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Nº 5856
Cidades Fernando Pedrosa, do Cremal, tem que mudança abra espaço para interesses mercantilistas

Médicos temem que mudanças no Revalida comprometam a profissão

Para entidades, autorização para que faculdades particulares também validem diplomas pode comprometer profissão

Por Fábio Costa | Edição do dia 07/12/2019 - Matéria atualizada em 07/12/2019 às 06h00

As mudanças aprovadas no Congresso Nacional no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos, o Revalida, estão sendo encaradas como um desastre para a classe médica. Tanto o Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal) como o Sindicato dos Médicos de Alagoas (Sinmed/AL) avaliam algumas destas modificações vão comprometer, ou até piorar, a qualidade da atividade médica no Brasil. 

Para completar, o programa Médicos pelo Brasil (remodelação do antigo Mais Médicos), recém apreciado pelo Senado Federal, também não foi recebido com flores e aplausos pela categoria. Há crença de que a ‘nova roupagem’ não vai abrir espaço para a clandestinidade e desvalorização profissional.

No caso do Revalida, o presidente do Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal, Fernando Pedrosa, entende que a inclusão de universidades privadas com alto desempenho para a revalidação de diplomas (hoje apenas as públicas, com o aval do Ministério da Educação, são autorizadas) vai criar um esquema sujo no mercado que deve pôr em risco a formação dos futuros profissionais.

“O Congresso Nacional alterou a medida para flexibilizar a revalidação dos diplomas. É o que estamos chamando de Revalida Light, que vai permitir as faculdades particulares de  exercer esta responsabilidade. Isto, na nossa opinião, será um desastre e abrirá espaço para interesses mercantilistas, afinal de contas as instituições particulares visam o lucro, deixando a qualidade do serviço em xeque”, avalia.

Para justificar a alteração, o Congresso Nacional incluiu ao texto que será necessário a adoção de critério de desempenho acadêmico: apenas universidades privadas com notas 4 e 5, as maiores no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), poderão realizar o exame.

Na opinião do presidente do Cremal, há comprovações de que várias escolas privadas no exterior, boa parte localizada na América Latina, formam profissionais despreparados para encarar o desafio de cuidar de vidas. “Estes ‘médicos’ não têm condições de exercer o ofício, mas tentam revalidar o diploma no Brasil, esbarrando em uma prova considerada por eles difícil, quando, na verdade, os anos que passaram na faculdade não foram suficientes para domínio do conteúdo”.

Ao todo, cerca de 300 emendas foram apresentadas projeto original que previa mudanças no Revalida. A mais contestada pela classe é justamente esta que permite a avaliação por faculdades particulares. A matéria aprovada vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro, que já sinalizou que vetará o item. Pedrosa diz temer que o Congresso derrube o veto e mantenha este dispositivo.

“Será um desastre para o Brasil, porque já sofremos muito com as escolas ruins. Lá fora, tem faculdades de medicina com tão baixa credibilidade que nem os profissionais brasileiros formados ali podem atuar no mercado, já que o país não aceita o curso. Estes médicos acabam voltando e tendo que se virar por aqui. Com o Revalida feito nas particulares, penso que será possível pagar para ter o diploma reconhecido no Brasil sem a devida avaliação criteriosa”, compreende o presidente do Cremal. 

O mais grave, com cita, é que há investigação em curso para tentar provar que a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) mesmo sendo pública estaria cobrando cerca de R$ 85 mil pela revalidação do diploma de medicina. 

“Se isto já está acontecendo nas faculdades públicas, imagina com a permissão dada às privadas? Que tipo de profissional está sendo colocado no mercado, que critérios de avaliação vão ser adotados por estas instituições particulares, que só visam lucro?”, questiona.

O presidente do Sinmed/AL, Marcos Holanda, comunga com a opinião do colega do conselho regional. Ele diz considerar um absurdo, sem limites, a ideia do Congresso Nacional de ampliar a avaliação do desempenho dos médicos formados no exterior às instituições privadas.

“Vai ser uma troca de moedas, somente. Se isto realmente passar a vigorar no Brasil será muito ruim para a classe médica. Com certeza, a qualidade dos profissionais que vão atuar será questionada com mais frequência”, entende.

Além desta mudança, o projeto prevê que, a partir de 2020, serão aplicadas duas provas ao ano, em formato digital, tendo em vista que o objetivo do Revalida é desburocratizar o processo, além de permitir que mais profissionais da área atendam a população brasileira. O próprio concluinte do curso de medicina também terá de arcar com as despesas com o processo.

Mais Médicos é remodelado, mas contém 'pegadinhas'

A remodelação do programa Mais Médicos, agora classificado como Médicos pelo Brasil, proposta pelo governo Bolsonaro, via medida provisória (MP), e aprovada na semana passada pelo Senado Federal, com algumas mudanças, está sendo analisada com melindres pelas entidades. Elas avaliam que o projeto tem ‘pegadinhas’.

Para o Cremal, é perigosa a intenção de permitir criação de consórcios, pelas prefeituras, para contratação de médicos. Este item não estava previsto no texto original e, na avaliação de Fernando Pedrosa, esta abertura é danosa ao profissional.

