VÍTIMA FOI ESPANCADA E ESTUPRADA POR EX-NAMORADO
Para advogada, falta amparo às mulheres agredidas e também é preciso trabalhar a prevenção
Por REGINA CARVALHO/ REPÓRTER | Edição do dia 07/03/2020 - Matéria atualizada em 07/03/2020 às 06h00
No dia 2 de abril de 2017, um domingo, Maria (nome fictício) foi agredida pelo ex-namorado, que não aceitava o término do relacionamento e passou a ameaçá-la. “Cinco meses após a gente acabar, ele me pegou na porta de casa, me jogou para dentro, me espancou por mais de quatro horas e me estuprou. O namoro durou só quatro meses. Tem homem que trata a pessoa como se fosse um objeto. Com dois meses de namoro ele começou a mostrar quem era ele, se tornando agressivo. Mas jamais imaginei que ele chegaria ao ponto que ele chegou. Me ligava dezoito, vinte vezes, me ameaçava e dizia que se eu não fosse dele não seria de homem nenhum. Eu pensava que ele falava isso só pra fazer eu voltar. Na cabeça dele eu tinha alguém”, recorda Maria. Mãe de uma adolescente, ela tenta retomar a vida, mas ainda teme reencontrar o ex-namorado. Anos depois ainda lembra do quanto peregrinou até conseguir colocar seu agressor na prisão. “A agressão foi no interior, onde ele é muito conhecido, então eu resolvi não denunciar na delegacia da cidade (Colônia Leopoldina). Vim para Maceió. Tirei foto da casa que ficou ensaguentada, do meu corpo. Ele arrancou meus cabelos. Revelei as fotos e fui na delegacia da mulher. Não denunciei no mesmo dia porque fiquei com medo. Mas eu pensei: isso não pode ficar impune”, explica a vítima, que hoje vive em Maceió. Segundo Maria, um dos momentos mais difíceis quando teve de provar que houve estupro. “Na delegacia foi horrível. Quando fui denunciar, a delegada não estava e a policial assinou e esqueceu de colocar a solicitação de conjunção carnal, então o meu estupro só foi aceito porque o agressor caiu em contradição. O médico-legista se negou a fazer o exame porque não tinha solicitação da polícia, mas ele não deveria ter se negado. Isso só descobri depois. Fiz só de corpo de delito, mas o juiz acatou que houve estupro”, lembra. O agressor foi preso, mas ficou menos de três meses atrás das grades, segundo a vítima. “A alegação é que ele não representava risco à sociedade. Então eu pergunto: e eu não faço parte da sociedade não? Não dá pra entender. Você vira só mais um caso na estatística. Para mim ele ainda é uma ameaça, porque eu que vivo me escondendo. Abandonei emprego, abandonei família, saí fugida. Ele sai, vai à festa. Até hoje tenho medo. Isso me dá pânico, me dá revolta. Muita humilhação, muito constrangimento. Tenho depressão. Preciso de um emprego, porque o que eu tinha abandonei quando fui agredida e quero justiça. O estado não dá estrutura para a vítima, o poder público é muito falho”, lamenta.
ESTRUTURA
A advogada Paula Simony Lopes é coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM), entidade que acolhe vítimas da violência e avalia que não houve avanço nas políticas públicas em Alagoas. “Continuamos tendo apenas as delegacias nos bairros Salvador Lyra e no Centro, em Maceió, e também a de Arapiraca. O serviço triplicou, a violência aumentou e a estrutura de atendimento não melhorou. Depois que denuncia, a vítima vai para onde? Quem vai ajudar essa mulher a se reerguer?”, questiona Paula Simony. “Se for vítima e morar no interior, vai morrer lá mesmo, principalmente se for uma cidade pequena. Apenas o abrigo Viva Vida, em Maceió, acolhe vítimas. Se for observar os órgãos de proteção à mulher são mínimos. Não tem serviço de atendimento e aqui a gente tem 102 municípios e praticamente nenhum serviço de atendimento. A Patrulha Maria da Penha é um instrumento importante, mas é repressor, pós-violência, fazendo com que o agressor não se aproxime da vítima. Só que a gente não tem política pública aplicada para prevenir a violência ou serviço de encaminhamento para amparar a mulher que muito provavelmente volta para o agressor porque não tem renda e é dependente emocionalmente. Quando a gente fala de politicas públicas a gente fala de todos os instrumentos da rede funcionando e a gente sabe que muitos são precários”, explica a coordenadora do Centro de Defesa dos Diretos da Mulher (CDDM).
CUIDADO COM O AGRESSOR
A advogada lamenta que não há amparo às vítimas e que também é preciso cuidar do homem, o agressor. “Segundo as estatísticas, o homem que comete a violência vai cometer com, pelo menos, mais cinco mulheres e não tem esse trabalho em Alagoas de cuidar do agressor. Tudo isso tem na própria Lei Maria da Penha. É preciso trabalhar a prevenção, o homem e a mulher após violência. Às vezes a gente sente como se o governador não estivesse ouvindo a nossa voz, como se a gente não tivesse falando. Falta sensibilidade”, lamenta Paula Simony.