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Mapa inédito indica locais dos primeiros quilombos nos Palmares

Documento que aponta localização de três pontos de resistência foi descoberto numa biblioteca de Harvard

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Com base no mapa, pesquisadores farão escavações que podem revelar detalhes da vida de negros livres no período colonial
Com base no mapa, pesquisadores farão escavações que podem revelar detalhes da vida de negros livres no período colonial | Foto: Reprodução

Um mapa guardado bem longe do Brasil, mais precisamente no acervo de uma biblioteca da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos , pode ser a peça fundamental para revelar aos brasileiros detalhes de uma história negada ao próprio país: a da vida em liberdade de negros durante o período colonial.

O documento em questão é a versão original manuscrita do Brasilia Qua Parte Paret Belgis (A parte do Brasil que pertence aos Neerlandeses), do matemático e naturalista George Marggraf. Composto de nove mapas das Capitanias e Câmaras do Brasil Neerlandês, o período histórico da invasão e ocupação holandesa no Nordeste brasileiro , de 1630 a 1654, o mapa foi localizado pelo cartógrafo histórico Levy Pereira.

Agora, esse documento serve de base para um grupo de pesquisadores, que inclui arqueólogos, geógrafos, historiadores e antropólogos da Universidade Federal de Alagoas (Ufal - Campus Sertão) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que tenta encontrar vestígios do que seriam os quilombos mais antigos fundados na região do Quilombo dos Palmares, entre os estados de Pernambuco e Alagoas.

Imagem ilustrativa da imagem Mapa inédito indica locais dos primeiros quilombos nos Palmares
| Foto: Reprodução

Financiados pela Fundação Cultural Palmares (FCP), responsável pelo Parque Memorial Quilombo dos Palmares , e com autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o grupo realizará escavações arqueológicas em Pernambuco e Alagoas em janeiro de 2026. Essa pesquisa pode revelar detalhes inéditos e materiais históricos de como era a vida em liberdade dentro da mais famosa, duradoura e organizada comunidade quilombola que existiu no Brasil colonial.

O QUE O MAPA PERMITIU ACHAR

Fundado no final de 1590 pela princesa congolesa Aqualtune e instalado na Serra da Barriga, no município de União dos Palmares, em Alagoas, o Quilombo dos Palmares foi um Estado autônomo que resistiu por quase cem anos aos ataques holandeses, luso-brasileiros e de bandeirantes paulistas. É um símbolo de resistência à escravidão dos negros que se recusavam à submissão imposta pelo sistema colonial.

Documentos históricos já mostravam, entretanto, que o local descrito na Serra da Barriga seria apenas o último dos quilombos da região, conhecida pela fertilidade e boas condições para caça de animais e coleta de vegetais. Dentre esses materiais já conhecidos, estavam os relatos do comandante Johan Blaer, líder de uma expedição contra quilombos em 1645, que descrevia pelo menos outros três quilombos em áreas próximas.

Imagem ilustrativa da imagem Mapa inédito indica locais dos primeiros quilombos nos Palmares
| Foto: Reprodução

Mas arqueólogos enfrentavam duas dificuldades ao analisar esses relatos e tentar chegar a essas localidades. Os relatos da época descrevem rios e montanhas com nomes em desuso, e distâncias em milhas aproximadas, o que impedia precisar a identificação das áreas.

“Aí entra a importância desse mapa descoberto. Os rios e algumas montanhas [que aparecem nele] também são citados no relato desse holandês”, explica o arqueólogo Onésimo Santos, um dos coordenadores da pesquisa.

O mapa achado em Harvard foi transposto sobre uma base cartográfica atual, o que permitiu cruzar informações com imagens de satélite de alta resolução e identificar elementos compatíveis com os três quilombos mencionados nos relatos de Blaer.

Os dois primeiros estariam situados nos atuais municípios de Correntes e Lagoa do Ouro, no Agreste de Pernambuco, e o terceiro seria na região de Chã Preta e União dos Palmares, em Alagoas. Segundo o documento do oficial holandês, o primeiro estaria abandonado; o segundo, parcialmente destruído e também abandonado; já o terceiro, ativo.

Relatos indicam que quilombos tinham sistema de defesa
Relatos indicam que quilombos tinham sistema de defesa | Foto: DIVERSOS

“A partir dessas informações cartográficas que nós obtivemos e com essas imagens de satélite atualizadas e precisas, nós visualizamos algumas geometrias do terreno, como retângulos que pareciam ser escavados e assinalamos nos mapas como áreas sensíveis”, conta Santos.

POR QUE O MAPA É INÉDITO

A cartografia do matemático e naturalista George Marggraf já era conhecida, mas os mapas publicados e distribuídos ao longo dos séculos eram reproduções do original, o que, segundo Santos, permitiu o acúmulo de erros de impressão. “À medida que a chapa de cobre [usada para reproduzi-lo] ia se apagando, alguém ia retocando e refazendo. Então, assim surgiram erros”, diz o pesquisador.

Segundo ele, o material que está em Harvard é o original, feito à mão, pelo próprio Marggraf. Apesar de ele estar catalogado na biblioteca, ninguém nunca tinha tido acesso, nem o próprio Levy Pereira, o maior pesquisador da área no Brasil. O mapa foi achado em 2021, mas só neste ano foi possível obter o financiamento para as escavações. Nesse intervalo de tempo, foi feito o trabalho de transposição para a cartografia atual.

E como o material foi parar em Harvard? Segundo Santos, durante o século 19, vários documentos do período holandês no Brasil foram vendidos e muitos foram parar em bibliotecas e arquivos no exterior.

“A nossa história foi fincada sempre nas bases do colonizador. Os povos afro-indígenas, intencionalmente, foram apagados ou foram retirados, ou foi minimizada a sua participação na nossa história”, lembra o arqueólogo do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas, o Neabi da UFAL, Flávio Moraes.

De acordo com ele, somente a partir das décadas de 1970 e 1980, a historiografia começou a mudar e dar importância à perspectiva negra e indígena, e alguns documentos passaram a receber, também, esse olhar. “Não é que nós encontramos um mapa que estava perdido, esse mapa existia, mas estava nos arquivos da biblioteca de Harvard”, complementa o arqueólogo.

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