Avan�os e retrocessos do novo C�digo Civil / Parte I
O desembargador Humberto Eustáquio Soares Martins, professor da Ufal e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Alagoas, destaca, nesta entrevista, que o novo Código Civil, apesar de tímidas alterações, já está desatualizado. Na sua op
Por | Edição do dia 01/09/2002 - Matéria atualizada em 01/09/2002 às 00h00
O desembargador Humberto Eustáquio Soares Martins, professor da Ufal e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Alagoas, destaca, nesta entrevista, que o novo Código Civil, apesar de tímidas alterações, já está desatualizado. Na sua opinião, o projeto, elaborado em 1975, está defasado e não contém nenhuma norma específica relacionada ao uso da Internet. Este Código Civil, segundo o desembargador, está mais próximo do Código de Defesa do Consumidor, obedecendo à tendência do fim da distinção jurídica entre os contratos comuns e os contratos de consumo. Outra grande modificação que ele aponta está relacionada ao Direito de Família, onde foi regulamentada a união estável. No entanto, questões relacionadas à engenharia genética foram tratadas apenas superficialmente no novo Código. *** De quando data o projeto de lei do novo Código Civil? À luz da verdade, o novo Diploma Substantivo Civil já nasceu velho e defasado. O Projeto 634-D é de 1975 e teve 332 emendas aprovadas, para se coadunar, com a nova Constituição Federal que consagrou os Direitos Sociais e a nova conjuntura histórico-cultural, em decorrência da transposição do Regime Militar para o Democrático. Quais os princípios que nortearam a elaboração do novo Código Civil? Três foram os princípios alicerceadores do novo Diploma: a eticidade pretendeu-se desprender do Formalismo Jurídico, inserindo de maneira mais incisiva os valores éticos, decorrendo desta nova tendência mundial, utilizar-se de normas genéricas ou cláusulas gerais, para dar mais mobilidade hermenêutica aos operadores do direito, coadunando-se com a atual sistemática jurídica; a socialidade o que se objetivou foi transcender o manifesto caráter individualista da lei em vigência, adequando o novo diapasão ao Estado Moderno, que eleva à função primordial, o bem comum da população; e a operabilidade que se consubstancia no estabelecimento de soluções normativas de modo a facilitar sua interpretação e aplicação. O que seriam estas normas genéricas? Seriam conceitos legais indeterminados, de conteúdo e extensão altamente vagos e genéricos, estando relacionadas à determinadas situações fáticas, em conflito, cabendo ao operador do direito realizar a subsunção do fato à norma, preenchendo os claros existentes, sem contudo criar solução, pois, esta já se encontra preestabelecida na norma. E as cláusulas gerais? São normas que orientam, sob forma de diretriz, destinada precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que dá liberdade para decidir, pois, os valores insertos nestas normas devem ser locupletados pelo magistrado, distinguindo-se das normas genéricas, apenas pelo fato de aquela já possuir solução preestabelecida, ao passo que esta solução é dada pelo próprio magistrado, concretizando-se os princípios gerais do direito. O que o senhor teria a discorrer sobre a omissão do novo Código quanto às relações jurídicas decorrentes do uso da Internet? A tecnologia e as informações, no mundo moderno, evoluem em uma velocidade voraz. As modernidades tecnológicas ficaram excluídas de previsão legal para sua regulamentação, principalmente para o aperfeiçoamento dos Contratos, devendo todos nós operadores do direito continuarmos a nos utilizar das regras gerais dos contratos e aplicá-las buscando fazer uma hermenêutica dessas normas, da maneira mais apta a adequá-las ao mundo hodierno. Sem dúvida, que carece a comunidade jurídica, de mandamentos legais mais específicos e atuais, hábeis a uma proficiente e objetiva regulamentação desses novos instrumentos, utilizados em prol da agilidade na celebração dos negócios jurídicos, que norteiam e comandam as relações sociais modernas. Ademais, entendo que os contratos, aperfeiçoados pelos meios relatados neste questionamento, por inexistir previsão legal expressa, devem ser considerados como entre ausentes, uma vez que, o Novo Código Civil, quase que reproduziu o Código anterior, seguindo o Sistema da Agnição, em sua subteoria da Expedição, que consiste no aperfeiçoamento do Contrato no momento em que a aceitação é expedida, o que de certo modo facilita a aplicação das normas gerais aos aperfeiçoamentos dos contratos nas modalidades descritas. Que modificações foram inovadoras no que concerne aos negócios jurídicos, principalmente nos princípios adotados? O que se observa, muito timidamente, nos dias atuais, é um crescimento do firme propósito de trazer as novas Codificações Civis ao contexto e à ideologia da terceira fase histórica do Estado Moderno (as três fases corresponderiam às do Estado absolutista, do Estado liberal e do Estado social), que seria a diretriz de socialidade. O Código de Defesa do Consumidor, no capítulo específico da proteção contratual, especialmente no art. 51 (cláusulas abusivas) menciona o princípio da boa fé e expressões enquadráveis no princípio da equivalência material, como eqüidade, equilíbrio contratual, justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. O novo Código Civil traz menção expressa à função social do contrato (art. 421) e, nesse ponto, foi mais incisivo que o CDC. Também fica consagrado, definitivamente e pela primeira vez na legislação civil brasileira, a boa fé objetiva, exigível tanto na conclusão quanto na execução do contrato (art. 422). Os princípios sociais adotados aproximam, muito mais do que se imaginava, os dois códigos. A tendência, portanto, é o desaparecimento progressivo da distinção dos regimes jurídicos dos contratos comuns e dos contratos de consumo, ao menos no que concerne a seus princípios e fundamentos básicos, o que demonstra que a nossa sociedade vive uma fase de mudanças, para a realização das finalidades da justiça social e para o trato adequado do fenômeno avassalador da massificação contratual e da parte contratante vulnerável, constituem eles ferramentas hermenêuticas indispensáveis e imprescindíveis à necessária transição, no entanto, ainda estamos bem distantes de uma proficiente prestação jurisdicional ao hipossuficiente, que é o consumidor. Então, de acordo com sua análise, este poderia ser o início do fim dos contratos? De maneira alguma, no Estado Moderno, repete-se, segue-se a diretriz da socialidade, o que sem dúvida delimita e abranda os princípios norteadores dos contratos, exsurgidos na época do liberalismo econômico do século XIX, não objetivando tirar-lhe sua força obrigacional, mas sim, adequando-o ao momento atual. O princípio da função social é a mais importante inovação do direito contratual comum brasileiro e, talvez, a de todo o novo Código Civil. Os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor devem ser interpretados no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais fraca no contrato, ainda que não configure contrato de adesão. Portanto, presente se encontra a autonomia da vontade nesta forma de negócio jurídico, mas de forma limitada pelas normas esculpidas no CDC, o que ao contrário do questionamento feito só vem a reforçar o Instituto em referência à nova conjuntura sócio-jurídica.