso que, quando a gente tem um filho, uma mulher, principalmente, tudo muda na sua vida. Do seu corpo ao seu fluxo energético. Você está esperando um corpo. Imagine que eu produzi os cabelos dela, os pulmões, o cérebro dela, a língua dela, entendeu? Então, hoje, eu tenho uma menina de quase dez anos, que… eu não vou dizer que ela me ensina, mas eu falo que ela me complementa profundamente. A gente tem uma relação de mãe e filha, que eu prezo muito, para depois sermos amigas. Esse círculo de força, de energia que se gera entre duas mulheres, principalmente duas mulheres em que uma saiu da minha barriga, é muito grande. Porque ela é uma pessoa que está sendo educada para ser uma mulher dona da sua própria vida. É um exercício hercúleo educar uma pessoa, mas também é um prazer muito grande olhar pra mim, a pessoa que eu era, e quem eu sou hoje, olhando para outra vida que eu gerei e o que é que ela ainda vai provocar no mundo.

Por exemplo, a Cora não quer ser artista. Muita gente talvez diga: “Ah, mas ela é filha de atriz”. Mas ela tem muito talento, já percebi, mas não tem vocação nenhuma. São duas coisas bem diferentes. Ela não tem o ímpeto, ela não tem vontade. E eu não forcei nada disso. Não quer, não vai. Não quer ver, não vê. Vou deixando que ela vá amadurecendo. Vamos ver as cenas dos próximos capítulos.

Ivana, você sempre levantou com muito orgulho alguns aspectos da sua identidade, principalmente como mulher, alagoana, nordestina. Em que medida você acredita que ser essa mulher, que nasceu em Alagoas, é nordestina, pensa o Nordeste, moldou a sua trajetória? E eu também quero saber se você já tentou fugir dessa identidade.

Não. Fugir, eu nunca tentei. Me moldou porque eu fui entendendo, por mínima que seja, a história da minha família, que eu tenho uma base ancestral muito forte. E isso sempre foi algo que eu valorizei demais. Eu venho de uma família, por parte materna, muito misturada. O meu avô, que eu não conheci, pai da minha mãe, foi um homem que tinha uma relação com a cultura popular muito forte, da junção de um barão que vem para o Litoral Norte, se apaixona por uma negra das terras que ele compra, dona Inês. Ela fica lá, forma-se um quilombo, eles ficam ali nas terras dele e ele vem plantar arroz aqui. Essa é a história que a minha avó me contava. Ele tem um único filho, que é o pai da minha mãe, que perde tudo no jogo, aquela coisa dramática, né? Mas são nossas histórias. E os pais da minha avó, mãe da minha mãe, eram pessoas muito envolvidas com esse universo cultural do Litoral Norte. Eram mecenas mesmo. Apostavam. Cada um tinha um pastoril, tinham times de futebol, patrocinavam festas imensas na cidade de Porto Calvo. Foram pessoas muito ativas nisso.

Então, o Nordeste me fortalece porque está na minha raiz, exatamente por conta de onde tudo é fundado. Eu amo ser nordestina por tudo que nós somos em essência. Eu não consigo reconhecer um povo mais bonito no Brasil que não seja o nordestino. Pela força, pela coragem, pela mistura, pela simplicidade, não no sentido de pobreza, mas na simplicidade de olhar pra vida e dizer assim: “É claro que é possível. É evidente que eu consigo”.

Existem todas as dificuldades, porque a gente foi colocado pelo Brasil no lugar de coitadismo, sempre no lugar do êxodo, de ir embora. Mas nós somos muito fortes em tantas camadas. Não só as nossas belezas naturais, mas tudo que produzimos de escritores, cantores, poetas, atrizes, atores, escultores, artistas plásticos, bailarinas, sabe? É um lugar que salva o Brasil quando precisa. Nós somos, eu acredito mesmo, a ponta de lança dessa bandeira. Porque ajudamos a construir o Brasil. Por isso eu me sinto muito forjada para tudo que eu pretendo. Porque me sinto forte, amparada por essas forças gerais que movimentam, que constituem o Nordeste. E por isso me sinto tão forte. Por isso sinto muito orgulho. E nasceria nordestina quantas vezes fosse preciso.

Ivana Iza em interação com a plateia no espetáculo "A Velha"
Ivana Iza em interação com a plateia no espetáculo "A Velha" | Foto: Divulgação

O fato de você hoje administrar o Homerinho, que é o único teatro particular de Alagoas e o que mais tem se movimentado nos últimos tempos, coloca você numa posição de vanguarda, óbvio, mas também de responsabilidade, porque as pessoas já depositam aqui suas esperanças. Como é que você convive com esse papel? Dói, assusta?

