Cidades
Ostra tira famílias alagoanas da miséria

FÁBIA ASSUMPÇÃO Repórter Barra de São Miguel - O cultivo de ostras está mudando a vida dos moradores do pequeno povoado de Palatéia, situado em Barra de São Miguel, e de Lagoa do Roteiro, localizado em Coruripe, ambos litoral sul do Estado. Das 62 famílias do povoado de Palatéia, 20 já participam do Projeto Oceanus, que desenvolve a atividade em 11 municípios alagoanos. Em um ano e meio de atividade, o projeto envolve 400 famílias na produção de ostras e algas. De acordo com o coordenador-executivo do Oceanus, Daniel Lima, este ano mais 300 famílias deverão ser inseridas na atividade. Barra de São Miguel, situada no litoral sul do Estado, tem hoje a maior área de ostras cultivadas do Nordeste, com capacidade de produção de 50 mil dúzias por colheita. Em seguida vem Coruripe, também no Litoral Sul, com capacidade de produção em torno de 20 mil dúzias de ostras. O maricultor Manuel Cícero Rocha, 45, foi o primeiro a acreditar na atividade do cultivo de ostras. Ele conta que com outras 13 pessoas de sua comunidade participou, há três anos, de um curso para o cultivo de ostras promovido pelo Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae). Todos desistiram da idéia. Manuel Cícero, no entanto, acreditou na proposta e, com ajuda do Sebrae, montou as três primeiras mesas - estrutura onde é cultivado o molusco - para dar início à atividade. Depois, por conta própria, montou mais duas mesas. Atualmente, ele tem cerca de 40 mesas. Com mais 20 famílias que decidiram aderir ao projeto, já são mais de 300 mesas de produção de ostras na Lagoa do Roteiro. ### Maria vai com as ostras consolida comercialização Com a produção de ostras, Cícero Rocha viu sua vida mudar. A renda que não passava de R$ 120,00, com a pesca ou a catação de sururu e maçunim - outros moluscos que dão em abundância na Lagoa do Roteiro -, subiu para cerca de R$ 400,00. Com isso, ele pôde oferecer mais conforto à família. A casa de barro, hoje é de alvenaria, ganhou alguns eletrodomésticos e tem estacionado à porta um fusca. Graças a Deus, eu confiei e acreditei nisso. Apesar do trabalho árduo, que obriga os maricultores a permanecer até cinco horas por dia na área de cultivo das ostras - no período da maré baixa - quem aderiu à atividade não se arrepende, a exemplo do casal Severina e José Vicente Barbosa, que há mais de um ano cultiva ostras. Francisco Filho, de 26 anos, aderiu ao projeto há apenas quatro meses. Antes, vendia as ostras retiradas dos manguezais na praia. Com o cultivo, ele viu a renda crescer. A comunidade de Palatéia, em Barra de São Miguel, foi selecionada pelo Sebrae para ser inserida no projeto porque os moradores já sobreviviam do extrativismo de ostras e outros moluscos - como o sururu e o maçunim - algumas vezes até de forma predatória. Hoje, eles são defensores da natureza, garante o coordenador do projeto, Daniel Lima. O projeto Oceanus é quem garante toda a estrutura para o cultivo das ostras pelo maricultores, desde as mesas e lanternas até luvas e galochas usadas por eles, que ficam responsáveis pelo manejo, limpeza e comercialização do molusco. As mesas, uma estrutura montada com madeira e telas de PVC, são produzidas no próprio Estado. O custo de cada uma gira em torno de R$ 100,00. Segundo Daniel, o custo de produção de ostras é inferior ao do peixe, porque não há necessidade de ração ou implementos agrícolas. Na produção de um quilo de peixe é preciso um quilo de ração. A cada 15 dias, os maricultores fazem o trabalho de jateamento das mesas para livrar as ostras de alguns predadores naturais como caramujos e algumas espécies de lagartas. Daniel explica que as mesas reproduzem o ambiente encontrado pelas ostras no mangue. Quando a maré está alta, elas ficam encobertas pelas águas. Graças ao manejo adequado, algumas ostras cultivadas na Lagoa do Roteiro chegam até a 25 centímetros. Desde janeiro de 2005, Barra de São Miguel alcançou a fase de produção, assim como Coruripe. A