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Cidades

À própria sorte: 500 mil alagoanos não têm como comprar álcool gel

Um terço da população vive em situação de miséria em favelas, sem água tratada, sem saneamento e estão suscetíveis as doenças infectocontagiosas

Por arnaldo ferreira | Edição do dia 28/03/2020 - Matéria atualizada em 28/03/2020 às 11h50

 Diante do crescimento progressivo e assustador de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus mundo afora, os mais pobres de Alagoas se sentem entregues à própria sorte. A maioria, resignada, acompanha a multiplicação de casos confirmados nas favelas sem água tratada, saneamento nem dinheiro para comprar álcool em gel ou sabão para manter a higiene constantemente. Os números oficiais confirmam o drama. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), da população 3,3 milhões de alagoanos, 562.706 pessoas vivem em situação de extrema pobreza.

As famílias que aparecem nas estatísticas oficiais afirmam que a prioridade, neste momento, é não morrer de fome. Esquivar-se da possível contaminação não é citado em favelas que não tem sequer água tratada. A maioria das famílias espera proteção “divina”.

A Gazeta de Alagoas esteve na comunidade “Sombra dos Eucaliptos”, no Distrito Industrial Luiz Cavalcante, uma das mais pobres da parte alta de Maceió. Lá moram mais de 50 famílias de recicladores (catadores de latinhas e papelão) em barracos sem banheiro, sem cozinha organizada, no meio do lixo, da lama, insetos, roedores, com muitas crianças doentes, com tosse, fora da escola, idosos com graves problemas renais, no aparelho respiratório, diabéticos e hipertensos. A maioria dos adultos é analfabeta ou com baixa escolaridade. Os barracos dividem espaços com pocilgas. O mau cheiro é forte por todos os lados. Todos estão com medo da Covid 19 e não têm como adotar as medidas preventivas recomendadas pelas autoridades de saúde.

O local é comparado com as moradias dos países mais pobres da África. As famílias em condição de miséria absoluta recebem doações de cestas básicas uma vez por mês de entidades religiosas que também distribuem, uma vez por semana, sopa e material de limpeza. Roupas também chegam em doações nos períodos de Natal e Dia das Crianças. As pessoas mais velhas têm dúvidas de como se prevenir do coronavírus e “acham” que a única maneira de se livrar é com álcool em gel, mas ninguém tem o produto nos barracos e muito menos condições de comprá-lo.

Uma das líderes dos moradores, a também recicladora Luzinete dos Santos, aprendeu, pela TV Gazeta, que, para escapar da Covid 19, as pessoas precisam usar máscara no rosto ao sair, lavar bem as mãos com sabão e usar frequentemente o álcool em gel. Ela afirmou que ninguém tem condições de cumprir as medidas preventivas na comunidade. “Uma das coisas que a gente precisa, urgentemente, aqui é a presença da Vigilância Sanitária. A sujeira é grande. As casas são misturadas com pocilgas. Os porcos convivem com as crianças e idosos. Todo mundo está doente. É uma total desorganização e muita pobreza, aqui”. A recicladora imagina que se o vírus chegar lá será um caos.

A vizinha de Luzinete, a dona de casa e recicladora Roseane Alves da Silva, mãe de seis filhos menores de 14 anos, com o mais novo de 2 anos de idade no colo, disse que não tem condições de dar banho frequentemente nos filhos que ajudam na reciclagem e andam descasos na lama por falta de condições de comprar sandálias para todos. Revelou ainda não ter condições de comprar álcool em gel. “Vivo da reciclagem. O pouco dinheiro que a gente consegue mal dá para alimentar as crianças, como é que vou comprar o álcool em gel?”. A renda mensal dela é inferior a R$ 200. Roseane vive a realidade prevista nas estatísticas oficiais, que mostram Alagoas como o segundo maior percentual de pobres do Brasil, com renda de R$ 145/mês.

Miserabilidade

Segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgado em novembro do ano passado pelo IBGE, quase metade da população alagoana sobrevive em condições de extrema pobreza, com renda mensal de R$ 145. De acordo com dados relativos ao ano de 2018, Alagoas está abaixo apenas do Maranhão, que tem 53% da população com rendimento abaixo da linha de pobreza. A pesquisa aponta ainda que 13,5 milhões de brasileiros sobrevivem com renda inferior R$ 145.