Eu convivo diariamente, assim, no dia. Eu não fico pensando. Claro que isso aqui é uma empresa. A gente tem uma receita alta para manter essa casa. Eu tô tendo o privilégio de ter parcerias importantes acontecendo aqui com a Setur, a Secretaria de Estado do Turismo, com a secretária Bárbara Braga, com o Milton Muniz e com a Mellina Freitas na Secretaria de Estado da Cultura e Economia Criativa; a parceria com a FMAC também, com o Myriel; com as pessoas que ainda são, de alguma maneira, parceiras da casa, a Apoio Security, por exemplo. São pessoas que permanecem com a gente até o final. A própria Casa das Tintas, que continua com a gente, de alguma maneira está sempre ali disposta a estar conosco. Mas o fluxo pesado mesmo é mensal. Eu sou neurótica, porque eu vivo fazendo reparos. Eu sempre vejo uma coisa ali: “tem que passar uma tinta ali, tem que passar uma tinta preta ali, aqui tem que passar uma bege, isso aqui tem que tirar…”. Eu tô sempre: “isso aqui precisa arrumar”. Porque a gente aqui é uma casa mesmo, é a minha casa. A casa em que eu estou recebendo as pessoas. Vai ter alguma coisa que vai passar da visão, uma bobagem, uma coisinha. Mas o que eu puder limpar, o que eu puder encerar, o que eu puder mandar tirar, eu mando tirar. “Tira os ventiladores, tira tudo, limpa, tira o pó”… tudo tem que estar nesse padrão.

As pessoas comentam há muitos anos que há um padrão Ivana Iza. É verdade?

Ai, eu vou falar: é um padrão meu mesmo. É verdade. Eu sou muito criteriosa. Tem uma frase que o Homero Cavalcante, o nosso Homerinho, diz: “Deus está nos detalhes”. E isso é verdade. Está no cheiro, em como você está sentado, onde você toca, o que você sente. Essa sinergia que um teatro tem a responsabilidade de produzir em você. Essas sensações. Eu vivo o Homerinho para além dos problemas todos, que não são problemas, são questões burocráticas. Eu vivo ele um dia de cada vez. Porque… se a gente for pensar em gestação, eu nem teria parido ele no tempo certo. Eu estou com oito meses do Homerinho, que nem é um mês bom para criança nascer. Talvez ele nasça pra mim quando fizer nove meses, assim, na minha cabeça, totalmente. Mas ele é vivido no momento presente.

Eu tenho dado muito valor ao presente, ao agora, ao que é sentido no momento.

Isso na sua vida pessoal também? É o seu estado de espírito atual?

É o meu estado de espírito. É um estado de espírito artístico com o qual eu já venho tentando me conectar e que é tema do meu mestrado, inclusive. É um estado de presença em si. Essa solidão transformada em solitude. Porque eu sou uma atriz, com aspas grandes, solitária. Não faço parte de grupo. Eu sou uma atriz que agrega pessoas para fortalecer o meu desejo. E que elas tragam também as suas potencialidades e desejos para se juntar aos meus. Eu tive muita sorte de ter, nesses 30 anos, pessoas aliadas a mim que só engrandeceram a minha carreira como atriz: o Flávio Rabelo, o Éris Maximiano, o Lindolfo Amaral, o Glauber Teixeira, o René Guerra, as pessoas que trabalham à minha volta, o Arnaldo Ferju, que me deixou, meu amigo amado, mas que vive dentro do meu olho e do meu coração até o dia em que eu for encontrá-lo. E tantas outras pessoas: o Jorge Schultz, as pessoas que passaram por mim, a própria Linda Mascarenhas que nos veste com tudo que traduzimos nesse tempo; o Homero, o Zé Márcio, dona Selma Brito; todas as pessoas dessa nova geração, que têm esse brilho no olho lindo e difícil de manter, porque o teatro é uma profissão e precisa ser levada muito a sério.

Atriz Ivana Iza em cena
Atriz Ivana Iza em cena | Foto: Divulgação

Você viveu e vive muitas mudanças culturais, tecnológicas. Você já sentiu o teatro ameaçado? Já sentiu seu teatro ficar obsoleto?

