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Nº 5822
Cidades

No tri�ngulo da mis�ria cresce a exclus�o social

ROBERTO VILANOVA São José da Tapera, Carneiros e Rui Palmeira - O triângulo da miséria fica a 270 quilômetros de Maceió; lá ainda se registram índices elevados de mortalidade infantil, causada pela fome crônica, e os adultos pobres, sem direito ao chamad

Por | Edição do dia 01/12/2002 - Matéria atualizada em 01/12/2002 às 00h00

ROBERTO VILANOVA São José da Tapera, Carneiros e Rui Palmeira - O triângulo da miséria fica a 270 quilômetros de Maceió; lá ainda se registram índices elevados de mortalidade infantil, causada pela fome crônica, e os adultos pobres, sem direito ao chamado caixão da caridade, são enterrados na rede. Sem programa de assistência social, a população pobre desses três municípios sobrevive da caridade ou do que a caatinga produz e o homem pode comer; por exemplo: o faxeiro, uma planta xerófita semelhante ao bambu, que eles comem o miolo como a mistura do feijão. Dona Lena Pereira, 55, alimenta os netos com o miolo do faxeiro; Maria José, 40, nove filhos, pede esmolas à margem da rodovia, quase se jogando sobre os veículos que trafegam em alta velocidade; ela estende a mão, implora com gestos, mostra a prole enfileirada ao seu lado, prostra-se no acostamento em cenas patéticas. E dona Quitéria, 39, sete filhos, despejada da casa onde morava na cidade de Carneiros, hoje habita o grupo escolar que virou escombro na beira da estrada vicinal para Rui Palmeira. “A gente não podia mais pagar o aluguel e o homem pediu a casa. Nós falamos com o prefeito e ele deixou a gente morar no grupo”, explicou. O trágico Enquanto a mãe vai à cidade mendigar, Sandra, a filha mais velha, de 15 anos, cuida dos irmãos e da panela que ferve no fogo de lenha, dentro, pouco feijão para muita água. Não tem arroz nem carne; a mistura de cada dia é uma dádiva da caridade da população. Ou vem pela pontaria de Igo, o filho de oito anos, que também precisa de sorte para encontrar um preá ou alguma rolinha de bobeira e acertá-los com o estilingue. Igo se sente herói quando volta com o bornal cheio e se frustra quando o dia não é do caçador, mas da caça. O menino se levanta cedo e ganha a caatinga. Em período de seca, como o atual, todos, homens, bichos e vegetais, lutam desesperadamente para sobreviver. As plantas da caatinga perdem a folhagem para economizar água, a passarada arriba e os preás se desentocam acossados pelas cobras e pelo homem. Quando lhe perguntam se não sente remorso matando passarinhos, Igo responde com outra pergunta: e a gente vai comer o quê? Para sua idade, parece resposta decorada, mas não é. É a necessidade mesmo. Por causa de Sandra, que está na escola, dona Quitéria recebe 15 reais do programa Bolsa-Escola. Mas o dinheiro que deveria servir para comprar o material didático é consumido com alimentação; Sandra não tem caderno, nem livros, nem caneta. Na quinta-feira, descoberta pela reportagem da GAZETA, ela estava indecisa se ia à aula ; suja pela fuligem do fogão à lenha, Sandra precisava ir buscar água para se banhar e podia deixar os irmãos sozinhos; teria de aguardar o retorno da mãe. O cômico No município de Carneiros o trágico e o cômico se encontraram na semana passada durante o enterro de dona Sebastiana, uma anciã de quase 90 anos, que faleceu de repente. A família conseguiu o caixão da caridade, doado pela prefeitura, mas no trajeto a pé para o cemitério o caixão não suportou o peso e a defunta desabou sobre o calçamento; foi preciso amarrá-la com corda ao caixão e toda a operação foi feita no meio da rua, sob os olhares dos curiosos. “Numa hora dessas dá vontade de a gente rir, mas a gente se contém. Mas não é para rir do morto, coitado, que nem um caixão decente teve direito para se enterrar. A gente rir é do caixão, que de tão frágil não suporta o peso de uma boneca”, disse Maurício, testemunha da cena e um dos integrantes do Clube de Jovens Católicos da cidade. Os que defendem o caixão alegam que as pessoas querem comodidade, daí não tomam as precauções necessárias, como, por exemplo, colocar o caixão sobre uma escada e conduzi-lo sobre o ombro, como se fosse um andor. “Tem gente que só quer moleza, pega o caixão, segura na alça e vai embora. Não é para fazer isso. É para colocar o caixão numa escada deitada e levá-lo sobre o ombro”, ensina Damião, outra testemunha, que defende a prefeitura. “Pior é não ter caixão”, completou. Com a seca que atinge o semi-árido, outro problema vem reforçar a lista de dificuldades para o sertanejo: a falta d’água. O abastecimento através de carros-pipa não dá para atender a toda a população e quem não pode pagar o frete particular é obrigado a ir buscar a água por conta própria nos barreiros que ainda resistem à evaporação intensa nesse período do ano. É o caso de dona Mocinha, que não gosta da água servida pelo carro-pipa, dizendo que é salobra. A água da barragem, mesmo barrenta, é da chuva, justifica. A miséria crônica coloca os municípios de São José da Tapera, Carneiros e Rui Palmeira entre os mais pobres do País, onde os índices de degradação social estão abaixo do limite mínimo. O desemprego, a falta de assistência por parte do poder público e a desesperança fazem desses alagoanos rebotalhos humanos. “A gente vive como Deus quer”, resigna-se dona Maria José, enquanto clama à compaixão dos motoristas apressados que não vêem, ou fingem não ver, seus apelos dramáticos à beira da rodovia: - Uma esmola pelo amor de Deus, filho de Deus; mais tem  Deus para lhe dar.

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