Cidades
Expedição desbrava o Velho Chico

NIVIANE RODRIGUES Repórter Em 1852, a mando do imperador dom Pedro II, o engenheiro civil Henrique Guilherme Fernando Halfed comandou uma expedição pelas águas do Rio São Francisco em Alagoas. O alemão tinha como objetivo saber se o rio era navegável. A aventura virou tema de um atlas, publicado em 1860, onde ele dá detalhes das cidades às margens do rio, o comércio e costumes, além de descrever a paisagem. Cento e cinqüenta e três anos depois, um grupo formado por 11 pessoas e comandado pelo historiador, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), escritor e teatrólogo Sávio Almeida, fez uma rota pelo Baixo São São Francisco para identificar o que mudou daquela época até hoje nos locais onde havia povoação, o cotidiano das comunidades e as influências provocadas pela intervenção do homem no rio. Ponto polêmico, a transposição das águas do Velho Chico é um dos temas de estudo do inusitado grupo composto por intelectuais, poeta, documentaristas, oceanógrafo, geógrafo, meteorologista, um estudante de Jornalismo e outro de Biologia. Batizada de Opará ou Racha, a expedição durou quatro dias. Opará é o nome dado ao rio pelos índios. ### Documentário retrata vida do ribeirinho De barco, os expedicionários percorreram da foz, no município de Piaçabuçu, a São Brás, no Sertão, na região chamada de Baixo São Francisco. O grupo também esteve em Penedo, onde no ponto alto conhecido como Rocheira foi construído o primeiro parque industrial de Alagoas, e em Porto Real do Colégio, onde visitou os índios da tribo kariri-xocó. As conclusões vão virar tema de um documentário cinematográfico, exposições fotográficas e de uma pesquisa. Parte do acervo fotográfico, composto de mil fotos, será doado à Casa de Cultura de Penedo. Os estudos sobre a salinidade e poluição da água do rio serão utilizados pelo Laboratório de Ciências do Mar da Ufal e os resultados do monitoramento da trilha via satélite, com um aparelho chamado GPS, servirão para dar a exata latitude e longitude dos pontos por onde a expedição passou. As exposições fotográficas serão montadas nas comunidades visitadas e terão como temas centrais o porto, em Piaçabuçu, o cotidiano dos moradores, os barcos como principal meio de trabalho, os monumentos históricos, urbanismo e a expedição. Para a pesquisa foram eleitos três temas: mulheres que tratam o peixe pilombeta; medicina popular e as lavadeiras de roupa. Depois de muita discussão, chegamos à conclusão de que a partir desses três temas será possível traçar o perfil do Baixo São Francisco, diz o historiador Sávio Almeida. Todos são detalhes expressivos. Lavadeira de roupa é profissão comum na região; pilombeta tem a mesma importância econômica para o ribeirinho que a mandioca para o sertanejo e define bem as relações mulher x capital e medicina popular servirá para compararmos com os métodos utilizados quando a expedição passou por lá. NR ### Poemas vão ajudar a contar história do Velho Chico A aventura de percorrer o São Francisco durante quatro dias inspirou o poeta Sidney Wanderley, que vai emprestar seus poemas para compor o documentário dos irmãos Werner e Weber Salles. Alguns já estão prontos e sairão do livro Entropia, a exemplo do texto ao lado. Outros, ele vai criar, casando imagens à poesia. Para o poeta, a visão de que o rio está morrendo não existe. Ao contrário, o São Francisco tem um vigor impressionante. Nosso olhar é poético, não científico. Sem banalizar o processo de transformação, mostramos o fato simples, que ocorre todos os dias para que as pessoas possam ver no desigual o igual, relata. Salinidade da água A expedição também teve caráter científico. Várias medições foram feitas para estudar a salinidade e a carga de poluentes na água. O trabalho foi realizado pelo oceanógrafo do