Cidades
Pesquisa alerta para extinção do sururu

CARLOS ROBERTS Repórter O sururu corre o risco de desaparecer da Lagoa Mundaú, se o nível de poluição continuar elevado como tem ocorrido nos últimos 30 anos. É o que comprova uma pesquisa orientada pela bióloga Mônica Dorigo, dos Laboratórios Integrados de Ciências do Mar e Naturais (Labmar) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). A monografia de um curso de especialização na área, com o título Análise comparativa da produção do sururu em Alagoas, teve como base os dados coletados no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e mostra a constante diminuição da produção do molusco na Lagoa Mundaú desde a década de 70. De acordo com a bióloga, em dez anos o sururu terá uma produção muito aquém da atual, com forte impacto ambiental e, conseqüentemente diminuindo ainda mais a renda e a qualidade de vida dos catadores. Os números da pesquisa mostram que há 30 anos a produção anual do sururu era de 70 toneladas. Em 1997, este número caiu para 45 toneladas. Não há números oficiais sobre a atual produção anual, mas estima-se que nos últimos nove anos, as 45 toneladas que eram produziadas em 1997 tenham sofrido redução de pelo menos 25%. IMPACTO AMBIENTAL Mônica Dorigo explica que para resolver o problema é preciso a imediata implantação de um projeto de despoluição da lagoa e o replantio das raízes de rizóforas, os chamados mangues vermelhos. Segundo ela, em anos anteriores a extração de madeira retirada dos mangues para alimentar fornos de pizzarias foi um dos fatores que mais colaboraram para o impaco na produção de sururu. Sem o mangue, o sururu acabou se adaptando ao fundo da lagoa, explica. Além disso, diz a pesquisadora, para cada litro de álcool produzido são gerados pelo menos dez litros de resíduos de vinhoto, que de alguma forma acabam sendo despejados na lagoa. Como não bastasse, os esgotos domésticos, com detergentes e outros produtos químicos, agravam ainda mais a situação. ### Sem fonte de renda, cresce pobreza na área da Mundaú A pesquisa não dispõe de números exatos de quantas famílias de pescadores já foram atingidas com esta situação. Mas mostra as disparidades de cada região, conforme o volume de degradação ambiental dos locais onde o molusco é procurado para a subsistência destas famílias. Em Maceió, onde a lagoa não tem mais mangue, recebe resíduos de usinas e esgoto doméstico, a coleta do sururu ocupa 40% dos pescadores e é feita por homens. Ao contrário do que acontece na cidade de Roteiro, onde 100% da mão-de-obra destinada à cata do sururu é composta por mulheres. Isso ocorre porque lá tem mangue e as mulheres conseguem fazer o trabalho enquanto os homens vão pescar no mar, diz Mônica Dorigo. Já nas cidades de Coqueiro Seco e Santa Luzia, o sururu ocupa metade da mão-de-obra pesqueira. A bióloga considera que a ausência das providências apontadas pela pesquisa também alimenta um ciclo vicioso de pobreza, que pode ser percebido por quem percorre a Lagoa Mundaú. As casas de pau-a-pique, algumas com paredes de barro, mal cobertas e sem qualquer condição básica de higiene são um indicativo de rendimento do pescador de sururu. Em qualquer lugar do mundo a beira de um lago é supervalorizada. Aqui nós temos o Vergel, diz Mônica Dorigo. Vida difícil Há 39 anos sobrevivendo da pesca na Lagoa Mundaú, Jorgelino Correia de Lima, 50, mantém a rotina de trabalho de segunda a sábado, quando sai de madrugada em busca do molusco. Foi assim que criou dois filhos. Esta semana, acompanhamos o trabalho dele. Após nove horas na água, o pescador conseguiu retirar aproximadamente dez latas de sururu, o que lhe rendeu pouco mais de R$ 20. Antigamente a produção era maior. Eu pegava muito sururu. Duas vezes e meia mais, lembra. Gerson Benedito de Melo, 47, vive do sururu há 20 anos e diz, com orgulho, que criou dez filhos com o que conseguiu colocar na canoa. Mas nenhum deles pretende ser pescador como o pai. Alguns já casaram e têm outra profissão. Ele também sentiu o problema e prefere não pensar onde procuraria sustento, caso o molusco desaparecesse. Acho que vai melhorar, pois a água já esteve muito pior, diz. Os pescadores contam que em alguns pontos houve redução da poluição e a pesca surgiu em maior abundância. Isto aconteceu principalmente no bairro do Vergel. Para Fernando Gomes de Almeida, 47, esta é a prova de que o esgoto jogado na lagoa tem influência direta no resultado da pesca. Não que tenha que arancar todas as casas do Vergel, mas é preciso construir esgoto, diz. |CR ### Concorrência faz sururu perder preço O sururu também é produto de exportação de Alagoas. Cidades como Salvador são abastecidas por comerciantes que compram