Cidades
Saga do petróleo em Alagoas vira filme

Única vez exibido ao público no dia 2 de maio último, durante o festival Cine PE, em Olinda, o filme Ouro Negro, da maranhense Isa Albuquerque, em breve será lançado nacionalmente nas salas de cinema. A história retrata o espinhoso episódio da descoberta do petróleo no Brasil. E este episódio tão importante quanto polêmico e pouco lembrado da economia do País, apesar das negativas oficiais, começa aqui, em Alagoas, mais precisamente em Riacho Doce, onde a palavra petróleo até hoje transporta os mais velhos aos anos da infância, povoada de estrangeiros a percorrer a região na ambição de encontrar o ouro brasileiro. Os poucos registros sobre o assunto apontam o alemão José Bach como o primeiro a descobrir o potencial de Riacho Doce. ### Trama começa em 1918 e refaz passos de descobridor Orçado em R$ 3 milhões, Ouro Negro a saga do petróleo brasileiro, de Isa Albuquerque, envolveu 250 pessoas diretamente e foi filmado em 48 locações no Rio de Janeiro. Ainda sem data para ser lançado comercialmente, o longa, como diz a diretora, tem todas as cenas bem fundamentadas em casos reais, atribuindo ao filme um caráter documental. Um triângulo amoroso, formado pelos personagens de Danton Mello e das atrizes Maria Ribeiro e Luisa Curvo, guia a trama, que começa em 1918, refazendo os últimos passos do alemão José Bach. ### Combustível do progresso gerou mortes Dois livros são considerados fundamentais para quem se interessa em estudar o pioneirismo alagoano no mapeamento de petróleo no Brasil. Um é de autoria de Monteiro Lobato, chama-se O escândalo do petróleo e do ferro, lançado em 1936; e o segundo, O drama da descoberta do petróleo brasileiro, do engenheiro alagoano Edson de Carvalho, escrito em 1957 e publicado no ano seguinte. Uma relíquia ainda à venda em sebos, que narra a trajetória de mortes e repressão em busca do combustível do progresso. Tem 416 páginas e, longe de ser um escrito técnico, mais parece um romance, com trechos narrados em primeira pessoa. ### CONFIRA TRECHOS DO LIVRO Perfurações [Após a morte de Bach] veio o serviço geológico [do governo] em socorro do petróleo alagoano. Estudou toda a zona, concluindo por julgar Alagoas ?sem condições favoráveis ao encontro de formações petrolíferas?. Contudo, o livro de perfuração do furo de n° 50, localizado à margem do Riacho Doce, ficou abandonado e contém anotações dos trabalhos de campo, desde 17 de novembro de 1924, quando a perfuração começou, até 22 de outubro de 1927. População O povo de nada sabia. Baseado em estudos que visavam única e exclusivamente a inutilizar as pesquisas do dr. José Bach, o governo estava empenhado apenas em mostrar aos brasileiros, e aos alagoanos, em particular, que aqui nada existia, e que o dr. José Bach não passava de um ?pobre velho bronco?. ### Casa em Riacho Doce é parte da história A casa onde morou Edson de Carvalho, o alagoano que, junto com Monteiro Lobato inaugurou em Riacho Doce a primeira companhia de petróleo do Brasil, em 1932, alheia ao tempo, tem cerradas suas portas na maior parte do tempo. Por trás dela, o sobrinho do entusiasta alagoano, Stanley Carvalho, 57, mora à sua sombra, em outra casa da família. Engenheiro como o tio, vive a contemplá-la durante as tardes, sentado na varanda, quando não está trabalhando para o governo estadual. Reclama da falta de interesse do Estado em preservar a história do petróleo no Brasil, que teve começo ali, no bairro. ### Descoberta em solo alagoano inspirou vários cineastas O pioneirismo do petróleo alagoano, muito antes de ganhar registro no filme inédito Ouro Negro, de Isa Albuquerque, já guiava a imaginação de outros cineastas. O primeiro filme alagoano, de Guilherme Rogato, Casamento é Negócio?, outra relíquia, lançada no cine Capitólio, em 1933, se passa numa Maceió que anseia os ares do progresso, com boatos e conversas tomando conta das famílias na época. No filme de Rogato, todo filmado na capital, dois homens disputam o amor de uma mulher. Um é pobre; o outro, rico. O primeiro, para ganhar o coração da pretendida, que avisa só se dobrar para aquele que puder lhe dar um carro, resolve investir nas ações das empresas de petróleo. ### Vendedora de cocada fala de ambição dos forasteiros A tarde seguia como de costume em Riacho Doce, na última quinta-feira, dia 8. A praça silenciosa, as boleiras negociando na calçada às margens da AL-101 Norte, as pessoas esperando o ônibus no ponto, ao lado de uma banca de peixe, enquanto o vai-e-vem de carros não parava na rodovia. Olhando bem, é difícil imaginar que há 70 anos, o local tinha voltado para ele os olhos ambiciosos dos Estados Unidos, a perseguição do governo brasileiro e a persistência de alagoanos como Edson de Carvalho, que acreditou um dia ver o povoado gozando de progresso. ### Exploração virou música folclórica Elizabeth Liz de Morais tem 86 anos mas vitalidade que muitos jovens gostariam de ter. Ela também guarda na memória os dias em que conviveu de perto com a excitação dos pioneiros em Riacho Doce, crentes na existência de petróleo no povoado. Eles perfuraram nesta rua aqui perto, chamada Américo Vasco. Há algum tempo atrás ainda dava para ver os ferros e as chapas, mas muita coisa foi soterrada para construir casas, informa dona Bete, entre um e outro aceno na varanda para quem passa na sua calçada, enfeitada de flores. Muito conhecida na região, ela é uma das moradoras mais antigas de Riacho Doce. ### Uma saga épica sobre a descoberta do petróleo Prestes a ver Ouro Negro, seu último filme, ser lançado nas salas de cinema de todo País, a jornalista, diretora, roteirista e produtora além de organizadora de festivais , a maranhense Isa Albuquerque, radicada no Rio de Janeiro, explicou como a história do petróleo brasileiro e a saga alagoana para proteger o seu pioneirismo virou alvo de seus projetos. Ela, por e-mail, falou ainda de como lida com a crítica ferrenha que atacou seu longa no festival Cine PE, na última semana. Confira a entrevista. /// Gazeta - Como surgiu o interesse pela história do petróleo? Isa Albuquerque - Quando cheguei ao Rio, em 1992, fiz um curso de roteiro na Fundação Progresso onde formei um grupo de estudos com Duba Elia, Diana Nogueira e Ana Lúcia Andrade. Por volta de 1994, Ana Lúcia Andrade contou a história do seu bisavô, o pioneiro alemão José Bach, um pesquisador de mineração que já tinha passado pela Argentina e Amazônia, e radicou-se em Alagoas, onde se casou, teve filhos e foi assassinado em 1918 por um barqueiro de aluguel. Após a sua morte, a pesquisa de petróleo em Alagoas parou por dez anos. A partir deste relato, começamos a desenvolver pesquisas sobre a origem da descoberta do petróleo no Brasil. Nos apaixonamos pelo tema, que a princípio parecia bastante árido. Não tínhamos idéia de que se tratava de uma página histórica tão cheia de aventuras e personagens fascinantes. ///