“Já temos casos de consórcios em Alagoas e, pelo que observamos, só causa prejuízos aos médicos. Eles são contratados ao arrepio da lei, a valores baixos, sem concurso público, sem qualquer vínculo empregatício e sem previsão de reconhecimento da carreira profissional”, analisa. Na opinião dele, a profissão vai descambar, cada vez mais, para a clandestinidade.

Marcos Holanda diz que o sindicato é favorável ao programa Médicos pelo Brasil, mas com ressalvas. Menciona, como benefícios ao profissional, a oficialização dos contratos sob o regime celetista, apesar de não encontrar um plano de carreiras propriamente dito, que seria, na opinião dele, um grande avanço para quem atua no interior do Estado. “Sem a progressão na carreira, o médico acaba chegando ao fim da carreira com um valor pífio da aposentadoria”, ressalta.

Se Bolsonaro sancionar o modelo que passou pelo Senado, os profissionai deverão ser selecionados para duas funções: médicos de família e comunidade e tutor médico. Todos deverão ter registro no Conselho Regional de Medicina (CRM). Os salários oscilam de R$ 11 mil a R$ 33 mil, a depender das atividades a serem desempenhadas.

A MP, assinada pelo presidente, amplia em pouco mais de 7,3 mil o número de médicos nas áreas mais carentes do país – 55% dos profissionais serão contratados para atender as regiões Norte e Nordeste.

O programa Médicos pelo Brasil também define novos critérios para realocação dos profissionais considerando locais com maior dificuldade de acesso, transporte ou permanência dos servidores, além do quesito de alta vulnerabilidade. A nova proposta ainda prevê formação de especialistas em medicina da família e comunidade.

Aqui em Alagoas ainda há médicos cubanos que conseguiram permanecer após as mudanças no programa. Oficialmente, segundo o Cremal, há profissionais em Delmiro Gouveia, Cajueiro, Penedo, São Sebastião e Ouro Branco. Estes trabalham ainda sob o regime antigo. No entanto, o número deve ser maior, já que alguns profissionais de fora conseguiram revalidar o diploma e decidiram ficar.

Renan Filho é o pior gestor para os servidores, avalia Sinmed/AL

Além da tempestade que a classe pode atravessar nos próximos dias, ainda há pendências a serem resolvidas em Alagoas. O presidente do Sinmed cita como exemplo os médicos que atuam no serviço público estadual, que estão com os salários congelados há seis anos. Marcos Holanda diz que a gestão de Renan Filho não dialoga e se nega a valorizar o funcionalismo.

“O governador só quer estar na mídia mostrando uma Alagoas que ele criou, mas é um péssimo gestor, sem, ao menos, ter a iniciativa de sentar para conversar com as categorias. Os médicos que atuam no Estado estão sem aumento, reposição inflacionária e, o pior, não há previsão de melhorias no próximo ano”, destaca.

Ele acrescenta que Renan Filho chegou a anunciar um reajuste, mas, na verdade, era uma pegadinha. “Ele disse que estava concedendo aumento aos médicos, porém tirou o mesmo percentual das gratificações que recebemos. Por incrível que pareça, o último ganho real que obtivemos foi na gestão Téo Vilela. Como servidor, sinto falta da gestão passada, que todos diziam que já era ruim. No entanto, a era Renan Filho é desastrosa para todos os servidores públicos”.

Ele informa que o profissional da medicina com jornada no serviço público estadual ganha, em média, R$ 4.700 por mês. Com as gratificações incorporadas, o salário pode alcançar R$ 8 mil. Apesar deste valor, o sindicato destaca que a lei não está sendo cumprida e nem a inflação é repassada.

A entidade também está de bronca com os municípios. As prefeituras não estariam respeitando o plano de cargos e salários e adotando uma política de perseguição aos profissionais médicos. 

“Temos que, mesmo com os nossos direitos usurpados, cumprir a carga horária excessiva, atender dezenas de pacientes por dia. Por estes e outros fatores, os médicos têm tempo de vida menor em relação a outras profissões, são constantemente alvos da fúria de pacientes, sofrem com grande número de suicídios e é cada vez maior a quantidade de doentes crônicos (portadores de diabetes e hipertensão)”, ressalta.

Ele cobra realização de concurso público no Estado. Desde 2003 que o quadro efetivo de médicos não é ampliado. “Pior é que vemos a inércia dos órgãos fiscalizadores do Poder Público, principalmente diante de problemas absurdos como os que acontecem no HGE, por exemplo”.

Já o Cremal faz uma análise da qualidade dos profissionais formados a cada ano em Alagoas e a relação deles com o mercado de trabalho. Atualmente, o estado forma uma média de 130 médicos, a partir das turmas concluídas na Ufal [Universidade Federal de Alagoas] e na Uncisal [Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas], mas a partir do ano que vem este número vai passar de 400, com formandos das escolas privadas.

“A Ufal é diferencial e tem nota máxima no curso de medicina, avaliado pelo MEC. As faculdades particulares indicam ser boas, até pelo corpo docente, herdando professores que já passaram pelas instituições públicas daqui. No entanto, o que mais preocupa é a quantidade de formados. Avalio que o mercado possa estar saturado em Alagoas já no ano que vem”, analisa Fernando Pedrosa.

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