Cidades
Sherlocks Holmes de AL ajudam a desvendar crimes

FÁBIA ASSUMPÇÃO Repórter Eles se tornaram heróis nas séries policiais da televisão americana, que enchem a programação das telinhas dos brasileiros com as chamadas famílias C.S.I (Investigações na Cena do Crime). Na vida real, apesar de não terem o mesmo glamour que os seus colegas da televisão, eles são hoje considerados peças essenciais para obtenção de indícios materiais deixados na cena de um crime, que podem apontar a autoria e o modo como foi praticado. Estamos falando dos peritos criminais, que podem ser considerados os verdadeiros Sherlocks Holmes da atualidade. CRIME PERFEITO São eles que comprovam a máxima de que não existe crime perfeito. A chamada prova técnica está se tornando cada vez mais uma peça imprescindível nos inquéritos policiais. Em Alagoas, apesar das limitações do Instituto de Criminalística (IC), seja de pessoal ou de estrutura de laboratórios, o nível do trabalho pericial dos nossos Sherlocks é tão bom ou até melhor que em outros estados. Pelo menos é o que garantem os peritos criminais, Nicholas Soares Passos e André Peixoto. Eles ingressaram na carreira há três anos, depois de aprovação no concurso realizado para a Polícia Civil em 2002. Para entrar na carreira, hoje é exigido apenas que o candidato tenha nível superior em qualquer especialidade. Aprovados, eles passam por um curso de capacitação, com carga horária de 360 horas, composto por disciplinas como noções de criminalísticas, mortes violentas, acidentes de trânsito, entre outras. Nicholas, por exemplo, é psicólogo; André Peixoto, advogado. Ambos, no entanto, em pouco tempo de trabalho, já foram responsáveis por laudos de casos polêmicos, como a morte do cantor Cara Véia, que se suicidou em 2004, e o acidente com um ônibus de turismo, em Porto Calvo, que matou 12 pessoas. Nicholas e André reconhecem que o nível de sofisticação do trabalho dos peritos criminais em Alagoas pode não ser igual ao dos seriados americanos, mas a qualificação técnica deles é tão boa ou até melhor de que em outras partes do País. CRIMINALÍSTICA Nicholas Soares, que antes de ser perito também atuou como agente de polícia, diz que muita gente ainda hoje desconhece as diferenças entre o papel da criminalística e da Medicina Legal. A criminalística é definida como a disciplina que tem por objetivo o reconhecimento e interpretação de indícios materiais extrínsecos relativos ao crime ou à identidade do crime. Já os exames de vestígios intrínsecos (na pessoa) são da alçada da Medicina Legal. À Medicina Legal cabe o exame cadavérico, qual a causa da morte, o instrumento utilizado e se foi produzido por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura, ou outros meios. Já a criminalística é responsável pelos casos de morte violenta, estabelecendo, a partir de exames de vestígios materiais exteriores, o meio e modos que resultaram na morte e a determinação da autoria. ### Trabalho tem alto nível de sofisticação Um simples fio de cabelo pode ser a chave para desvendar quem praticou um crime. Segundo Nicholas Soares, até bem pouco tempo algumas evidências no local seriam descartadas, a exemplo de digitais manchadas. Agora, por meio dos exames de DNA, é possível identificar de quem são essas digitais, por meio de resíduos biológicos deixados no local. A autoria do crime pode ser identificada por meio de vestígios produzidos durante a ocorrência do delito, colhidos pelo perito no local da ocorrência. Nesses locais podem ser encontrados projéteis de armas de fogo que, confrontados com a arma do suspeito, permitem indicar se foi a mesma usada no delito; fragmentos de impressão digital no local e no instrumento do crime; sangue, esperma, saliva, cabelos, em determinadas circunstâncias podem indicar a quem pertencem, bem como outras inúmeras possibilidades de autoria. Sofisticação É cada vez maior o nível de sofisticação atingido pelos laboratórios que auxiliam o trabalho da perícia criminal. Eles permitem determinar a composição e a origem de cabelos, tecidos, suor, grãos, semente e até pólen de plantas, evidências úteis para descobrir os lugares por onde a vítima passou. Mesmo que o criminoso tenha incendiado as evidências, uma técnica chamada cromatografia gasosa pode determinar as substâncias usadas para acender o fogo responsável pela queima de arquivo. Muitas das ferramentas de laboratório estão se tornando portáveis, o que possibilita a análise dos materiais no próprio local do crime. Alguns procedimentos, importantes para a ciência forense, não têm qualquer relação com a alta tecnologia. São fruto de estudos e simulações de diversas situações que podem ser encontradas no local do crime. Uma das técnicas usadas com grande freqüência é a análise de marcas de sangue. Pelas manchas encontradas na cena do crime, um especialista pode dizer o local e a posição da vítima e até a arma com a qual ela foi atacada. Além dos crimes que envolvem sangue e cadáveres, existe um número cada vez maior de crimes digitais, cometidos apenas com o uso de computadores. Especialistas em computação têm criado formas de investigar os dados das máquinas sem alterar o conteúdo de sua memória. Os computadores também são utilizados para recriar no tribunal a situação dos ambientes. CASOS POLÊMICOS Apesar de estar há apenas três anos na carreira de perito criminal, André Peixoto já foi responsável pelo laudo de casos polêmicos e que tiveram grande repercussão pela imprensa. Segundo André, a cada caso se adquire mais experiência e perspicácia para atentar para todos os detalhes. Ele