OPINIÃO
Visualidade de Cajá dos Negros, a nova exposição de Ricardo Maia
Mostra com visitação gratuita destaca a força e o protagonismo da comunidade quilombola de Batalha


Das diversas histórias dos quilombos que nos habitam, cada uma traz um conjunto de signos e significados únicos, específicos, próprios e que só acontecem ali, nas condições e contextos que não cabem em nenhum outro lugar. Cada elemento que os retrata é cheio de informações que dialogam entre si em diversos formatos.
Cajá dos Negros é um desses tantos quilombos, repleto de sentidos em cada coisa, em cada povo, em cada história que o compõe. Ao olhar para cada pessoa, cada gesto, cada construção, cada ser, vê-se uma relação pautada em diversos tipos de vivências e histórias emaranhadas, possibilitando a quem observa enxergar inúmeras possibilidades de significados diante dos signos apresentados.
O primeiro desses signos é o seu povo, que traz um emblemático construto de histórias que envolvem uma relação complexa com a terra, o território, as crenças, os afetos, os poderes. Homens e mulheres que falam de si, dos seus mandatos sociais, políticos, econômicos, religiosos, ancestrais. Que, com seus olhares, discursos e emoções, traduzem sentimentos dos mais variados relacionados ao que lhes dá condição de existir.
O segundo desses signos é a sua ancestralidade, que conta das suas raízes, da sua história preta, dos seus símbolos sagrados, dos seus mitos, da sua mitologia, da sua religiosidade, da sua construção social — que se mistura, ao longo do tempo, com o que chega do entorno, das cidades, dos espaços urbanos.
O terceiro desses signos é o Cajá, a árvore-símbolo que abrigou o início, ancorou o povo, deu sentido de realidade, poder de existir, fruto, vitalidade, consistência, territorialidade. O Cajá se faz viga de sustento, suporte, resistência.

O quarto desses signos compõe as gerações que foram se construindo ao longo do tempo, formando resistências para não apagar suas histórias tecidas pelas alegrias, tristezas, lutas, choros, gestos e uniões entre cada descendente, misturando seus traços, mas mantendo sua preciosa construção identitária.
O quinto desses signos é a sua religiosidade, que busca manter viva a tradição de matriz africana, mas também a mistura do sincretismo com os componentes católicos e evangélicos trazidos pela colonização.
Cada fotografia disposta neste cenário capturou, ao olhar do fotógrafo por trás da lente, muito mais signos e significados, como quem busca descobrir as inúmeras conexões dessa teia de eventos que o quilombo vem contando ao longo do tempo.
Cada uma dessas fotografias registrou detalhes ínfimos, que ficarão guardados, eternizados, e que, mesmo aqui expostas, podem contar mais do que simples histórias de um povo: contarão relatos de existências, de encontros e conexões humanas.
Essa exposição possibilita às pessoas que pausarem seus olhos em cada fotografia absorver os significados compilados pelo fotógrafo e, pela lente de seus próprios olhos, apreender imagens carregadas de vibrantes histórias, que se tornarão importantes significantes.
Cajá dos Negros, retratada aqui em cada fotografia, nos abre um olhar para uma história que nos mostra que ser humano não tem nada de simples, nem de menos, nem de vazio, mas é de uma complexidade e de uma potencialidade estupenda, não cabendo em si de tantas possibilidades.