a produção do pescado da Lagoa Mundaú e de outros pontos. É o caso de Lauro Francisco Santos, 62, há 50 anos vivendo do sururu. Ele compra diretamente do pescador e leva o produto para revender nas cidades de União dos Palmares, Messias e Murici. O comerciante diz que foi criado na beira da lagoa e lembra da época em que a fartura era muito maior. Segundo ele, na proporção em que a quantidade de sururu diminuiu, aumentou o número de pescadores. É que tem muito desempregado, comenta. Na opinião do comerciante, esta também é a causa da desvalorização do produto. A necessidade de venda acaba puxando o preço para baixo. Mesmo que tenha pouco sururu, mas muita gente vendendo, o preço acaba ficando lá embaixo, diz. Elias Felizardo dos Santos, 38, há 20 anos pesca e vende sururu. A exemplo dos companheiros, ele também tem histórias da época em que o molusco era encontrado em grande quantidade. Mas na medida em que sente o aperto, procura alternativas para driblar as dificuldades e garantir o sustento da família. Com o que pesca e compra na beira da Lagoa Mundaú, ele diz manter a mão-de-obra de pelo menos 12 pessoas. Assim que fechou negócio, ele puxou o carrinho com os sacos até a casa onde mora, próximo dali, onde várias pessoas aguardavam para despinicar o sururu, que depois seria cozido e finalmente vendido. Os dias de Quaresma garantem renda a mais para a família de Elias. Ele considera que é uma época como se fosse o 13º salário do pescador, pois a procura aumenta, embora a oferta continue a mesma. Então a gente ganha um pouquinho mais, diz. Para vender o sururu, Elias conta com a ajuda da mulher, Maria Cícera da Silva, 30, e de quatro filhos. E para ter o conforto de uma geladeira nova, televisão e outros eletrodomésticos, o casal trabalha muito. Maria Cícera também madruga todos os dias e diz ter habilidade para negócios. Ela busca pontos-de-venda e constantemente faz novos contatos para comercializar o sururu. Assim sempre temos onde colocar nosso produto, explica. CR ### Ações tentam salvar pesca do sururu O pescador Elias Felizardo dos Santos lembra da época em que a água da Lagoa Mundaú não era tão poluída e que, num passado não tão distante, alguns órgãos de proteção ambiental questionaram as usinas de produção de álcool quanto às normas de segurança para evitar despejo de poluentes nas lagoas. Para ele, esta simples ação já foi sentida no resultado da pesca. Ele acredita que um programa para acabar com as favelas e levar saneamento aos bairros do Trapiche, Ponta Grossa e Vergel, diminuiria muito o esgoto despejado na lagoa. Em sua avaliação, o acúmulo de lixo causou o assoreamento da boca da barra, impedindo que a água da lagoa seja renovada. Em dias de maré baixa dá pra atravessar a pé, diz Perdeu sabor Para o presidente da Federação dos Pescadores de Alagoas, Benedito Roque da Costa, o Bida, o sururu perdeu o sabor devido à qualidade da água da Lagoa Mundaú. E, ao contrário do que pensam muitos pescadores, ele diz que a quantidade de sururu não teve uma diminuição drástica. Mas perdeu qualidade, avalia. Quanto ao nível de poluição da lagoa, Bida diz que a federação tem realizado constantes reuniões com autoridades ambientais de todos os níveis, mas que até agora não obteve nenhum resultado concreto. O presidente da Federação dos Pescadores lembra que este foi um dos motivos para se criar o Fórum Permanente da Pesca, em que participaram representantes do Instituto do Meio Ambiente (IMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Secretaria Executiva de Agricultura, entre outros órgãos, que se comprometeram a desenvolver ações para resolver o problema. Vamos continuar insistindo. Afinal, temos que recuperar a qualidade, diz. NOVA PESQUISA Enquanto essas ações não saem do papel, uma nova pesquisa sob a orientação da bióloga Mônica Dorigo pretende acompanhar a variação de tamanho do sururu nos meses de inverno. A pesquisa começou em setembro e tem coleta quinzenal de material. O objetivo é avaliar o impacto da diminuição da pesca em época de chuva. Os estudos devem ser concluídos até meados de julho próximo. Por outro lado, o governo do Estado também tenta resgatar o que ainda resta das lagoas e salvar o sururu. Na última semana, o governador Ronaldo Lessa assinou decreto que criou o grupo gestor responsável pela coordenação dos projetos para despoluição das lagoas Mundaú e Manguaba. A assinatura ocorreu durante a apresentação do Plano de Ações e Gestão Integrada do Complexo Estuarino, que inclui programas, projetos e ações para despoluição do complexo estuarino. O projeto está estimado em cerca de R$ 600 milhões, que serão captados junto ao governo federal e instituições internacionais. CR