Cidades
Bode, sagrado, mata fome e d� renda no Cariri

Xico Sá No Cariri paraibano, pedaço da nação semi-árida, onde menos chove no Brasil, o bode é bicho sagrado do qual o sertanejo aproveita até o berro, buzina e despertador dos sertões de pedra e espera. O caprino não arriba, muito menos tomba com a seca como a boiada que construiu, nesses anos todos, a imagem do Nordeste esturricado que aparece na TV. O bode resiste ao deserto, alimenta-se até da sombra magra dos seus donos, como diz a mística da região. Se na Índia a vaca sagrada é intocável, o bode sertanejo é todo serventia. ?Nossa sorte grande?, diz o menino Vagner Manuel da Cruz Pereira, 15, montado na estátua que homenageia a caprinocultura em Cabaceiras (189 km da capital João Pessoa), conhecida como a terra do bode-rei, nome de festa famosa, sacro e profana, da cidade. Neste município, existem pelo menos, quatro bodes ou cabras para cada um dos 5 mil habitantes. ?No momento em que o Brasil leva a sério o combate à fome, a caprinocultura é a grande saída para as regiões mais secas?, aponta Gervásio Menezes Farias, presidente da associação dos criadores e dirigente da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural). ?Aprender a conviver com a estiagem é uma sabedoria, esses animais dão lição de resistência?. As mães sabem disso, mais do que ninguém. Em Cabaceiras, o local, onde cai menos chuva no Brasil, 250 famílias são beneficiadas pelo Programa Leite de Cabra, iniciativa do governo do Estado, em parceria com os criadores da área, que abarca toda a região. As mulheres recebem um litro do produto desde os primeiros dias como gestantes até o filho completar sete anos. Assim, têm sido criados José Vinícius, 4, e Rodrigo, de 8 meses, filhos de Edilene dos Santos Pereira. ?Eles são fortinhos por causa desse leite, bebem que é uma beleza?, conta. ?Quase não adoecem, estão tinindo de saúde?. O entusiasmo materno encontra lastro científico no médico e escritor pernambucano Josué de Castro (1908-1973), autor do clássico ?Geografia da Fome?, que há 56 anos chamava a atenção do mundo para a tragédia permanente dos miseráveis da zona da mata canavieira e o drama da nação semi-árida emanos de seca braba. ?Na carne de bode, no leite e no queijo do sertão estão em boa parte as justificativas biológicas que respaldam a hoje famosa frase de Euclides da Cunha, que ?`o sertanejo é, antes de tudo, um forte?, escreveu o mesmo autor no livro-denúncia ?Sete Palmos de Terra e um Caixão?, de 1964, antes do seu exílio forçado pelo regime militar. O rebanho de caprinos e ovinos em todo o Nordeste é de mais de 18 milhões de cabeças. Dos botecos aos restaurantes tidos como sofisticados, lá está o bode, desde a sua simples versão assada até receitas frescas com molhos afrancesados. Pizza de bode? Sim, tem sim senhor, em municípios da Paraíba e Pernambuco. Estados onde também comparece na merenda escolar.