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quinta-feira, 26/06/2025 | Ano | Nº 5997
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Exército faz operação de guerra no combate à seca

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| Maikel Marques Repórter Um grupo de 20 militares do 59º Batalhão de Infantaria Motorizada, sediado em Maceió, será o responsável pela fiscalização diária dos mais de 45 pipeiros cadastrados pelo Exército Brasileiro para levar água potável aos mais de 30 municípios do sertão de Alagoas, onde a população mais uma vez agoniza e sofre os efeitos da estiagem que anualmente castiga a região e produz cenas de extrema humilhação: camponeses recorrem à água fétida em lamaçais para cozinhar e tomar banho. A operação de combate à seca - por meio da tradicional distribuição de água em carros-pipa - será coordenada pelo Exército Brasileiro, que ainda não fixou data para o início da captação e distribuição do líquido, que será fornecido pela Companhia de Abastecimento d?Água e Saneamento do Estado de Alagoas (Casal). Queremos iniciar a operação já na próxima semana, explicou o capitão Márcio Costa, do 59º Batalhão do Exército em Alagoas. R$ 20 milhões A operação contará com parte dos R$ 20 milhões destinados ao Nordeste pelo Ministério da Integração Nacional para custear os mecanismos que fazem parte da chamada indústria da seca, que envolve compra e venda de água potável e tem como principal símbolo o pipeiro, motorista que coleta e distribui o líquido nos locais predeterminados pelo Exército Brasileiro. Até a sexta-feira passada, 45 pipeiros tinham sido cadastrados para trabalhar na operação, que ainda não tem orçamento definido em Alagoas. Ainda de acordo com o capitão Márcio Costa, a operação só começa quando o Exército receber da Associação dos Municípios Alagoanos (AMA) relação detalhada de pontos críticos nos mais de 30 municípios que solicitaram ajuda do governo federal. Adiantamos o cadastramento dos pipeiros, mas dependemos da documentação para iniciar o trabalho, explicou o capitão. Interferência política Os 20 militares terão como missão coibir distorções e evitar interferência política durante a distribuição da água aos flagelados do Sertão. Eles esperam contar com ajuda da população para receber denúncias de tentativa de uso político do programa. Embora mais de 30 municípios do Estado tenham solicitado ajuda do Exército, até a sexta-feira passada apenas 21 tinham cumprido as exigências do governo para receber ajuda federal, segundo apurou a Gazeta com assessoria de Comunicação do Ministério da Integração Nacional, em Brasília. Os municípios aptos a receber água são: Batalha, Belo Monte, Cacimbinhas, Canapi, Delmiro Gouveia, Dois Riachos, Girau do Ponciano, Inhapi, Jacaré dos Homens, Jaramataia, Maravilha, Mata Grande, Minador do Negrão, Ouro Branco, Pão de Açúcar, Pariconha, Piranhas, Poço das Trincheiras, São José da Tapera, Senador Rui Palmeira e Traipu. A lista do Ministério deve sofrer alteração já no início desta semana com a inclusão de outros municípios. ### Quem pode pagar tem água de boa qualidade em casa O metro cúbico [mil litros] de água potável fornecido pela Casal para abastecer os municípios castigados pela seca custa apenas R$ 1,39. O líquido poderá ser captado pelos caminhões-pipa cadastrados pelo Exército brasileiro em até 30 pontos de abastecimento espalhados pelo Sertão, segundo informou o diretor de Operações da empresa, Antônio Fernando. Cada caminhão-pipa tem capacidade média para armazenar 8 mil litros de água. Tomando-se como base o valor de R$ 1,39, o tanque de oito metros cúbicos custa ao governo federal apenas R$ 11,12. Água é barata demais. O caro nessa indústria da seca é transportar o líquido. Se houvesse encanação e bombeamento eficientes, não teríamos utilidade alguma nessa engrenagem, afirmou um pipeiro ouvido pela Gazeta em Dois Riachos. Valor social Antônio Fernando, da Casal, explica que o valor social de R$ 1,39 cobrado pelo metro cúbico de água é aplicado no contrato com o Exército para beneficiar a população que sofre os efeitos da estiagem. A empresa pratica valor diferenciado para outros clientes, diz o diretor. Dentre estes clientes estão prefeituras cujos administradores contratam carros-pipa para abastecer residências onde a Casal não consegue despejar o líquido já tratado. Embora o diretor afirme que a empresa controla a venda de água ao poder público, a Gazeta apurou que é crescente o comércio particular do líquido