partir daí, o projeto Oceanus começou a trabalhar a fase de comercialização, que se consolidou com a instalação, em janeiro deste ano, do Maria vai com as ostras, um espaço com barracas móveis, instalado na área urbanizada da Praia da Barra de São Miguel, onde os maricultores fazem o escoamento da produção e também procuram incentivar o hábito de consumir ostras entre alagoanos e veranistas. Um mês depois de implantado, o espaço é sucesso absoluto, assegura Daniel Lima, anunciando que em março o Maria vai com as ostras vai ser instalado em Maceió. |FAS ### Laboratório deve incrementar produção O coordenador do Projeto Oceanus, Daniel Lima, afirma que a região da Lagoa do Roteiro, em Coruripe, oferece as condições ideais para o cultivo de ostras. Além de estar numa das áreas de mangue mais preservadas do Estado, a lagoa recebe a salinidade adequada para a reprodução de ostras. Ele diz que a ostra se desenvolve em água salobra, por isso precisa de sal para sobreviver. A quantidade de sal que entra na maré é de 25 por 10 ml de água. Cada ostra filtra 50 litros de água. Elas possuem duas glândulas que filtram os fitoplanctions e zooplanction, que são microrganismos encontrados na água, que servem de alimento para as ostras, explica Daniel Lima. O período de colheita dura entre seis e sete meses, quando elas saem do tamanho de semente para o comercial. Pelo menos sete diferentes tipos de ostras são encontrados na Lagoa do Roteiro. Antes, elas eram identificadas pelos maricultores pelas cores. Com o apoio de um doutor em Biologia e uma mestra em Botânica da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) foi feita a identificação dessas ostras. E duas delas, da espécie brasiliana, foram consideradas ideais para cultivo. Agora, o projeto trabalha com a finalidade de captar recursos para instalação de um laboratório, com o objetivo de selecionar as melhores sementes. Os coletores de sementes artificiais são feitos de PVC. O laboratório vai ser instalado no futuro Centro de Referência de Maricultura no Estado, que vai ficar numa região próximo à área de cultivo de Palatéia, na Barra de São Miguel. Daniel estima que para instalação do laboratório deverão ser necessários recursos na ordem de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões. O laboratório também vai atestar a qualidade da ostra. Laudos técnicos da Ufal, realizados mensalmente, já comprovam a inexistência de coliformes fecais nas ostras cultivadas em Palatéia. Isso se dá graças ao processo de depuração, que é feito no mar da Barra de São Miguel. Depois de cultivadas, as ostras são colocadas em lanternas, uma estrutura de gaiolas, que passa em média 10 dias no mar. Em cada lanterna podem ser colocadas 400 ostras, explica Daniel. Ele disse que o período de 24 horas é o bastante para fazer a depuração das ostras, que perdem o gosto amargo do mangue e ganham o gosto salgado do mar. Esse período é geralmente estendido por 10 dias. CONQUISTA O Projeto Oceanus foi apresentado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 2003, pelo economista Daniel Lima, e aprovado no mesmo ano. Mal começou e o projeto conquistou outros parceiros como os governos estadual, federal e o Grupo Carlos Lyra. A função do Oceanus é captar recursos e aplicar na atividade, diz Daniel, acrescentando que o projeto entra com a tecnologia de produção, a estrutura para o cultivo das ostras, como mesas e lanternas além de capacitação. O projeto conseguiu captar aproximadamente US$ 88 mil do BID; R$ 500 mil do governo do Estado; R$ 250 mil do Grupo Carlos Lyra e R$ 1,3 milhão do governo federal. O projeto começou as atividades em junho de 2004 em quatro municípios: Paripueira, Passo do Camaragibe, Barra de São Miguel e Coruripe. Depois se expandiu para mais sete municípios: Barra de Santo Antônio, Maragogi, Porto de Pedras, Coruripe, Marechal Deodoro, São Miguel dos Milagres e Japaratinga, esses dois com o desenvolvimento do cultivo de algas. FAS ### Além do sabor, molusco cura