cita o caso da morte do cantor de forró Cara Véia, em um apartamento do Santo Eduardo, no ano passado. Juntamente com Nicholas, André foi responsável pela perícia do caso, atestando que o cantor se suicidou. No local, foi observado que dois estojos haviam sido deflagrados da arma usada pelo cantor para se matar. Um dos tiros transpassou a cabeça e a bala se alojou na parede, mas não conseguiu encontrar a perfuração do segundo tiro. O mistério só foi desvendado numa visita no outro dia. Após a lavagem da marca do sangue foi identificado o vestígio da segunda bala no chão. Como estava encoberto pelo sangue, não havia percebido na primeira ida ao apartamento. Outro caso difícil que chegou às mãos de André foi o acidente ocorrido em maio deste ano, em Porto Calvo, onde o capotamento de um ônibus da empresa CVC resultou na morte de 12 pessoas e deixou mais de 30 feridas. André disse que o laudo está em fase de conclusão. Mas o trabalho foi dificultado por causa da descaracterização do local do acidente até a chegada da perícia. Um dos elementos de análise pela perícia nesse caso é o tacógrafo do ônibus, que poderia determinar a velocidade que o veículo era conduzido na hora do acidente. Só que o disco do tacógrafo já havia sido recolhido por policiais militares da região. FAS ### Falta de perito atrasa laudos em Alagoas O quadro de pessoal do Instituto de Criminalística (IC), órgão vinculado ao Centro de Perícias Forenses (CPFOR), é formado por 50 peritos criminais. Por mês são feitas cerca de 250 a 300 perícias. Por causa dessa grande demanda e do reduzido quadro de peritos, nem sempre os laudos periciais estão prontos no prazo legal, que é de 10 dias. A demanda por perícias tem aumentado nesses últimos anos em mais de 20%, atesta o perito criminal Nicholas Soares Passos. Segundo ele, isso é fruto da valorização cada vez maior da prova pericial para compor os inquéritos policiais. Principalmente, os novos delegados exigem cada vez mais provas técnicas para evitarem subjetividades nos inquéritos, acrescenta Nicholas. Atualmente, são apenas quatro peritos que fazem as chamadas perícias externas. Em cada local de perícia é preciso ter pelo menos dois peritos criminais, explica Nicholas. Eles contam com o apoio de auxiliares, como fotógrafos técnicos periciais, desenhistas técnicos periciais e papiloscopistas policiais. De acordo com um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Criminalística, em abril de 2003, o efetivo existente hoje de peritos em Alagoas cobria apenas 7% em relação a sua população de mais de 2,8 milhões de habitantes. Alagoas precisa ter pelo menos 564 peritos criminais. Mas, a falta de peritos é um problema que afeta todos os estados do País. O Estado que tem o maior número de peritos em relação à população é Tocantins. Mesmo assim, cobre pouco mais de 50% de suas necessidades. O perito André Peixoto disse que a grande demanda por perícia é um dos motivos que provocam o atraso na conclusão de alguns laudos. A gente está trabalhando para fazer um laudo, quando já surge outro trabalho para ser realizado. Ele explicou que o tempo para concluir o laudo de uma perícia varia. Às vezes, um caso pouco divulgado tem mais alta complexidade do que um que teve grande repercussão. Nicholas e André enfatizam que a descaracterização do local é um dos problemas mais comuns enfrentados pela perícia. Isso acontece por desconhecimento da população, que curiosa invade a área onde houve o crime ou acidente, e até mesmo das autoridades policiais que não isolam a área adequadamente. FAS ### Material é comprado pelos peritos A falta de estrutura do Instituto de Criminalística não se resume ao número reduzido de peritos. Muitos exames de fundamental importância para a perícia têm que ser realizados em outros estados ou fora da instituição, por que não há laboratórios. Segundo Nicholas Soares, alguns exames como de balística são feitos no próprio Estado, além do de DNA que tem o apoio do laboratório de Genética da Universidade Federal de Alagoas. Mas há ainda carências em muitas outras áreas. Recentemente, por iniciativa do próprio Nicholas, os peritos participaram de um curso com uma perita de Santa Catarina sobre o uso do luminol, uma substância fosforescente que possibilita visualizar manchas de sangue, mesmo depois que a área foi limpa. Segundo Nicholas, essa substância não está disponível no Instituto de Criminalística de Alagoas. Mesmo assim, com todas as deficiências do instituto, os peritos são conscientes de que precisam investir, às vezes do próprio bolso, para oferecer um trabalho de qualidade. Do próprio bolso Muitos materiais usados pelos peritos são comprados por eles mesmos. André Peixoto, por exemplo, investiu na compra de um notebook, onde guarda o registro de todas as suas perícias e fotos digitalizadas. Na maleta que André usa nos locais de perícia, a maior parte do material foi comprada por ele, como luvas, chaves-de-fenda e máquina fotográfica. Até os saquinhos usados para coleta de vestígios (como projéteis de bala) são comprados pelos peritos, porque não há no instituto. Para se atualizar, alguns peritos chegam a comprar, com dinheiro do próprio bolso, livros importados cotados a dólar. Nicholas reforça a preocupação de André com a qualidade do trabalho da perícia. Temos uma responsabilidade muito grande na elaboração de um laudo, que serve para qualificar o crime, que pode levar ao estabelecimento da pena para o condenado, observa Nicholas. Se errarmos, podemos prejudicar um indivíduo que é inocente. A pior coisa é condenar um inocente. |FAS