Não. Não, eu não acho que o teatro será obsoleto nunca. O teatro sempre será o teatro. Jamais será substituído por nada na vida. Acontecerão IAs e robôs e tudo o que puder, mas nunca será como o momento da troca humana. Ele jamais poderá ser substituído nisso. A gente sempre vai ter necessidade do outro. Não adianta. A gente precisa disso que nós estamos fazendo aqui agora. Nós precisamos da conversa. Você pode mandar mil WhatsApps, pode mandar e-mails, vídeos, pode se transformar numa inteligência artificial que vai surgir, mas nada vai se comparar ao que nós estamos vivendo aqui e agora, que é poder olhar dentro do seu olho, sentir o que você sente, sabe? O calor, o hálito, o cheiro, o silêncio, a respiração de alguém que está lá no teatro e faz “nossa!”. Isso não tem como a inteligência artificial substituir. Porque é muito genuíno. É muito humano na essência da criação. Na forma como aprendemos, fomos forjados por Deus, que soprou em nós. E se não há o sopro nesse barro, nessa pele, esse toque, essa coisa, a gente não é humano mais. Se isso acontecer, então a gente vai embora numa nave e deixa os humanoides aqui, as máquinas trabalhando, porque terá acabado para nós.

Como atriz, você se sente mais preparada para voltar depois dessa pausa?

Eu estou com medo de voltar. Mas é um medo respeitoso, sabe? Como quando você vai pegar em algo muito frágil e tem que ter cuidado pra não quebrar, pra não romper. E eu quero muito voltar pra ele com todo o meu amor. Com toda a minha saudade, a minha vontade de senti-lo, de ser abraçada, cheirada por ele. Então é muito mais uma sensação de frio na barriga, voltando pra mim inteiramente. Mesmo tendo escrito espetáculos para outras pessoas, tendo dirigido cinema como documentarista, tendo ido fazer mais cinema nesse processo fora do teatro… nada se compara à relação com a cortina. Ela abre e você se abre também. Eu acho que tem muito isso. É como se você se abrisse para as outras pessoas, para o mundo. É realmente essa sensação física que eu sinto, como se uma coisa se abrisse, como se uma luz saísse do peito, da boca, dos olhos, assim, de todos os lugares, das pontas dos dedos. Como se tudo fosse uma grande faixa de luz, indo e, consequentemente, voltando. Eu sempre fui muito feliz com o público que me viu até agora. Eles sempre foram muito generosos comigo, muito amorosos.

O que esses 30 anos de carreira te ensinaram sobre recomeçar e, talvez, fracassar? Ou você não enxerga “fracasso” assim? Você já fracassou?

Eu não sei, realmente, se a palavra é fracasso. Eu me acho muito bem-sucedida. De verdade. Porque todas as minhas escolhas e a forma como eu as conduzi sempre foram dentro de um propósito e de uma verdade muito respeitosa com tudo que eu fiz. Do público que tinha seis pessoas ao público de 60 mil, entende? Nunca houve dúvida nesse sentido pra mim. No primeiro dia em que eu pisei no palco, eu entendi imediatamente o que eu tinha que fazer. Foi tudo muito profundo. Eu sou conhecida como a atriz que leva o figurino pra lavar, que traz passado, entendeu? Eu sou muito disciplinada. Então comecei já com esse pensamento: se é isso que eu vou fazer, vai ser feito neste modelo. Não importa o que seja. Pode ser a coisa mais simples do mundo ou algo mais rebuscado, mas tudo feito com toda dignidade. Então eu acho que fracassar, eu nunca fracassei. Não acho que fracassei em nenhuma das minhas escolhas. Acho que fui desafiada em alguns momentos.

Quais, por exemplo?

Quando fui pra São Paulo, sendo o primeiro espetáculo da história do teatro alagoano a fazer uma temporada no Sudeste, eu fui desafiada lá. Porque eu cheguei a um lugar em que tinha que concorrer com 130, 140 espetáculos, muitos de graça. Saindo de um lugar lotado, pra apresentações canceladas porque não tinha ninguém na plateia. Aí eu falei: “Qual é o meu propósito aqui? O que é que eu quero provar? Pra mim, pra minha cidade?” Porque aqui é o lugar onde eu aprendi a ser a atriz que sou. É o lugar onde descanso as minhas malas, é aqui que estão as minhas referências principais. E eu olhava para aquele teatro vazio, pronta. E falava: “Arnaldo, ok, vamos desmontar e vamos dançar”. Aí eu pegava o Arnaldo e a gente ia dançar. A gente se enfiava numa festa, numa balada, ia dançar. E eu entendi que o meu propósito ali, quando a gente engrenou e o público veio, era dizer que no Nordeste tem muita coisa boa. Talvez muito melhor do que o que se vê lá. Que não há nada que deixe a desejar. Eu estava ali pra provar isso. Me sinto vitoriosa pra dizer pra minha gente: “É evidente que é possível. É claro que a gente pode. Eu fui lá. E foi difícil. Mas eu fiz”.