Por enquanto, a Covid 19 vitimiza pessoas da classe média e média alta, observou um dos principais economistas de Alagoas, o professor-doutor Cícero Péricles, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), ao demonstrar preocupação com os segmentos mais pobres do Estado.

A recicladora Maria do Carmo, 65 anos, mãe de quatro filhos, sete netos, diz que não pode ter medo do coronavírus. “Recebo salário mínimo da aposentadoria, gasto quase tudo na alimentação dos netos e ainda ajudo meus filhos com trabalho na reciclagem. O dinheiro não dá para comprar nem comida, quanto mais álcool em gel. Se eu ficar com medo do vírus vai ser pior”. Maria tem problemas de hipertensão, recebe medicamentos do Estado e não tem condições de comprar remédios quando falta na farmácia pública.

Os agentes do programa de Saúde da Família passam, regularmente, nas favelas da cidade. Quando percebem criança ou adultos com enfermidades graves e problemas respiratórios, os encaminham para os postos de saúde da atenção básica do bairro. O reciclador Ivan Rocha dos Santos, 62 anos, aposentado, confirmou a presença dos agentes de PSF nas comunidades pobres da parte alta da cidade. “Eles vêm aqui ao perceber um doente o encaminha para as unidades saúde. Ninguém pode comprar álcool em gel para a gente se livrar do vírus que está matando todo mundo”, reclamou.

Ivan sabe que é do grupo de risco do coronavírus por causa dos problemas de pressão alta. “Fui encaminhado para o posto do Salvador Lyra. Marquei a consulta há seis meses e até agora não fui atendido. Falta médico e, quando tem, eles faltam ao trabalho”. Os vizinhos dele sempre vão ao posto e também não conseguem atendimento regular por falta de médicos. As famílias entrevistadas na comunidade pediram comida, assistência médica efetiva nas favelas e álcool em gel. “Mais de 50 famílias de recicladores vivem no meio do esgoto, das pocilgas, ratos, moscas, mosquitos, mal cheiro e animais domésticos doentes. Estamos entregues à própria sorte”, lamentou Ivan Rocha dos Santos.

Posto do Salvador Lyra triplicou atendimento

Foto: arnaldo ferreira
 


Triplicou o atendimento no posto de saúde de atenção básica do bairro Salvador Lyra, na parte alta da cidade e o mais próximo da favela “Sombra dos Eucaliptos”. A maioria dos pacientes vem também de outras comunidades pobres. Eles chegam assustados, com sintomas de gripes e querendo álcool em gel, revelaram os atendentes da unidade, ao desmentiram a falta de médico na unidade. Diante da grande procura por assistência, alguns esperam atendimento sentados no chão. Os médicos e atendentes orientam as pessoas com sintomas de gripe a manter distância, higiene pessoal mais rigorosa, lavar as mãos até o cotovelo, as pessoas com mais de 50 anos a permanecerem em casa e evitarem contatos com netos, parentes, vizinhos com sintomas de gripe. Poucos atendem as recomendações por absoluta falta de condições sociais.

Antônia Maria da Conceição, 52 anos, esteve no posto para tentar marcar exames de rotina. Sentada no chão, revelou que estava tentando marcar exame de ultrassonografia e buscar mais informações a respeito da Covid 19 porque estava com sintomas de gripe. Ele conseguiu R$ 30 para comprar um litro de álcool em gel na última quarta-feira (18). Reclamou do preço. “Eles [comerciantes] sabem que estamos preocupados, assustados e abusam no processo de álcool”.

Outra mulher em tratamento de câncer, Sirleide Santos Pereira, 63 anos, sabe que faz parte do grupo de risco. Gripada, estava no posto para atendimento. Também não tem condições de comprar álcool em gel. Mora com filhos, netos e bisnetos. “Sei que faço parte do grupo de risco, mas tenho que conviver com meus filhos, netos e bisnetos. Eles só têm a minha casa para morar. Espero não contrair esse vírus que está matando as pessoas”, disse, resignada.