males do corpo Daniel Lima define o potencial do litoral de Alagoas para cultivo de ostras e algas como fantástico. Segundo ele, fica até difícil dimensionar a capacidade de produção. De acordo com o coordenador do Projeto Oceanus, em Santa Catarina, onde o cultivo de ostras é desenvolvido há 15 anos, a atividade beneficia três mil famílias e corresponde hoje a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado. Mas lá os maricultores sofrem as conseqüências das intempéries da natureza, como as tempestades tropicais. No ano passado, os dois maiores produtores de ostras catarinenses conheceram o projeto em Barra de São Miguel e ficaram encantados com o que viram. Daniel salienta que uma das vantagens do cultivo de ostras é que nela tudo se aproveita. Além de ser um prato delicioso, a ostra pode ser utilizada na produção de artesanato e até de farinha. Em Coruripe, a comunidade já está processando a farinha de ostras, que é o melhor remédio para osteoporose, salienta. A produção de artesanato é outra atividade que desponta com o cultivo de ostras. Quarenta famílias de Maragogi e de Passo do Camaragibe já produzem esse tipo de arte e até já estão exportando para outros países, diz Daniel Lima. O Projeto Oceanus também vem procurando agregar valor à atividade de cultivo de ostras, a exemplo da atividade turística. Dois barcos pertencentes ao projeto levam turistas para conhecer a fazenda de cultivo de ostras em Palatéia e também para degustação do molusco. O passeio tem custo de R$ 25,00. O projeto trabalha, ainda, na elaboração dos Planos Locais de Desenvolvimento da Maricultura para o ordenamento da atividade. O objetivo é evitar problemas como já ocorre em Santa Catarina, por causa do excesso de cultivo. Também pretende definir as áreas para os chamados parques de cultivo aqüícolas, determinando as faixas de preferência para os maricultores de cada região. Temos também outros projetos de cultivo de outros peixes encontrados no estuário como carapeba e camurim, e moluscos como sururu e maçunim. |FAS ### Embora lento, retorno financeiro é certo FERNANDO VINÍCIUS Repórter A presidente do Projeto Oceanus, Everilda Brandão, é responsável pela parte burocrática indispensável à regularização da criação de algas marinhas. Ela acredita que até o fim deste mês estará com toda a documentação dos produtores de Japaratinga pronta. A mesma paciência que eles demonstram para ter os resultados práticos é necessária para a conclusão da parte legal. Nós sabemos que não é fácil, o retorno não é imediato, mas quem acreditou primeiro vai colher lucros na frente de quem se interessou depois, explicou Everilda. Ainda sem nome definido, a associação de algicultores de Japaratinga reúne 19 famílias, que devem receber na próxima sexta-feira, 17, uma lancha que estava em Paripueira. O equipamento vai agilizar os trabalhos que dependem do movimento das marés. Eficiência Apesar de permanecerem imersas na água durante todo o tempo, as algas são limpas na maré baixa. Escovas de dentes são usadas no serviço, enquanto espátulas servem para retirar o excesso de sujeira das madeiras que sustentam as cordas de nylon onde as algas estão fixadas. O trabalho é feito uma vez por semana. Outra diferença em relação ao cultivo das ostras está na rapidez do crescimento das algas, prontas para serem colhidas, ou melhor, podadas a cada 30 dias em média. Por outro lado, fora do seu hábitat, a planta perde 90% de líquido. O processo de secagem é feito por máquinas que ainda serão adquiridas pela associação, como sonha Edmílson Nicácio, agente comunitário de saúde que ganha um salário mínimo pela função que exerce. Solteiro, ele espera conseguir sua independência financeira com o cultivo de algas, mesmo sonho que faz o vigilante João Antônio Chaves Filho pedalar 6 quilômetros entre percurso de ida e volta de sua residência para o local onde as algas foram colocadas. Eu estou procurando uma qualidade de vida melhor para minha família e para todo mundo que está