em algumas cidades do Sertão. No povoado Piau, em Piranhas, uma carrada [carga] de água potável custa até R$ 80,00 e está disponível para quem tiver condições de pagar pelo produto. Quem pode pagar tem água de boa qualidade em casa, confirma o vereador Paulo Ricardo, que está há mais de 15 dias sem água potável na torneira de sua residência. Prefeituras compram Antônio Fernando, diretor de Operações da Casal, afirma que nem sempre é possível evitar o comércio clandestino. Há casos de roubo de água no período noturno em chafarizes mantidos pelas prefeituras, reconhece. No semi-árido alagoano, todas as prefeituras disponibilizam água fornecida pela Casal aos seus moradores, diz. Quanto à falta d?água em Cacimbinhas e Dois Riachos, a assessoria da Casal informou que haverá reforço no abastecimento a partir da conclusão da obra de duplicação da adutora Olho d?Água das Flores/Santana do Ipanema, que deve ficar pronta ainda este ano. A empresa também promete reforço no sistema de captação em Pão de Açúcar. Atualmente, apenas uma bomba faz a captação da água enviada a Santana do Ipanema, de onde sai o líquido para Cacimbinhas e Dois Riachos. |MM ### Apesar das torneiras secas, recibos da Casal chegam O sofrimento da agricultora Enedina Tavares, 72, é rotineiro e está exposto à curiosidade pública num barreiro cheio de lama - e muito pouca água - à margem da rodovia AL -220, no Povoado Bacurau, em Jaramataia, sertão do Estado. Quatro vezes ao dia ela se agacha diante do lamaçal para coletar água suja e fétida num balde de 12 litros. O líquido, de coloração esverdeada, é utilizado principalmente para higiene pessoal, lavagem de roupas ou utensílios domésticos. Se houver necessidade, sou capaz de beber dessa água, diz a agricultora. A reportagem da Gazeta encontrou dona Enedina na escaldante manhã da última quinta-feira, quando ela utilizava uma panela de alumínio para encher um balde com água suja porque não dispõe, em casa, de água encanada. Já são mais de 50 anos nessa agonia. Não há água. Os homens da terra só prometem e não providenciam água. Agora, só acredito em Deus, desabafa a agricultora, que não esconde: precisa pagar caro pela água potável para matar a sede. Além de Enedina, centenas de famílias do Povoado Bacurau sofrem com a falta d?água. Aqui só chega água no máximo duas vezes por mês, reclama Eleni Tavares, 40, agricultora, mãe de seis filhos. O pior é que quando não há água para tomar banho, é grande a confusão lá em casa. As crianças chegam a se recusar a ir à escola. Dizem que não vão passar vergonha tendo que ir à aula sujas, resume. A agonia da família da agricultora Eleni Tavares, que é nora de Enedina Tavares, é rotineira em virtude da ineficiência no abastecimento por parte da Casal, que não consegue manter regularidade no fornecimento do líquido. Chegou água hoje de madrugada. Quem tava acordado, encheu os baldes. Quem não estava, ficou na esperança, disse Claudenir. Um banho por dia Muitos dos que dispunham dos serviços da Casal optaram por não mais receber o líquido fornecido pela estatal. A justificativa é simples: a companhia cobra o pagamento mensal do líquido, que não chega com regularidade. Outros ficaram inadimplentes e tiveram o fornecimento cortado. Não faz diferença mesmo porque nunca tivemos água e sempre nos humilhamos carregando lata d?água na cabeça, queixa-se o agricultor Fabiano Silva dos Anjos, que trabalha numa propriedade local. A missão diária dele é pilotar uma carroça de burro com dois tonéis de água fétida. O líquido serve para manter vivas as plantas que rodeiam a fazenda do patrão. Nos humilhamos carregando latas d?água na cabeça, queixa-se o agricultor Fabiano Silva. O semblante da juventude do Povoado Bacurau denuncia os efeitos da falta d?água. É apenas um banho por dia e olhe lá, disse uma adolescente. |MM ### Cacimbinhas está sem água há 4 meses Cacimbinhas - Localizado pela Gazeta à margem da BR-316, no município de Cacimbinhas [onde as residências não recebem água há mais de quatro meses], o agricultor João Ferreira Gomes, 66, mantinha um sorriso no semblante até o momento da pergunta sobre a falta d?