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HISTÓRIA E LITERATURA

Mocambo de Osenga: livro revela o reduto palmarino esquecido em Chã Preta

Estudo identifica aldeamento bantu como núcleo estruturado de resistência ligado ao Quilombo dos Palmares

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Pesquisador Olegário Venceslau indica área onde documentos situam o Mocambo de Osenga; após estudo, povos foram declarados Patrimônio Histórico Material e Imaterial de Chã Preta
Pesquisador Olegário Venceslau indica área onde documentos situam o Mocambo de Osenga; após estudo, povos foram declarados Patrimônio Histórico Material e Imaterial de Chã Preta | Foto: Divulgação

Pouco documentado e quase ausente da historiografia tradicional, o Mocambo de Osenga surgiu no século 17 como um dos redutos ligados à rede de resistência negra que se estendia entre a Serra da Barriga e as matas da atual Zona da Mata de Alagoas. Localizado onde hoje está o município de Chã Preta, o aldeamento foi formado majoritariamente por africanos de etnia bantu, de Angola, e se manteve ativo por décadas, mesmo diante de sucessivas tentativas de invasão. Quem conta essa história é o pesquisador e escritor Olegário Venceslau, autor do livro Mocambo de Osenga: um reinado africano em Chã Preta no século XVII. Ele aponta como a existência desse território é comprovada em documentos coloniais.

Embora pouco conhecido pelo grande público, registros da época — como diários de militares europeus, cartas administrativas e mapas — confirmam sua existência e revelam alto grau de organização social, política e militar, semelhante e, em alguns aspectos, até mais estruturado que outros núcleos de refúgio de escravizados ligados a Palmares.

As referências mais antigas a Osenga aparecem em documentos do século XVII. Entre elas está o Diário de Viagens do capitão holandês Johan Blaer, escrito em 1645, que descreve as localidades percorridas por expedições rumo à então chamada Angola Janga. Os escritos citam um aldeamento fortificado situado entre os riachos Paraibinha e Jundiá, área correspondente ao atual município de Chã Preta.

Imagem ilustrativa da imagem Mocambo de Osenga: livro revela o reduto palmarino esquecido em Chã Preta
| Foto: Divulgação

Segundo o pesquisador Olegário Venceslau, que estudou a documentação original, “Blaer descreve pormenorizadamente o relevo, os rios, a flora e a distância até a Serra da Barriga. A partir dessas informações primárias, foi possível correlacionar a região do mocambo com as terras chã-pretenses”.

Outros documentos importantes para a comprovação do aldeamento são cartas dos governadores da Província de Pernambuco, que reforçam essa identificação. Elas relatam ataques a núcleos de resistência negra — incluindo Osenga — com descrições geográficas e rotas militares compatíveis com a região.

COMO ERA A ORGANIZAÇÃO DE OSENGA

Imagem ilustrativa da imagem Mocambo de Osenga: livro revela o reduto palmarino esquecido em Chã Preta
| Foto: Divulgação

Os registros indicam que o mocambo seguia padrões estruturais semelhantes aos de outros refúgios palmarinos, mas com peculiaridades próprias.

“Osenga não era um simples aglomerado de negros fugitivos”, explica Olegário Venceslau. “Havia papéis definidos: o chefe do aldeamento, o conselho militar formado pelos guerreiros mais experientes e o Tatá Nkise, líder espiritual conhecedor de ervas e rezas”.

A aldeia era protegida por uma paliçada de pau a pique com mais de cinco metros de altura, dificultando a entrada de tropas inimigas. Internamente, dezenas de casas de taipa cobertas com folhas de palmeira compunham a estrutura do mocambo. Um mirante também servia de ponto de vigília, enquanto as matas densas do entorno funcionavam como barreiras naturais.

No plano espiritual, os habitantes de Osenga mesclavam práticas católicas com elementos da religiosidade bantu.
“A ritualística nativa tinha grande força. Os mocambeiros cultuavam os Nkisis, divindades congo-angolanas, sincretizadas com santos católicos”, afirma o pesquisador.

O escritor Olegário Venceslau, de Chã Preta, no interior de Alagoas
O escritor Olegário Venceslau, de Chã Preta, no interior de Alagoas | Foto: Divulgação

Com décadas de existência, o mocambo enfrentou pelo menos três grandes investidas militares. A primeira ocorreu em 1645, durante expedições holandesas lideradas por Johan Blaer, que percorreram a Zona da Mata com o objetivo de desmontar pequenos mocambos e avançar sobre Palmares.

PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Com a pesquisa confirmada, a Câmara de Vereadores de Chã Preta aprovou por unanimidade, em 22 de outubro deste ano, o Projeto de Lei nº 08/2025, que declara os antigos mocambos de Osenga, Velho Palmares e Andalaquituche como Patrimônio Histórico Material e Imaterial do município. A medida consolida, no âmbito legal, que esses núcleos de resistência compõem uma das ramificações mais antigas do sistema do Quilombo dos Palmares.

*Estagiário sob supervisão da editoria de Cultura

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