Labmar da Ufal e doutor em geoquímica, Paulo Petter e pelo geógrafo, especialista em análise ambiental, mestrando em geociências, Rivaldo Couto dos Santos. |NR ### Aventura alia poesia, cultura e ciência Os documentaristas Werner e Weber Salles vão mostrar o cotidiano das comunidades, a expedição e o que os ribeirinhos pensam sobre o rio e o projeto de transposição. Poesias do escritor Sidney Wanderley darão voz ao filme. Uma vez por ano percorro a região de Alagoas banhada pelo São Francisco, onde passo pelo menos quatro dias conversando com o povo. Dessas viagens costumo elaborar relatórios, que nunca foram publicados, revela. Desta vez a viagem teve outro significado por conseguir aliar arte, ciência e o social; um diálogo sistemático que falta para integrar as diferentes áreas nesse processo de recuperação do rio, diz Sávio Almeida, que já planeja montar base, uma casa de taipa como faz questão de definir, no povoado Potengi, em Piaçabuçu, para levar adiante a pesquisa. CRítica à Transposição Nos encontros com os ribeirinhos a maior preocupação registrada pelo grupo foi o processo de transposição do Velho Chico. Eles não têm conhecimento sobre a transposição, diz Sávio Almeida. Para o historiador, a idéia de que o São Francisco fomentou a unidade nacional acabou virando uma disritmia poética que acabou. O rio sempre foi vítima da empáfia do Estado brasileiro e só se reverte sua situação revertendo-se a própria situação de vida da sociedade brasileira. Isso só será possível no dia em que o País encontrar o caminho do desenvolvimento social. NR ### Historiador faz críticas ao projeto de transposição Mas, longe do pessimismo, o historiador Sávio Almeida acredita que não dá para pensar Alagoas sem antes pensar no São Francisco. Sua morte traria uma mudança total de sentido para o Brasil. Passaríamos a ter um outro país e um outro Nordeste. Sávio Almeida não reconhece na transposição um projeto eficaz para as populações ribeirinhas. Quando o Estado brasileiro merece confiança?, indaga o historiador, referindo-se à idéia passada pelo governo de que a água é pública. Começo da aventura Com espírito aventureiro e muita disposição para identificar o que faz o São Francisco agonizar, o grupo alugou um barco, chamado Agradeço a Deus, e partiu para a aventura. A bordo, um computador para interligar as informações, um GPS, câmeras fotográficas e filmadoras, gravador, caneta, papel, além de roupas, alimentos, água e remédios. Durante dois dias o grupo dormiu no próprio barco. Nos outros dois dias, os expedicionários ficaram alojados nas cidades por onde passaram. Cada um dos integrantes pagou do próprio bolso algo em torno de R$ 250 pela viagem. O grupo pretende agora retornar com a expedição, desta vez por terra, numa trilha que sairá do município de Piranhas até Penedo. Vamos observar a contrapartida do Sertão para o São Francisco, diz Sávio Almeida, entusiasmado. Desafio Entender a relação da população ribeirinha com o Rio São Francisco é um desafio para os documentaristas Werner e Warner Salles. Eles vão aliar as imagens captadas durante a expedição às poesias do alagoano de Viçosa Sidney Wanderley. Sem fins comerciais, o trabalho depende de verba dos próprios documentaristas para ser concluído. São nove horas de imagens brutas, que serão editadas e transformadas num documentário de 30 minutos. Os documentaristas também vão produzir um site sobre o rio e a próxima expedição poderá ser acompanhada pela Internet. A Opará ou Racha começou no dia 28 de outubro e terminou no dia 1º de novembro. Além da equipe citada, envolveu os estudantes Renato Ferraz (Jornalismo) e Bruno Vilela (Biologia); o meteorologista Alexandre Silva; o mestre em Ciências Sociais Amaro Hélio da Silva e Ricardo Amorim, que auxiliou no trabalho de marcação da trilha via satélite. NR