água na cidade sertaneja. Enfrente o calor e venha presenciar meu sofrimento, desabafou o agricultor. Ele conta com a ajuda da filha mais nova para coletar, num barreiro, a água suja utilizada para tomar banho e para o uso diário da casa. João Gomes faz uma verdadeira peregrinação diária rumo à fétida minação [fonte de água] à margem da rodovia federal para amenizar o sofrimento dos seis filhos e cinco netos. A família dele nasceu e ainda vive no município de Cacimbinhas, mas não esconde um desejo: ter água encanada em casa. É só promessa A falta da encanação duplica o sofrimento da família. A gente vive como se estivesse no início do século passado, reclama o agricultor, que não poupa críticas à classe política. Estamos no ano das promessas de que a água vai chegar. Depois da eleição, é pedra em cima de nossa necessidade. E o sofrimento continua. Moro na mesma rua há 30 anos e nunca tive o direito de ter água encanada. É só meia-sola [improviso] dos homens que estão no poder. Cansei de promessa. Preciso de água em minha casa porque um dia vou ficar sem força para pegar o líquido imundo nesse barreiro nojento, reclama o agricultor, enquanto carrega a água para abastecer a casa. Outra vítima da falta de água potável no Sertão é o também agricultor José Eraldo da Silva, 39, que também não dispõe de água encanada em sua residência, na zona urbana da cidade. Diariamente, ele segue o trajeto de João Gomes para conseguir água. Quando tem sede, diz Eraldo, a solução é comprar água. Um caminhão com seis mil litros custa em média R$ 150. Só que quase ninguém tem grana para fazer um investimento dessa natureza, desabafa. Agonia há quatro meses Segundo apurou a reportagem da Gazeta entre os moradores da região, há mais de quatro meses não há água potável nas torneiras das residências de Cacimbinhas. O sofrimento imposto aos moradores da cidade persiste há mais de dois anos. A gente clama pelo caminhão de água, mas a prefeitura parece não ter muito interesse em resolver a questão. É sofrimento sem fim. Isso aqui é o inferno. E olhe que o verão está apenas no início, observa o agricultor José Eraldo da Silva. MM ### Drama social mantém indústria da seca Na guerra pela sobrevivência, até os carroceiros de Dois Riachos se dizem à disposição de políticos que quiserem pagar para fornecer água à população Dois Riachos - O desespero de miseráveis sertanejos pela água - seja potável ou não - é bem visível no leito do rio que cruza a periferia de Dois Riachos. Água aqui é milagre de Deus, caro repórter!, diz Manoel Antonio da Silva, 32, agricultor que abandonou a lavoura para sobreviver da coleta de água e conseqüente revenda a preço irrisório em grandes tonéis na zona urbana da cidade. Manoel é um dos mais de 20 carroceiros que deram nova função à tradicional carroça de burro. Adaptaram ao veículo tonéis com capacidade para armazenar até 400 litros de água. O objetivo é atender à demanda de moradores cujas torneiras das residências continuam vazias em virtude da deficiência no abastecimento por parte da Companhia de Saneamento e Abastecimento d?Água de Alagoas (Casal). Água na torneira de casa é coisa rara. Não lembro quando chegou água pela última vez, diz Pedro Silva, morador de Dois Riachos. Clientela E é justamente de olho na clientela sempre farta que Manoel Antônio trabalha coletando água numa fonte [minação] à margem do Rio Dois Riachos. Faturo até R$ 40 por semana, revela Manoel Antônio. Sua minguada renda vem da venda dos tonéis com 200 litros de água cada. O preço do tonel com líquido impuro varia entre R$ 2,00 e R$ 2,50. Para um grupo de carroceiros ouvidos pela Gazeta, se não fosse a água que brota do ressecado Rio Dois Riachos, o dia-a-dia na cidade seria inviável para a camada mais simples da população. Essa água, mesmo suja, é a nossa salvação. Sem ela não teríamos renda. E ninguém conseguiria lavar roupa, pratos ou tomar banho duas vezes ao dia. Seria o caos, opina Pedro da Silva, outro carroceiro. Indústria da seca Ele faz parte do humilhante mecanismo da indústria da seca, onde o mais caro não é a água, mas sim o transporte do líquido. O que encarece o líquido são as despesas com o caminhão e combustível. E ainda tem o meu lucro, explica um pipeiro. Segundo apurou a reportagem da Gazeta, um tonel de 200 litros com água potável - e, neste caso, oriunda do Rio São Francisco - custa em média R$ 4,00, o dobro do valor cobrado pela água fétida retirada do Rio Dois Riachos. A exemplo dos proprietários de carros-pipa, que são disputados a peso de ouro por políticos caso não decidam prestar serviço ao governo federal, os carroceiros do município de Dois Riachos também se dizem à disposição do político que quiser pagar para fornecer água à população. A gente faz qualquer negócio para conseguir sobrevivência, diz um carroceiro. |MM

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