envolvido nesse projeto que pode mudar a vida da gente, acredita seu João. Tem gente que mora em lugar mais distante do que eu e também está aqui, acrescenta o presidente da diretoria provisória da mais nova associação de Japaratinga. ### Cultivo alimenta esperança de comunidade pobre Atuando primeiro em municípios do litoral sul do Estado, o Projeto Oceanus ampliou sua área de atuação em direção à costa norte alagoana. Praias e rios localizados em Barra de Santo Antônio, Passo do Camaragibe, São Miguel dos Milagres e Porto de Pedras receberam os investimentos mais recentes da organização. Japaratinga e Maragogi também foram incluídos, respectivamente, nos cultivos de algas e de ostras. Ainda em fase de experiência, as novas atividades são a esperança de dias melhores para famílias de baixa renda ou que sobrevivem com menos de um salário mínimo. O local escolhido para a implantação das culturas tem como base estudos de especialistas, a exemplo da opção pelo Rio Salgado, marco natural entre Maragogi e Japaratinga. É no seu leito que a Associação de Ostricultores de Maragogi (Assoma) faz o manejo das ostras quando a maré está baixa, trabalho que segue uma escala entre os associados, 26 ao todo. A maioria mora na comunidade que fica próxima ao rio, uma propriedade particular denominada Sítio das Pedrinhas, onde mais de 100 famílias vivem em meio ao coqueiral. Manoel Imidio disse que trabalha em qualquer obra de construção civil, mas quando está sem serviço, precisa pescar para ter o que comer. Ele participou do processo de capacitação que resultou na formação da Assoma depois de ter sido informado pela irmã sobre a oportunidade que se abria. Marinalva Santos, ou simplesmente Nalva, é artesã, mas diz que precisa trabalhar em casa de família para poder tirar o sustento. Segundo ela, nem mesmo as peças artesanais que monta utilizando escamas de peixe, algas marinhas e casca de ostras como matéria-prima - técnicas que aprendeu graças aos cursos promovidos pelo Projeto Oceanus - estão conseguindo melhorar sua renda. Cientes de que o retorno proporcionado pelo cultivo de ostras não é imediato, Nalva e os demais associados cuidam para que elas se desenvolvam naturalmente. Os ostricultores vão colher os primeiros frutos entre junho e julho deste ano. Até lá, mantêm a rotina de retirar o excesso de sedimentos que cobre as ostras, com cuidado para não eliminar por completo o lodo que também serve de alimento para o molusco. Com a criação de ostras,Clébio Alves da Silva diz que espera ter a possibilidade de melhorar de vida, esperança que move os que acreditaram no projeto. FV ### Algas marinhas também viram fonte de renda Apesar de oferecer suporte basicamente para o cultivo controlado de ostras, o Projeto Oceanus investe na criação de algas marinhas, outro ramo da maricultura - atividade que tem no mar o local de produção. A iniciativa está restrita em Alagoas aos municípios de Paripueira, São Miguel dos Milagres e Japaratinga. A presidente do Projeto Oceanus, Everilda Brandão, recebeu a Gazeta em meio ao encontro com os chamados algicultores beneficiados pela tranqüilidade e limpeza do mar em Japaratinga. As condições naturais favorecem o desenvolvimento da atividade que usa a matéria-prima basicamente para a fabricação de cosméticos, sabonetes e xampu. Um dos maiores bancos de algas de Alagoas encontra-se em Japaratinga. A natureza já escolheu este lugar, resume Everilda Brandão. A fartura também é diversificada, tanto que um técnico cearense responsável pela assistência aos algicultores, profissional com mais de dez anos de experiência, encontrou uma variedade da espécie Graciléia ainda não-catalogada nos livros de Botânica. Os exames de DNA da planta já comprovaram a descoberta que deverá receber o nome de Graciléia Oceanus em homenagem a entidade que apóia projetos de aqüicultura sustentáveis. Após o comentário feito por Everilda Brandão, ela volta sua atenção para os que estão buscando alternativas de emprego e renda. |FV