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Você falou há pouco que vive o presente. Como você enxerga esse presente, o nosso tempo?

Com esperança. Sempre. Sempre. Se eu não tivesse esperança, eu não teria construído um teatro. Eu acredito muito nas pessoas. Acredito muito no brasileiro. Somos um povo poderosíssimo. Todo povo tem a sua nódoa. Todo povo tem a sua nata talhada. Mas, no fundo, na essência daquele líquido, há realmente uma seiva poderosa. Nós temos a Amazônia. Nós temos o Rio São Francisco. Então eu acredito no tempo, principalmente no tempo do Brasil. Eu acho que o mundo vem passando por uma transformação muito difícil, que nos dá a impressão de que estamos dando passos para trás. Mas eu acho que toda revelação é bem-vinda e pode nos colocar em alerta. Nós ficamos achando que as coisas são simples, são fáceis. É importante lembrar que não são.

E como vê a passagem do tempo?

Eu sei que, agora, eu tenho um prazer enorme em estar aqui. Acho que estou na melhor fase da minha vida — em relação à minha cabeça, à minha vida como mulher, ao meu corpo, respeitando todas as mudanças que aconteceram nele, sabe? Respeitando muito isso. E me deixando ser mulher, me deixando ser mais sexy, me deixando ser eu mesma, me deixando ser mais envolvente. E querendo ser interessante.

Pensa no fim?

Penso. Penso com muita tranquilidade. Muita tranquilidade. Eu sou uma pessoa que acredita muito no fantástico, muito na natureza. Então eu peço ao universo apenas que eu não dê trabalho. Eu não quero que amor e afeto virem uma moeda de troca. Digo em relação à minha filha. Quando o tempo chegar, eu não quero que ela pense que precisa “pagar” nada pra mim. Isso não é um negócio. É só amor mesmo. Então não quero dar trabalho.

E o que você quer ou espera para a próxima década de carreira?

Que a gente continue alimentando todos os nossos sonhos, inclusive os meus. Que eu tenha minha saúde, que eu ame profundamente novamente, que a minha filha tenha muitos momentos felizes na vida dela. Que ela também tenha saúde. E que a gente celebre tudo que é possível e imaginário na arte que produzimos no estado de Alagoas, principalmente.

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Minha última pergunta: se o Theatro Homerinho pudesse guardar uma única frase sua, gravada ali na fachada, que frase seria?

“Tudo aqui já foi um sonho”. É. Cada parte disso aqui foi um sonho. Cada coisa que tem aqui foi pensada, sonhada: como seria, como não seria, a cor, não sei o quê, como é que vai ser… Tem que sonhar, porque, se a gente não sonhar, a gente não realiza. Então, sonhem muito. Realizem tudo que tiverem vontade. Mesmo que você pense assim: “Ai, meu Deus, será?”. A gente nunca vai saber. Nunca. Só se fizer, se tentar. São seis anos de toda a minha energia aqui dentro, com pessoas incríveis. Mas eu entro aqui e me sinto feliz. Eu tava em casa dizendo: “Meu Deus, que saudade do Homerinho, que saudade dele”. E eu falei “dele”. Aí a Cora já tirou onda: “Dele quem, hein?”. E eu: “Não, minha filha, não é esse ‘quem’. Não é esse ‘quem’, não. É dele, deste teatro, do nosso Homerinho”. Eu entro e saúdo ele: “Meu querido, meu amor…”. Quando eu fecho, eu digo: “Até amanhã, meu amor”.

FESTA NA RUA

A celebração dos 30 anos de carreira de Ivana Iza será nas ruas, mais precisamente na Rua Sá e Albuquerque, Jaraguá, onde fica o Theatro Homerinho, no dia 21 de novembro, a partir das 19h. Ela explica que não poderia ser uma festa reservada. “São 30 anos com as pessoas”, diz. Por isso, haverá bolo de metro, homenagens em um telão, depoimentos de amigos, o Rock Maracatu na rua e discotecagem com a DJ Fernanda Fassanaro. “Bolo você reparte. Você não come sozinho. Eu tenho 30 anos de doação. Eu não faço teatro para mim, faço pras pessoas”. A palavra “pessoas”, repetida como eixo de crença, aparece sempre. É para elas que ela escreve, dirige, abre portas e acende luzes.

Ivana conta desses preparativos gesticulando, quase se levantando da cadeira. “Eu não sou celebridade”, diz. “Sou atriz. Sou operária”, repete. Para a festa, dá até instrução de figurino: “Venham brilhantes. Lantejoula, paetês. A vida merece brilho”.

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