Gil: um sexagen�rio quebrando todas as regras
FÁTIMA ALMEIDA Gilberto Gil, baiano, 60 anos assumidíssimos, está longe de parecer com a maioria das pessoas de sua geração. Também pudera. Ele nunca pareceu, mesmo. E se não fosse assim, continuaria sendo Gilberto Passos Gil Moreira, formado em
Por | Edição do dia 15/09/2002 - Matéria atualizada em 15/09/2002 às 00h00
FÁTIMA ALMEIDA Gilberto Gil, baiano, 60 anos assumidíssimos, está longe de parecer com a maioria das pessoas de sua geração. Também pudera. Ele nunca pareceu, mesmo. E se não fosse assim, continuaria sendo Gilberto Passos Gil Moreira, formado em Administração de Empresas pela Universidade da Bahia, provavelmente com o currículo de um exemplar diretor de empresa, reunindo a papelada para dar entrada nos papéis da merecida aposentadoria e curtir, enfim, a quietude e a paz da idade. Mas o sexagenário Gilberto Gil continua uma exceção à regra. E quem assistiu à sua performance no palco, na última quarta-feira, em Maceió, sabe que ele continua quebrando regras; buscando o novo; vivo, com a energia de quem faz o que gosta e gosta do que faz, como as pessoas iluminadas, que fazem valer cada dia da vida. Foi assim que Gil viveu ao longo dos últimos 40 anos, e foi assim que o Brasil o conheceu e aprendeu a reverenciá-lo, pela irreverência que o tornou um dos ícones da Música Popular Brasileira, desde que teve sua primeira música gravada: Bem devagar, em 1962, ou, mais precisamente, desde 1963, quando se juntou a um grupo de novos baianos e soltou, através da voz e das letras de suas músicas, de atitudes e palavras, os ecos de uma liberdade ansiada, defendida e tolhida da juventude brasileira dos anos 60. Liberdade para pensar; liberdade para agir; liberdade para criar; liberdade para expressar... Liberdade parece ser, ainda, a principal palavra de ordem desse baiano tropicalista, que se tornou um dos principais agentes no processo de atualização, universalização e modernização da cultura no Brasil através da música. Sem preconceito E uma clara demonstração disso é a defesa que faz da sensual coreografia do axé music, massificada com grupos como É o Tchan. A dança das meninas é bonita, é sensual, mas não considero apelativa. Apelar para quê? Sensualidade e sexualidade devem ser encaradas com naturalidade. O problema está nas pessoas que se rebelam contra isso. Na realidade são castradas. Não convivem com a própria sexualidade, descarrega. Segundo ele, sua filha Isabela, hoje com 15 anos, aprendeu a dançar com o Tchan. E acho lindo ela dançar. Detesto esse preconceito. Os libertários, democratas, defensores da livre expressão não podem alimentar esse sentimento. A música nasce de uma mistura de desejo, alegria, prazer, sensualidade. Como condenar uma coisa dessa?, indaga o músico. Cultura Gil defende com fervor: nós vivemos num País tropical, nossa cultura é morena, vemos corpos desnudos em todo lugar e isso incentiva o reinado do corpo. Manifestações como o carnaval são irrecusáveis; é a vontade gregária, de consenso; é a necessidade de comunhão, de solidariedade, de pacifismo. Todo mundo é igual. Portanto, viva o Axé Music, viva o samba carioca, viva o boi de Parintins, viva a cultura brasileira!. Integrante da ala intelectualizada da cultura brasileira, Gil não considera que o Brasil esteja mais pobre nesse aspecto, apenas diferente. Na sua opinião a produção cultural brasileira, hoje, difere de 40 anos atrás porque as questões eram outras. A ditadura impunha um processo de supressão da liberdade; uma frente ampla se construía pela restauração da democracia. A música se aliou no combate ao totalitarismo, ao autoritarismo. E quando faz referência à cultura, Gil faz questão de destacar que não fala necessariamente da capacidade de acumular conhecimentos. Nesse aspecto, o da instrução; da escolaridade, ele acha que o Brasil está com um déficit muito grande. Quanto à cultura no sentido mais amplo, que inclui o carnaval e a diversificação admitida e absorvida ele considera que o Brasil esteja mais rico. Política Há uns dois anos, se alguém perguntasse a Gilberto Gil em quem votaria, ele não declarava o voto. Repensou essa posição. A sua opinião, agora, é de que a declaração de voto leva à reflexão, suscita o debate, a argumentação, a discussão sobre as plataformas e as posições políticas dos candidatos e isso é saudável à democracia. Tem que colocar na mesa, abrir o jogo, defende. De uma rápida inserção política cumpriu um mandato de vereador em Salvador ele diz que suas pretensões nessa área terminaram por aí. Foi uma experiência esclarecedora. Me fez ver que não é esse o meu caminho. Política é arte marcial pressupõe um adversário a ser combatido. É preciso ter talento. Eu não tenho, confessa. Admite, entretanto, que até se engajaria numa campanha política ideologicamente, dependendo da dramaticidade e do nível de compromisso do candidato com os princípios e as necessidades básicas da sua gente; ou profissionalmente, se estivesse precisando de um prato de comida. Ecologia Qual a melhor bandeira que já levantou? Gilberto Gil diz que não tem ilusões a esse respeito. Tudo pode ter sido uma boa bandeira. As bandeiras desbotam, rasgam com o próprio vento. São provisórias, passageiras, comenta ele, como se fizesse poesia. Mas pelo menos no momento, Gil tem uma bandeira fixada numa Organização Não Governamental a Onda Azul organizada e mantida por ele em defesa da ecologia. A ONG tem o tempo de vida da Rio 92 e sobrevive, segundo ele, a duras penas. Vivemos de doações, mas temos desenvolvido projetos interessantes. Já passamos da fase de levantamentos de problemas para sermos propositivos. Hoje administramos projetos de soluções para recuperar manguezais no Rio e na Bahia, temos um projeto de reciclagem de garrafas plásticas com meninos carentes de Vigário Geral e estamos atuando também no cânion do Rio São Francisco, junto com quatro governos. Segundo ele, a Onda Azul tem cerca de dez projetos em execução e cerca de 30 sendo propostos aos governantes. Na sua opinião as ONGs têm cumprido um papel de grande importância, transformando-se em um braço fundamental da sociedade em sua relação com os governos e no auxílio da evolução e distribuição das riquezas. Elas seguem uma linha auxiliar cumprindo um importante papel nas áreas social, educacional, de saúde e muitas outras.