Outra paciente com sintoma de gripe, sem se identificar, aproveitou para reclamar que desde outubro tenta conseguir fazer a endoscopia. Ela recebe dois salários mínimos de aposentadoria. Mesmo assim, confessa que está assustada e não tem condições de ficar comprando o álcool em gel frequentemente.

Gripes

Um dos atendentes do Posto de Saúde, Roberto Calaça, confirmou o aumento no atendimento de pacientes com sintomas de gripe. “As pessoas chagam gripadas e preocupadas. Os sintomas da gripe neste momento são comuns por causa da mudança de temperatura que esfriou bruscamente e tem registrado chuva. Com a chegada do período invernoso sempre aumenta o atendimento de pacientes com sintomas de viroses e gripes. Por causa da Covid 19, muita gente chega com medo”.

Calaça garantiu que os médicos estão atendendo todos os casos. Confirmou também o aumento no atendimento de pessoas das comunidades de baixa renda da região, entre elas os recicladores da “Sombra dos Eucaliptos”. A maioria chega com gripe. “Estamos orientando as pessoas a lavar bem as mãos, demoradamente, até o cotovelo, utilizando sempre sabão comum”. Assegurou que não há motivo para pânico. “Este momento é de prevenção e quem estiver com gripe forte deve ir ao posto”, recomendou Calaça ao lembrar que qualquer caso suspeito o paciente será encaminhado à unidade de referência. “Por enquanto, os casos são gripais, dentro da normalidade do período. Estamos atentos”, disse o agente de Saúde.

Ladrões atacam posto de saúde pela quinta vez

O Posto de Saúde de Atenção Básica Arthur Ramos, do conjunto Henrique Equelman, também na parte alta da cidade, foi atacado por ladrões pela quinta vez. Entre os produtos roubados, o de maior valor foram dois computadores. “O posto não parou o atendimento e está funcionando normalmente”, garantiu o diretor da unidade, José Gomes. A unidade está com o movimento acima da média. Os pacientes com sintomas de gripe buscam atendimentos também no Salvador Lyra ou nas unidades de atenção básica e de Pronto Atendimento do populoso bairro do Benedito Bentes.

Gomes, além de confirmar os ataques, disse que os ladrões levaram dois computadores e a bomba d´água. “Nós temos um fluxo grande de atendimento, quando nos roubam qualquer equipamento prejudica a população”. Ao assegurar que o atendimento está normal, disse que a Secretaria Municipal de Saúde imediatamente repôs os equipamentos roubados. “A população não pode ficar sem atendimento neste momento de coronavírus”.

Muita gente procura o posto em busca de álcool em gel. José Gomes esclareceu que não há nenhum programa de distribuição do produto. Revelou, porém, que o álcool está disponível para os usuários e funcionários para uso no posto.

Sesau alerta que 21 tipos de vírus gripais circulam no Brasil

Neste momento, 21 tipos de gripe circulam no País. O secretário de Estado de Saúde, Alexandre Ayres, tranquiliza a população e garante que não há motivo para pânico. O Estado, segundo ele, está preparado para atender casos suspeitos e confirmados. A Sesau está treinando os agentes de Vigilância em Saúde dos 102 para identificar possíveis casos de Covid 19 rapidamente. Os atendimentos aos pacientes com sintomas gripais aumentaram. A porta de entrada é pelas Unidades Básicas de Saúde ou de Pronto Atendimento (Upas).

Para as pessoas que moram nas favelas ou não têm condições de comprar álcool em gel, a superintendente em Vigilância em Saúde da Sesau, Cristina Rocha, explicou que o produto é indicado quando não se tem água e sabão disponível. “Os cuidados para a prevenção do coronavírus são os básicos de higiene pessoal: lavar as mãos antes de ir e ao sair do banheiro, cuidados ao espirrar e tossir usando sempre a dobra do braço, evitar apertos de mãos, abraços, colocar as mãos nos olhos, boca. O álcool em gel é recomendado em determinadas situações. Onde o produto não está disponível, a recomendação é manter a higiene principalmente das mãos e braços com água e sabão, o máximo de vezes possível”.

Os agentes de saúde do Programa Saúde da Família também orientam as comunidades as melhores práticas simples de higiene, explicou a superintendente da Sesau, Cristina Rocha.

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