Cidades
Na Vila Oper�ria, o que salva � a solidariedade

A sorte é que a solidariedade é grande entre os moradores da Vila Operária. As mães que ficam em casa ajudam os filhos das que tomaram o caminho da roça. Um prato de comida aqui, um mingau acolá... Mas a incerteza das três refeições ronda a área de casinhas apertadas, beco atrás de beco, onde o cheiro de café é forte durante todo o dia - as mulheres torram e passam no moinho os grãos que simbolizam um trabalho quase escravo. ?Não é que a gente se conforme, mas tem tanta gente mais lascada?, diz Francisco Gomes Figueiredo, 42, pai de quatro filhos, também passageiro do caminhão dos avulsos. A gente mais lascada, no dizer de Francisco, vive nas ?grotas?. Isolada do mundo e dos possíveis benefícios e avanços. Como o casal Geraldo Leite, 43, e Maria Batista da Costa, 42, pai de dez meninos. Estão escondidos em Santo Antoninho, sítio a 30 km de Capelinha, onde só se chega a pé. Os carros não alcançam seu terreiro. ?Aqui não é o fim do mundo não, meu senhor, as coisas é que estão longe?, diz Maria, enigmática. ?Mas se alguém adoece, fica ruim mesmo?. É o caso do seu marido, diabético, que acaba de amputar um dedo do pé. Precisa voltar ao hospital. Mas deixa para quando ?Deus der bom tempo?. Um menino, João Fabiano, 8, que sobe a serra de uns seis quilômetros para assistir às aulas, garante o Bolsa-Escola, renda que evita a fome mais brava. Ele estuda na localidade chamada Bateria do Riacho, onde é comum o desmaio por fome, como contam os próprios alunos. ?É bom que aprenda alguma coisa pra ser gente na vida, mas só em merendar por lá já é uma ajuda do céu?, relata Maria da Costa. ?A fome por essas bandas é mais velha que o cuspe?. Guia O guia da reportagem pelo sertão-veredas é Edmar José de Andrade Santos, funcionário da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Minas. ?Aqui há muita riqueza na região, mas o investimento é sempre voltado para café e a cultura do eucalipto, nunca para as pessoas?, diz, em ensaio revoltoso sobre um drama mais antigo que a fome e o próprio cuspe: a distribuição de renda. Grandes e pequenos produtores rurais dos vales mineiros fazem eco contra qualquer programa social do governo que distribua recursos. A queixa tem razão direta e econômica, embora a desculpa usada seja a de que os benefícios deveriam estar associados ao trabalho. Como remuneram muito mal, vêem os programas como concorrentes. ?É um discurso oportunista, baseado na lógica de que muita gente deixa de se submeter à exploração. A situação vai forçá-los a pagar melhor?, diz o prefeito de Carbonita (a 421km de Belo Horizonte), Marcos Lemos (PT), presidente da Associação dos Municípios do Alto Jequitinhonha. Com 8.967 habitantes, a agricultura é a principal atividade local. Um dia de serviço por aqui é pago em média a R$ 6 na roça. O eucalipto domina a paisagem. Melhor que nada Nivaldo Oliveira, 35, recém-empregado de uma firma que explora essa cultura, consegue um salário mínimo, R$ 240, por mês para sustentar oito bocas - o casal e mais seis filhos. ?É melhor do que nada?, apressa-se e corta as lamentações do marido a dona de casa Maria da Conceição Meira, 27. ?O ruim é ficar parado de tudo, aí o desmantelo é feio.? Oliveira consente com a cabeça: ?É melhor do que nada mesmo?. Na TV, ouviram falar do Fome Zero, programa no qual devem ser incluídos. A expectativa é grande em torno da ajuda de R$ 50 para comprar alimentos. O pai tem a razão: ?Acordar com a comida dos meninos resolvida é uma coisa que a gente não conhece desde que botou eles no mundo?.